terça-feira, 4 de fevereiro de 2025



04 de Fevereiro de 2025
CARPINEJAR

Inimiga infiltrada

Fui um menino do terreno baldio. Entrava nos terrenos vazios da vizinhança para roubar frutas. Tinha que enfrentar uma adversária implacável que depenava os galhos antes de minha passagem: a erva-de-passarinho.

Ela devastava qualquer tronco. Era a inimiga da fertilidade. A vilã do pomar e da abundância. Para quem não conhece, a erva do passarinho corresponde a uma planta parasita que enforca a árvore lentamente, sugando a sua energia, o seu viço, a sua vitalidade, deixando apenas uma ossatura oca no lugar da vida.

Ela possui o poder da camuflagem. Seu arbusto confunde e sugere ser parte da sua vítima hospedeira. O recurso mais hábil para identificá-la é perceber folhas verdes em árvore seca.

Também chamada de visco, a erva vem do excremento das aves, nascendo a partir de sementes residuais do que foi expelido ou regurgitado.

Considerada um símbolo sagrado pelos druidas, que a colhiam no inverno para atos religiosos, é uma praga na urbanidade. Porto Alegre está infestada. A erva-de-passarinho tomou conta da cidade, em especial do bairro Menino Deus.

Basta andar pelas avenidas Getúlio Vargas e Praia de Belas ou pelas ruas como Visconde do Herval, Botafogo e Rodolfo Gomes e olhar por cima dos galhos. Existe uma procissão de árvores já mortas ou definhando por exibir a coroa fúnebre da erva-de-passarinho.

A prefeitura deve despertar para esse problema gravíssimo. Assim como realiza as podas, precisa conferir a saúde da flora. Há espécimes que ainda podem ser salvos. Há pés que terão que ser sacrificados. O que não é possível admitir é a indiferença generalizada para a propagação do enxerto.

Não somente porque ameaça a arborização de nosso espaço público, mas também porque facilita o tombamento de árvores sobre casas ou postes de rede elétrica durante chuvas e tempestades. O risco de acidentes é alto, tendo em vista os frequentes ciclones nos últimos anos. Representa um perigo para a segurança dos moradores.

A ausência de prevenção da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) apenas acarretará trabalho dobrado de limpeza e desobstrução de vias para a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSUrb).

Porto Alegre já ostentou o título de terceira cidade mais arborizada do Brasil, com um índice de 82,7% segundo o IBGE, há 15 anos. Já recebeu o certificado do programa Tree Cities of the World, que reconhece iniciativas de todo o mundo que investem na ecologia e desenvolvimento sustentável. Parece que esquecemos a nobreza do nosso passado.

A Capital tem hoje aproximadamente 1 milhão de árvores. Segundo a Unidade de Podas e Remoção de Vegetais (UPRV), cerca de 20% estão contaminadas com a erva-de-passarinho.

Entre 2017 e 2020, foram suprimidas 11.392 árvores em áreas públicas e privadas, sendo que menos da metade acabou vingada com novos plantios. Nesse ritmo, nossa cartografia ficará descaracterizada.

Não gostaria que Porto Alegre virasse um terreno baldio. 

CARPINEJAR



04 de Fevereiro de 2025
OPINIÃO DA RBS

Tarifaços e sangue-frio

A guerra comercial iniciada pelo presidente dos EUA, Donald Trump, requer atenção e cautela do Brasil. No sábado, o republicano anunciou a imposição de tarifas de importação de 25% para o Canadá e o México, de 10% para a China e ameaçou a União Europeia de ser a próxima da fila. Ontem, no entanto, firmou acordos com os governos mexicano e canadense que postergam por um mês o início das sobretaxas a partir do compromisso dos vizinhos de reforçar a vigilância nas fronteiras para combater o tráfico do opioide fentanil.

Outros aspectos da guerra tarifária de Trump devem ser considerados. As tensões com Pequim, no mandato anterior do republicano, forçaram a China a adquirir mais produtos agropecuários do Brasil, principalmente soja. Por enquanto, os chineses dizem que vão recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC), órgão que na prática está paralisado, em mais um sinal da crise do multilateralismo, e tem chances ínfimas de solucionar um contencioso como este. Em 2019, o gigante asiático, em represália, acabou sobretaxando a soja norte-americana.

