
A democracia da toga
Eduardo Uhlein - Desembargador do TJRS
Envergar a toga, símbolo de integridade e circunspecção na atividade da Justiça, nunca foi ceder ao clamor das multidões ou às vozes que buscam se impor pela força. É, por essência, um exercício contramajoritário, que desafia pressões em nome da concretização dos direitos fundamentais, observadas as linhas traçadas pela Constituição Federal e pela lei.
A cena pública das sustentações orais e dos debates em plenário pode sugerir o ápice da argumentação jurídica, marcada por retórica intensa, emoção e parcialidade. Mas é no silêncio dos gabinetes, longe dos holofotes, que o magistrado analisa provas, refina alegações, interpreta os fatos à luz do ordenamento jurídico e, com serenidade, decide.
A sentença não busca aplausos nem adesões fáceis. Sua função é resistir ao arbítrio, coibir abusos, garantir direitos e preservar a ordem jurídica como fundamento da vida em sociedade. Afirma que há regras, que a lei vigora, e que o Estado democrático de direito permanece sendo o pilar da convivência civilizada.
Por isso, soa grave - e injusta - a retórica que acusa o Poder Judiciário de instalar uma "ditadura da toga". Ao contrário da força bruta, da exceção e da mordaça a calar as liberdades de expressão em suas diferentes naturezas, marcas dos regimes autoritários, o Judiciário opera dentro dos limites legais, com motivação pública, transparência, controle recursal e obediência à Constituição. É esse compromisso que sustenta o equilíbrio institucional e protege a sociedade das tentações autoritárias, quaisquer que sejam suas origens.
O debate sobre os limites da atuação judicial é sempre legítimo, mas não deve redundar em equiparações indevidas e que depreciam a importância fundamental do Judiciário como guardião da Constituição e do regime democrático.
Em tempos de incerteza como os que vivemos, exige-se que se escolha entre o que é certo e o que é fácil. Que todos os que integram as instituições democráticas, inclusive as que representam a cidadania e a advocacia, saibam reconhecer essa escolha - e o valor de defendê-la. _
Atentado à Constituição - Jair Soares - Ex-governador do RS
Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei Complementar nº 108/2024, aprovado pela Câmara dos Deputados no final de 2024. O projeto de lei disciplina a institucionalização e o funcionamento do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços, à luz da Emenda Constitucional nº 132/2023, reforma tributária do consumo. A competência para a instituição do imposto foi deferida à União, em caráter privativo, quanto aos seus aspectos substantivos, prevendo-se a implantação gradativa até o final desta década. Isso está definido na Lei Complementar nº 214/2025.
Aos Estados, Distrito Federal e municípios, ficou reservada a "competência compartilhada" - melhor seria: "mitigada" -, via exercício pelas respectivas administrações tributárias das funções que lhes são inerentes, a partir das normas exaradas pelo comitê. A função de arrecadação do novel imposto, por exemplo, será centralizada no âmbito do comitê em tela, que fará a distribuição do que vier a ser arrecadado, tendo como destinatários os entes subnacionais. A operacionalização será realizada via split payment, sofisticada ferramenta tecnológica ideada para agilizar o compartilhamento da receita do IBS, a par reduzir, por suposto, fraudes e sonegação.
A leitura das atribuições do comitê gestor permite inferir: terá que ser organizada complexa estrutura para seu funcionamento, comandada pelo Ministério da Fazenda, do ponto de vista normativo e no plano tecnológico. Demais disso, os futuros contribuintes do IBS terão que concentrar suas atenções em pelo menos dois pontos fundamentais, no que respeita ao split payment: conformidade tributária e fluxo de caixa, face à dinâmica do tributo. Afora a incógnita quanto ao aumento da carga tributária, inevitável. As respostas às indagações supra estão com as senadoras e os senadores, bem assim as correções de rumo. Ainda há tempo.
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