Nos bastidores da capitulação de Trump, o risco de colapso
A interpretação do episódio que culminou com a capitulação de Donald Trump em 9 de abril ainda vai consumir muitas páginas em livros de história... ou em memória de inteligência artificial. Mas, ontem, houve certo consenso em apontar o sinal de travamento na negociação dos títulos do Tesouro dos EUA como gota d?água para a capitulação.
Os Treasuries, como são conhecidos, costumam ser apontados como o porto seguro dos portos seguros, portanto qualquer trava à negociação era algo impensável. O risco de colapso teria sido explicitado a Trump pelo secretário do Tesouro, Scott Bessent, que se opunha ao tarifaço defendido pelo secretário de Comércio, Howard Lutnick.
Detalhe: a China é o segundo maior detentor desses papéis no mundo, com US$ 761 bilhões, segundo o mais recente relatório do próprio Tesouro americano. O primeiro é o Japão, com US$ 1,08 trilhão, e o terceiro, o Reino Unido, com US$ 740 bilhões. O Brasil também tem esses títulos nas suas reservas, por sua suposta segurança.
Problemas nos Treasuries explicitam que Trump perdeu boa parte da confiança. Dos mercados, dos demais líderes globais, do comando das gigantescas corporações americanas. E suas declarações recentes levantam outra discussão: quão estável está o líder da maior economia do planeta?
Método ou loucura?
O jornal referencial para o mercado financeiro americano, The Wall Street Journal, expressou essa dúvida em título, ontem: "Depois do declínio das tarifas, o mundo pergunta: é método ou loucura?"
É importante observar que a publicação pertence ao grupo de Rupert Murdoch, fiel apoiador de Trump. A formulação usa como referência uma citação de William Shakespeare em Hamlet, em que outro personagem (Polônio) diz que atos irracionais do príncipe "parecem loucura, mas têm método".
Horas antes de capitular, o presidente dos EUA havia comentado a romaria dos pedidos de negociação com uma expressão muito grosseira. Disse que havia uma fila de países "kissing my ass" (perdão, leitores, em português seria algo como "beijando meu traseiro", para usar tradução mais leve).
"Pessoas um pouco assustadas"
Depois do post que marcou a retirada das tropas de tarifas, Trump celebrou a marca histórica da alta da Nasdaq (12,16%), como se ele não tivesse criado o precipício para que as ações despencassem.
- Isso não tem nada a ver com tarifas - afirmou, como se houvesse causa sem consequência.
Em seguida, ensaiou uma confissão:
- As pessoas estavam ficando muito agitadas.
Pesquisas depois do tarifaço mostraram queda de aprovação de Trump nos EUA e rejeição majoritária à guerra comercial. E essa reprovação veio de investidores que o apoiaram, líderes corporativos, instituições financeiras e pequenos empresários e comerciantes. É bom lembrar que os americanos de classe média têm hábito de investir na bolsa, o que faz perdas de valor de mercado provocarem prejuízos reais a pequenos poupadores. _
Bolsas asiáticas e europeias disparam e as americanas... voltaram a cair
Depois que Trump voltou atrás e adiou por 90 dias a aplicação de tarifas acima de 10%, com exceção da China, bolsas asiáticas e europeias dispararam, enquanto índices americanos e a Nasdaq... voltaram a cair. A japonesa Nikkei fechou com salto de 9,13%, enquanto a Hang Seng, de Hong Kong (China), subiu 2,06%.
As principais bolsas europeias subiram: Londres (FTSE 100) teve alta de 3,04%; Frankfurt (DAX), de 4,53%; Paris (CAC 40), de 3,83%; Milão (FTSE MIB), de 4,73%. No Brasil, o dólar teve alta de 0,92%, para R$ 5,899, e a bolsa registrou queda de 1,13%.