Por fim, o Brasil deve ficar atento aos reflexos indiretos tanto da guerra comercial de Trump quanto da política de caça a imigrantes ilegais. Os tarifaços, se levados adiante, tendem a tornar produtos mais caros nos EUA e interromper cadeias de suprimentos. As deportações em massa devem restringir a oferta de mão de obra. Nos dois casos, o efeito é inflacionário, elevando as incertezas sobre o ciclo monetário norte-americano.


04 de Fevereiro de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Guerra comercial, pero no mucho

A política comercial de Donald Trump usou mesmo sua própria imprevisibilidade para negociar. O que parecia ser o início de uma guerra comercial provocou estragos no mercado ontem. Mas antes do final do dia, foram negociados acordos com México e Canadá. Se isso não tivesse ocorrido, os produtos dos dois países teriam ficado 25% mais caros para... os americanos.

A China teve reação quase irônica: avisou que vai contestar os EUA na Organização Mundial do Comércio (OMC) - instituição que ajudou a desmoralizar com políticas de dumping (exportação a preços mais baixos do que os de mercado) - e prepara medidas equivalentes.

Um dos riscos seria a maior dificuldade global de baixar preços, que subiram no mundo todo devido ao desarranjo das cadeias produtivas durante a pandemia. Além de afetar consumidores e empresas americanas que atuam no México e no Canadá, a medida de Trump poderia não ter o efeito esperado. Uma das "justificativas" das ameaças são os altos déficits comerciais dos EUA - importação maior do que exportação.

Conforme Welber Barral, ex-secretário de Comércio no Brasil, o déficit dos EUA é estrutural, ou seja, não pode ser resolvido por tarifas. E a maior saída de dólares com pagamento de importações é compensada por dividendos enviados para o país pelas multinacionais americanas - como a saída registrada no ano passado no Brasil - e por entradas de capital de investimentos estrangeiros.

No ano passado, o Brasil comprou cerca de US$ 40,5 bilhões dos EUA e vendeu ao redor de US$ 40 bilhões. Ou seja, o país de Trump tem leve superávit, de US$ 500 milhões. Não há justificativa, nem entre aspas, para aplicar tarifas sobre produtos brasileiros, em tese. Mas é bom lembrar que o presidente dos EUA vem ameaçando todos os países do Brics, do qual o Brasil faz parte.

Também em tese, o Brasil poderia até se beneficiar de uma eventual guerra comercial, exportando para os países barrados pelas tarifas americanas - caso um dia as ameaças sejam cumpridas. Para isso, claro, seria preciso contar com uma racionalidade de Trump que não se pode garantir. Para que a ameaça continue sendo levada a sério, em algum momento e para algum país as tarifas terão de ser aplicadas. Se nunca aplicar, Trump perde a vantagem do blefe. _

Claudia Sheinbaum, presidente do México, usou estratégia e tom certos na delicada negociação com Trump, que usa exatamente a imprevisibilidade como arma. Conseguiu adiar as tarifas por um mês e talvez para sempre. Vale copiar.

R$ 5,815

foi o fechamento do dólar ontem, resultado de variação para baixo de 0,38%. Foi a 11ª seguida. A cotação abriu em alta com a expectativa de aplicação de tarifas, chegou a ser negociada no patamar de R$ 5,90, mas não sustentou. Com o recuo na aplicação de tarifas, voltou a dominar a percepção de que Donald Trump usa as ameaças como fator de negociação, portanto pode não ter o impacto previsto inicialmente.

01

Primeiras casas definitivas serão entregues em março

Sim, atrasaram. Mas agora estão quase prontas. As primeiras 50 das 500 casas de R$ 110 mil e 44 metros quadrados doadas a desabrigados pela enchente serão entregues até o final de março em Muçum, um dos municípios mais afetados pelo dilúvio de maio de 2024.

Como é possível ver pelas fotos, a construção está adiantada, mas a presidente do Movimento União BR, Tatiana Monteiro de Barros, diz que será preciso esperar mais um pouquinho para que sejam mobiliadas e até com enxoval:

- Buscamos mais 30 empresas doadoras, para que cada casa seja entregue completa, mobiliada e até com lençóis.

Por que diesel sobe se Brasil é autossuficiente

O aumento do diesel decidido pela Petrobras na semana passada, depois de semanas de especulação, voltou a chamar atenção para a dependência do Brasil do preço internacional. A atual posição do Brasil de quinto maior produtor de petróleo do mundo reforça a pergunta que sempre surge nesses momentos: se a produção nacional atende a quase todo o consumo, por que é preciso seguir a cotação internacional?

O motivo imediato é a dependência de diesel em volume. No ano passado, até houve ligeiro recuo das importações (-1,1%), porque uma regra tributária havia antecipado compras no ano anterior. Mas sempre que a atividade econômica aumenta - o crescimento do PIB em 2024 é estimado por volta de 3,5% -, o consumo de diesel também sobe. E a dependência do diesel importado segue em torno de um terço do consumo.

E por que não se produz mais diesel? Ao ser refinado, o petróleo rende gasolina e diesel, com valor alto, mas sobram frações mais pesadas, como coque, com baixo valor e baixa aplicação. Obter a quantidade de diesel que falta exigiria investimento bilionário, com retorno abaixo do necessário para viabilizá-lo.

Mas há outro motivo: toda a indústria petrolífera é ancorada no preço global da matéria- prima. Isso significa que preços de equipamentos, máquinas e até serviços são atrelados ao valor internacional do barril. Se a cotação sobe, os preços acompanham, e vice-versa. Então, especialmente na fase de alta, se a Petrobras não acompanhar a variação, vai gastar mais do que recebe. Como o Brasil já viu esse filme sem final feliz, administrar uma alta tem custo político menor do que seria o de minar a estabilidade da maior empresa do país, estatal ou não. _

Musk perde com guerra comercial

As ações da Tesla, de Elon Musk, caíram cerca de 5% ontem, com o anúncio de Trump - não confirmado - de tarifas contra Canadá e México. Foi uma perda de US$ 60 bilhões em valor de mercado. Ocorre que os carros do integrante do governo dos EUA são montados no país com boa parte de peças mexicanas e canadenses.

GPS DA ECONOMIA


04 de Fevereiro de 2025
POLÍTICA E PODER

Reajuste do magistério abre agenda de 2025 na Assembleia

A exemplo do que fez em anos anteriores, o governo vai aplicar o percentual em toda a tabela remuneratória do magistério, o que tem impacto estimado em R$ 437 milhões por ano.

O projeto será enviado em regime de urgência e tende a ser aprovado com tranquilidade, a despeito da reclamação da oposição sobre a regra do reajuste, que faz com que parte dos professores aposentados receba um aumento menor do que o aplicado no piso. A previsão é de que 25% dos inativos fiquem nessa condição.

Sem projetos polêmicos no radar, Leite começa o ano focado nas agendas do Executivo, cujas principais metas são a consolidação do plano de desenvolvimento econômico lançado em 2024 e a qualificação da educação.

Ao mesmo tempo, o governador organiza uma reforma no secretariado, que deve se consolidar ainda em fevereiro, antes da viagem à Holanda que Leite fará para conhecer obras de contenção de enchentes.

Na terça da próxima semana, o governador deverá comparecer à Assembleia para levar sua mensagem anual e discursar aos deputados. No ato, o chefe do Executivo costuma apresentar um balanço do ano anterior e indicar as prioridades para o exercício que está começando. _

O que mais está no radar do governo

Projetos que podem ser votados pela Assembleia neste semestre. Polícia Penal - Regulamen­tação da instituição, criada há dois anos para equiparar agentes penitenciários às demais categorias policiais. Proposta está em discussão com entidades de servidores.

Dragagem - Está nos planos aplicar R$ 700 milhões na dragagem de hidrovias do Estado, mediante aumento de capital da empresa pública Portos RS, o que depende de aprovação dos deputados.

Adesão ao Propag - Piratini negocia com o governo federal a adesão ao Propag, novo programa lançado pela União para o pagamento das dívidas dos Estados. No momento, o governo quer garantias de que o RS não sofrerá perdas com o novo programa. Quando formalizar entrada, a Assembleia precisa confirmar a adesão.

Tomadas - Proposta que veda a instalação de tomadas em celas e em áreas comuns de presídios foi protocolada no ano passado, mas teve o regime de urgência retirado por falta de acordo com a base aliada. Por ora, governo não cogita pedir nova urgência e deixará o texto tramitando em comissões.

Paulo Egídio

04 de Fevereiro de 2025
INFORME ESPECIAL - Rodrigo Lopes

RS perde sem representantes na cúpula do Congresso

A atual representatividade dos gaúchos na capital federal vai de mal a pior. Além de não contar com nenhum político no primeiro escalão de Lula desde a saída do ministro Paulo Pimenta da Secretaria de Comunicação (Secom), o Rio Grande do Sul perdeu também representatividade no comando do Congresso a partir da eleição de sábado, em que Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União-AP) foram escolhidos, respectivamente, novos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado.