Um dos motivos é óbvio: tanto as asiáticas quanto as europeias já haviam fechado, na quarta-feira, quando Trump anunciou o recuo. As americanas tiveram saltos históricos logo em seguida: 7,87% no índice mais tradicional (DJIA) e 9,52% no mais abrangente (S&P 500) da bolsa de Nova York e 12,16% na Nasdaq, de tecnologia. Ontem, quem decolou na véspera tentou manter os pés no chão: Dow Jones Industrial Average ou DJIA teve baixa de 2,5%; o mais abrangente (S&P 500), queda de 3,46%; e a Nasdaq, de empresas de tecnologia, baixa de 4,31%. _
"Fakeflação" voltou, agora com ovos de Páscoa "sabor chocolate"
Em 2022, quando o Brasil passou mais de 10 meses com inflação anual acumulada em dois dígitos, surgiu a "fakeflação", com maquiagem de produtos para reduzir custo e facilitar a venda. Na época, os mais famosos foram soro de leite (subproduto da fabricação de queijo) em embalagens semelhantes às do leite longa vida e caixinhas de "mistura láctea condensada".
Em 2025, a "fakeflação" voltou. Surgiu o pó "sabor café" e agora, os ovos de Páscoa "sabor chocolate". No Brasil, é necessário ter ao menos 25% de cacau na composição para que um produto possa ser chamado de chocolate. Menos, vira "sabor chocolate". Não é ilegal se estiver escrito bem claro na embalagem. _
Entrevista - Jaana Goeggel
"Decisões seguem concentradas em homens"
Um dos focos do South Summit Brazil 2025 é o empreendedorismo das mulheres. Uma das participantes dos painéis é Jaana Goeggel, fundadora da Sororitê Angel Network, rede de mulheres investidoras no Brasil em sociedade com Erica Fridman. A suíça diz que está aberta a receber projetos de gaúchas.
Qual sua trajetória no país?
Estou há 17 anos no Brasil. Minha carreira é de executiva, trabalhei em multinacionais. Sou formada em engenharia. No Brasil, passei por American Express e Expedia Group, grandes empresas americanas, sempre em posições de diretora de inovação, novos negócios, estratégia e produto. Saí da Expedia em 2020, na época da pandemia. Saí do mundo corporativo porque não era possível viajar e estava cansada de tentar incentivar a inovação em empresas grandes. (...) E a vida me levou para outros caminhos.
O que ocorreu?
Quis usar o tempo para conhecer o ecossistema das startups. Comecei a fazer investimento anjo (aporte de recursos de pessoa física) em um grupo em São Paulo dos graduados da Columbia University. Foi ótimo, porque havia muitos colegas do mercado financeiro, que trabalham em fundos, bancos de investimento. Mas eu era a única mulher, a única investidora, também não havia mulheres no nosso dealflow (fluxo de oportunidades de negócio). Isso reflete o mercado, mas me incomodava.
Quando um amigo me conectou com a Erica, minha sócia, e ela me falou em criar um grupo só de mulheres investidoras, investindo em startups de mulheres, achei o máximo. Topei na hora, e começamos um grupo de menos de 10 mulheres amigas no WhatsApp. Era 2021, não havia grandes ambições, mas fomos crescendo. (...)
Nosso foco sempre foi ser um grupo acolhedor para mulheres, para transformar mais mulheres em investidoras, porque entendemos que precisamos mudar o topo do funil. Decisões ainda estão muito concentradas em homens brancos de meia-idade. Principalmente quando falamos sobre investimento em startups early stage (estágio inicial), em que não há dados. (...) Existem estudos de diferentes áreas demonstrando como mulheres são avaliadas de forma diferente do que homens, como executiva ou fundadora de start- up. Não surpreende que só 2% do capital investido em startups vai para fundadoras mulheres. Nosso trabalho é trazer mais mulheres a ser donas do capital para investir em outras mulheres.
Está crescendo?
Sim, mas ainda são poucas as mulheres, de 15% a 20% no Brasil, que são investidoras anjo. Estamos trabalhando para aumentar.
Com quantas empresas de mulheres estão trabalhando?
Temos uma base de centenas de mulheres, que está crescendo. Toda semana recebemos novas inscrições. Quem fala que não tem mulheres para investir está mentindo. Fizemos dois investimentos no fundo até agora e temos portfólio de 18 startups que foram investidas pelo grupo de anjos. _