O mapa da nova Mesa Diretora da Câmara mostra a balança de poder pesando para o Nordeste: cinco dos sete integrantes da cúpula da Casa são dessa região do país - além de um carioca e um paranaense. O único integrante do sul do Brasil é o deputado Sérgio Souza (MDB- PR), que é 4º Secretário.

A deputada Maria do Rosário (PT-RS), única gaúcha na antiga mesa, foi subsituída na 2ª secretaria por Lula da Fonte (PP-PE). Outro gaúcho, Pompeo de Mattos (PDT) era suplente. No comando do Senado, também não há gaúchos - aliás, nenhum representante do Sul e do Sudeste. Norte e Nordeste concentram a Mesa Diretora . _

Os bonés dominando a política dos EUA e do Brasil

Ministros licenciados e parlamentares da base do governo Lula utilizaram, na sessão que definiu os presidentes da Câmara e do Senado no último sábado, um boné com os dizeres: "O Brasil é dos brasileiros".

Pelo menos o ministro da Educação, Camilo Santana, das Relações Institucionais da Presidência, Alexandre Padilha, deputada federal pelo Paraná e presidente nacional do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffman, e o líder do governo no Congresso Nacional e senador pelo Amapá, Randolfe Rodrigues, foram vistos com o adereço azul.

O item é bem similar ao utilizado pelo republicano e presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que usa o lema Make América Great Again (na tradução, Torne a América Grande Novamente).

Em entrevistas a jornalistas no Congresso, o ministro Padilha falou que a ideia é se contrapor a Trump e que a frase foi criada pelo novo ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Sidônio Palmeira.

- Mostramos que brasileiros e brasileiras não batem continência para bandeira de outro país - disse em redes sociais.

Após as primeiras imagens circularem na internet, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL- SP), acusou os ministros de utilizarem bonés "anti-Trump". _

O que Pepe Vargas disse a Adolfo Brito antes da troca de cargo

No diálogo, o novo presidente disse a Brito que dará continuidade aos projetos sobre irrigação, que o antecessor assumiu como bandeira na gestão 2024/2025.

Para a entrevista, Pepe escolheu como cenário o quadro com a pintura de Getúlio Vargas.

- O vovô - brincou o deputado, que chega à Assembleia como um dos políticos mais experientes do Estado (além de deputado estadual, foi vereador, prefeito de Caxias do Sul, deputado federal e ministro do Desenvolvimento Agrário no governo Dilma Rousseff).

Apesar do sobrenome em comum, Pepe não tem parentesco com o ex-presidente da República. A brincadeira começou em Caxias do Sul, quando um amigo espalhou que ele seria neto de Getúlio.

- Vovô era um pouco autoritário - costumava dizer Pepe, quando lhe perguntavam sobre como seria o temperamento do antepassado de mentirinha. _

Dormindo com o inimigo

A taxação de parceiros geopolíticos passa uma mensagem péssima, de falta de confiança, que vai afastando aliados. A médio prazo, isso vai corroendo ainda mais a liderança global já bastante enfraquecida dos EUA. _

Mujica e Boric plantam oliveiras no Uruguai

Antes disso, Boric esteve no Palácio Estévez, onde se encontrou com o atual presidente Luis Alberto Lacalle Pou. Depois, seguiu para a fazenda Rincón del Cerro, onde mora Mujica. Lá, se reuniu com os líderes do Movimento de Participação Popular (MPP) e da Frente Ampla.

Em conversas com jornalistas, Boric disse que a viagem ao Uruguai serviu para se despedir de Lacalle Pou, que deixa a presidência uruguaia para Yamandú Orsi no dia 1º de março, e para se encontrar com Mujica e sua esposa e ex-vice-presidente, Lucía Topolansky. _

INFORME ESPECIAL

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025


03 de Fevereiro de 2025
CARPINEJAR

A coragem que faltou a Ronaldinho

Não é por dinheiro, não é pela boemia ou pela badalação. Neymar volta para a Vila Belmiro por um motivo nobre: salvar o time que o lançou, mergulhado em dívidas, recém-egresso da Segunda Divisão.

Ele nem precisa fazer gol, só o seu retorno já garantirá uma receita fabulosa com venda de camisetas, público no estádio e marketing orgânico. Pode-se falar qualquer coisa de Neymar - que ele não convence há quatro anos, que a série de lesões o afastou do estrelato, que ele deixou a carreira de canto para viver as benesses da fama, que jamais foi o mesmo do Barcelona, quando participou do inigualável trio ofensivo do futebol espanhol ao lado de Messi e Suárez -, pode-se gostar ou não gostar do maior artilheiro da história da Seleção Brasileira, dar de ombro ou virar as costas, menos dizer que ele não é grato a sua origem.

Neymar demonstrou uma fidelidade que faltou a Ronaldinho Gaúcho.

Quando comunicou que voltaria a jogar no Brasil, após passagem modesta pelo Milan, em 2011, era certo e unânime que o Bruxo retornaria ao Grêmio que o revelou. "Eu gosto tanto do Grêmio que, se fosse sempre assim, com estádio cheio e torcida apoiando, eu jogava de graça. O que vale é o amor à camisa", disse o jovem Ronaldinho, quando se sagrou campeão gaúcho em 1999.

Ele engoliria suas próprias palavras de jura eterna, quebraria sua promessa do pior jeito: abandonando o casamento no altar.

Com festa marcada no Olímpico para seu anúncio, Ronaldinho preferiu jogar no Flamengo. Desrespeitou acordo firmado com o Tricolor de Porto Alegre. A combinação foi dissimulada e maquiavélica, um leilão do passe por baixo dos panos. O Grêmio serviu de boi de piranha para negociar alto com o Maracanã.

O torcedor gremista que testemunhou seu glorioso nascimento para o esporte jamais perdoou a sua desfeita, a sua ursada. Até hoje, ele e seu irmão, Roberto de Assis Moreira, que também jogou no Grêmio, são figuras controvertidas no Estado.

Neymar experimentou dilema semelhante ao de Ronaldinho, só que fez o certo, cravou um final feliz e romântico entre ele e sua base. É quase um remake daquele enredo e drama - atletas de 32 anos, no auge da carreira, regressam ao clube de sua formação e projeção exatamente depois de 12 anos de protagonismo no futebol europeu.

O craque santista também tinha proposta do Flamengo, poderia enriquecer muito mais na Gávea, desfilar em campo para a torcida mais numerosa do mundo, porém optou pela magia do bairrismo: desenterrar do ostracismo e da sombra o manto 10 de Pelé.

No Peixe, a princípio, vai ganhar 2,4% do que recebia no Al-Hilal, da Arábia Saudita. Lá ele embolsava 6,6 milhões de euros mensais (cerca de R$ 40 milhões). Agora a remuneração de Neymar será de 160 mil euros (cerca de R$ 970 mil), o que representa uma queda de 97,6% no valor quando comparado ao time saudita, que o contratou em agosto de 2023.

E Neymar sempre teve salários astronômicos: no PSG, tinha um contrato de 30 milhões de euros anuais (R$ 111 milhões, à época) e, no Barcelona, o jogador faturava 15 milhões de euros por ano, o que equivalia a R$ 53 milhões no período.

Ou seja, sua escolha foi por amor. Se serão cinco meses ou cinco anos, tanto faz, ele devolveu o protagonismo das transmissões esportivas para o país, criou uma nova esperança e curiosidade.

O confronto com o Botafogo-SP, às 21h35min, na Vila Belmiro, na próxima quarta-feira, seria apenas mais uma rodada insípida do Campeonato Paulista. Mudou radicalmente de proporção. Deve ser a reestreia do Príncipe, do menino da Vila. Ninguém vai querer perder sua transformação em adulto. _

CARPINEJAR

03 de Fevereiro de 2025
CLÁUDIA LAITANO

Brutalistas

A maioria dos brasileiros pode não associar o nome à fachada, mas o país está repleto de construções influenciadas direta ou indiretamente pela arquitetura brutalista. Pense no prédio do Masp, em São Paulo, no MAM, no Rio de Janeiro, no Centro Administrativo e na igreja evangélica da Praça Otávio Rocha, em Porto Alegre. Pense em Brasília, em Niemeyer, em Lina Bo Bardi, em Paulo Mendes da Rocha. 

Entre os anos 1950 e 1970, em meio à urbanização acelerada do pós-guerra, o estilo estava na crista da onda: concreto aparente, autenticidade de materiais e de formas, pouco frufru, baixo custo. Ao contrário do que muita gente poderia imaginar - maldosamente - o termo não vem do italiano "brutto" (feio), mas do francês "béton brut" (concreto bruto). Esse é um daqueles muitos casos em que a beleza está (ou não) nos olhos de quem vê.

No filme O Brutalista, um dos favoritos ao Oscar, László Tóth (Adrien Brody) é um judeu de Budapeste, formado na Bauhaus, que emigra para os EUA logo depois da guerra. Por um golpe de sorte, o jovem arquiteto subempregado escapa da miséria quando um milionário da Filadélfia decide contratá-lo para erguer uma espécie de memorial - mistura de templo religioso, centro esportivo e monumento à própria glória e fortuna. Tóth coloca toda sua alma no projeto, mas para transformar suas elucubrações em concreto armado vai ter que enfrentar não apenas seus próprios traumas, mas o choque cultural causado por uma ideia de beleza que parece contrariar a razão e a sensibilidade da época e do lugar.

Enquanto O Brutalista ainda lota os cinemas nos Estados Unidos, apesar de suas quase quatro horas de duração, o embate entre clássicos e modernos pulou das telas para as páginas de política. Em meio a uma enxurrada de decisões com consequências potencialmente muito mais graves para o planeta, o decreto de Donald Trump que promete trazer de volta a "beleza arquitetônica" (leia-se colunas e rotundas neoclássicas) para os prédios públicos norte-americanos não chegou a chamar tanta atenção, a não ser como manifesto estético da mentalidade reacionária que tomou conta da Casa Branca.

O fetiche por um estilo anacrônico, tão americano quanto qualquer outra coisa ou pessoa que desembarcou por aqui há mais de 50 anos, reflete boa parte das contradições do populismo pop de direita. Uma ideologia que celebra a "civilização ocidental" e a "cultura clássica", ao mesmo tempo em que ataca as "elites intelectuais". Um exército de defensores da liberdade de expressão e da inovação que não hesitam um segundo em impor aos outros seu "bom gosto" e sua visão nostálgica do mundo. Por decreto, of course. 

O conteúdo desta coluna reflete a opinião do autor

CLÁUDIA LAITANO


03 de Fevereiro de 2025
OPINIÃO RBS

Surto suspeito de novos eleitores

Ainda ao final do ano passado despertavam atenção dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostrando que, entre 2020 e 2024, mais de 700 municípios tiveram aumento repentino de ao menos 10% no número de votantes. Em 82 destes, o crescimento na quantidade de eleitores de um pleito a outro subiu de forma ainda mais expressiva, entre 20% e 46%. São cidades pequenas que chegaram à intrigante condição de ter populações menores do que o montante de cidadãos habilitados a ir às urnas. Em regra, era uma migração de título repentina, no ano da eleição.

Bastaram averiguações mais detalhadas da imprensa, do Ministério Público Eleitoral (MPE) e da Polícia Federal (PF) para se chegar à resposta mais lógica do mistério. São prováveis fraudes perpetradas por candidatos, que aliciam e subornam pessoas de outros municípios para uma transferência irregular do título de eleitor. Buscam engordar as suas votações, na tentativa de ampliar chances de eleição. Trata-se de um crime eleitoral que pode levar à impugnação e a outras sanções aos corruptores e corrompidos. A comprovação é merecedora de punição exemplar.

O repórter Humberto Trezzi percorreu alguns municípios gaúchos e confirmou a suspeita, como mostra reportagem publicada na edição de hoje de Zero Hora. Conversou com eleitores que admitiram ter recebido dinheiro de políticos para transferir o título e votar nos subornadores. Um desses lugares é Riozinho, no Vale do Paranhana, com 4.473 habitantes, mas 4.537 eleitores, 14% a mais do que em 2020. A PF apura o caso e há uma ação para anular a eleição majoritária.

Denúncias do gênero, ainda que em municípios pequenos, não podem ser menosprezadas pelas autoridades responsáveis pelas investigações e pela Justiça Eleitoral. Manobras ilegais dessa espécie podem mudar o resultado da eleição para uma prefeitura ou alterar a composição dos Legislativos municipais, o que macula a democracia e deturpa a legítima vontade do conjunto de eleitores de uma comunidade, formada pelos votos somados de uma eleição limpa.

Também é plausível inferir que políticos usuários desse tipo de expediente não serão gestores e legisladores idôneos, mas propensos a desvios ainda mais graves se continuarem em posições públicas. A impunidade também faz com que se sintam à vontade para repetir a fraude em futuras eleições. Investigar, julgar e impor as penalidades previstas em lei em caso de culpa comprovada, ao contrário, é educativo e inibe a metástase da prática em outras cidades. A maioria dos municípios gaúchos é de pequeno porte.

No final de dezembro do ano passado, outra reportagem mostrou o crescimento das investigações sobre corrupção eleitoral no Estado, notadamente por compra de votos. O MPE apurava 411 episódios, 25% mais ante o pleito municipal anterior. A PF já havia indiciado 76 por crimes relacionados às eleições. Em 2020, foram só nove. Os fartos indícios na forma de comprovantes dos pagamentos por Pix e conversas por aplicativos de mensagens demonstravam a pouca preocupação em esconder rastros. Os suborno para transferência de título de eleitor e a compra de votos são sintomas da mesma doença. Agir rápido e com rigor é a melhor forma de evitar que o mal se espalhe. 



03 de Fevereiro de 2025
NOVOS SORRISOS

População vulnerável não sabe escovar os dentes, mostra estudo

Novos sorrisos

Mais de 70% da população atendida por um programa comunitário odontológico não sabia escovar os dentes corretamente. O dado foi verificado no projeto Expedição Novos Sorrisos, da empresa Neodent, que passou pelo Estado no segundo semestre do ano passado atendendo pessoas em situação de vulnerabilidade social.

A iniciativa esteve em Porto Alegre, Caxias do Sul e Canoas, além da capital paranaense, e promoveu mil atendimentos. Segundo o levantamento, 55% apresentavam sinais de cárie clinicamente visíveis e 34% já tinham perdido pelo menos um dente.

Esses dados representam a dificuldade de acesso às políticas públicas na área de saúde bucal, avalia o cirurgião-dentista e especialista em saúde coletiva da Neodent, João Piscinini:

- O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece procedimentos para a saúde bucal. O grande desafio é o acesso, que inclui a quantidade de unidades de saúde e de profissionais ser proporcional ao tamanho das áreas de abrangência.

Os números também podem estar associados com a dificuldade da população em vulnerabilidade social de aderir aos hábitos corretos de higiene bucal, como destaca o doutor em Saúde Bucal Coletiva e professor do Departamento de Odontologia Preventiva e Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Matheus Neves:

- Quando falamos de escovação dentária, estamos falando de hábitos e comportamentos. Essas doenças que têm a ver com estilo de vida das pessoas exigem uma demanda comportamental.

Há melhora

Apesar dos dados, diferentes levantamentos indicam que o cenário brasileiro no ramo de saúde bucal vem melhorando.

A Pesquisa Nacional de Saúde Bucal (SB Brasil), divulgada pelo Ministério da Saúde em 2024, analisou a saúde bucal de crianças de cinco anos entre 2021 e 2022. Conforme o estudo, 53,17% das crianças entrevistadas não tinham cáries dentárias. Em 2010, o número era de 46,6%.

Para Neves, é necessário entender a importância das políticas públicas para compreender essa evolução.

Ele destaca o Programa Brasil Sorridente, do governo federal, que deu base à instituição da Política Nacional de Saúde Bucal no âmbito do SUS, sancionada em 2023:

- Esse programa aumenta a oferta de profissionais de saúde bucal para oferecer tratamento odontológico na atenção básica e também com tratamento especializado. Entre as metas, está reduzir os níveis de cárie e incorporar a bucal no conceito de saúde.

O professor destaca o Programa Saúde na Escola que, desde 2007, realiza ações de assistência à saúde em escolas públicas. _

*Produção: Elisa Heinski



03 de Fevereiro de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Respostas capitais

Arthur Igreja - Especialista em tecnologia e inovação. "Era um mercado quase de alucinação"

Autor do livro Conveniência é o Nome do Negócio, Arthur Igreja é um convidado frequente de eventos sobre inovação e tecnologia. Estima participar de cerca de 150 ao ano, como TEDx em Brasil, Europa, Estados Unidos e América do Sul.

Catarinense de nascimento, vive em Curitiba mas diz que Porto Alegre seria sua escolha caso precisasse se mudar. Sua atividade o obriga a seguir de perto as transformações que estão mudando o mundo, como a ascensão da DeepSeek.

DeepSeek é uma surpresa?

A empresa não é nova, havia lançado um modelo em 2023. O novo, lançado no dia 20 de janeiro, depois de testes, é muito parecido ou até supera o ChatGPT, que apareceu em 2022 e já tem quase 4 bilhões de acessos por mês. De repente, aparece um genérico chinês por uma fração do preço. O grande baque foi a diferença de custo abissal, a diferença de investimento monstruosa. Foi por isso que todo mundo ficou chocado. As ações da Nvidia não paravam de subir, a ponto de virar uma empresa de mais de US$ 3 trilhões. Até a DeepSeek.

Que peso terá a investigação da Microsoft se a DeepSeek usou dados da OpenAI?

É uma reação razoavelmente natural. A OpenAI é pioneira, virou sinônimo de IA generativa. O ChatGPT virou a Gillette do negócio. Imaginar que a DeepSeek ia fazer algo do nada é até meio ingênuo. É a dinâmica normal do mercado. Tem o pioneiro, depois as empresas que vão pelos atalhos. Os chineses se inspiram, melhoram, chegam depois, mas rápido. A acusação de Microsoft e OpenAI é de que a DeepSeek teria feito destilação, ou seja, teria conectado no ChatGPT para ver como responde. É como se eu quisesse desenvolver uma suspensão automotiva, alugasse um carro de outra marca para ver como responde e fizesse um projeto em cima dessas informações. No entanto, a primeira reação de Sam Altman, da OpenAI, foi dizer que o que a DeepSeek fez é louvável, notável, traz frescor para o mercado e faz a OpenAI ter de trabalhar mais e trazer mais lançamentos. Achei uma resposta digna.

Resultará em algo?

É difícil. Dada a velocidade da corrida, o que a Microsoft poderia fazer é acionar câmaras de arbitragem internacional, como a Wipo (Organização Mundial da Propriedade Intelectual). Mas são processos que levam anos, a tecnologia pode ter se tornado irrelevante. Se eles vão nessa direção, é porque acusaram o golpe. A resposta da OpenAI vai ter de trazer um negócio não copiável, já que tem bilhões e os melhores profissionais do mundo.

O Alibaba diz ter ferramenta melhor do que a do DeepSeek. É fato?

Eles mostraram o modelo. Não é blefe, porque dá para fazer testes muito rapidamente. O Alibaba, na China, é muito maior do que a OpenAI. É uma big tech. Empresa desse tamanho não pode blefar. Querem mostrar que estão na corrida. A reação do Alibaba é muito parecida com a do Google quando o ChatGPT apareceu, em 2022. Todo mundo perguntou onde estava o Google, que só tempo depois disse que não estava parado. É a grande empresa ameaçada por startup.

Pode ser um furo de bolha?

Não dá para imaginar o que é uma empresa cair 17% num dia (queda da Nvidia no DeepSeek Day). Se voltarmos cem anos, é como se uma fábrica com cinco linhas de produção tivesse uma bombardeada. É o primeiro momento que esse mercado está sendo questionado com parâmetros mundanos. Antes, era mais baseado em previsões. A Nvidia vale tanto porque, no mercado dos data centers que rodam IA, tem mais de 95% de participação de mercado. Vale tanto porque é a única que sabe fazer esse negócio. Mas aparece alguém que faz muito barato, e o mundo começa a falar: será que vai precisar tanta placa assim? Será que a Nvidia vai vender tanto? É revisão de expectativa futura. Essas empresas não eram questionadas, era um mercado quase de alucinação. Então, é saudável. As pessoas achavam que era um mercado com cartas marcadas e competidores definidos, mas está só no começo. É óbvio que vão aparecer empresas novas.

O governo chinês tem influência na DeepSeek?

Total. Eles vêm fazendo investimentos colossais em IA. A China lidera há muito tempo em número de engenheiros nas áreas exatas. No caso de número de patentes em IA, lidera com folga monumental. Há capital humano, investimento, faculdades, fomento para startups. A DeepSeek é consequência desse ambiente, que não se cria do dia para a noite. Se não fosse a DeepSeek, seria ali do lado. Seria muito esquisito se acontecesse no Brasil (risos, para não chorar).

A DeepSeek resulta da restrição do governo dos EUA de venda de chips para a China?

Um empreendedor chinês disse a uma TV americana que existem 50 mil placas escondidas na China, compradas antes do embargo. Um vazamento de documentos, supostamente da DeepSeek, aponta que estariam usando chips japoneses. Circulam todas as teorias possíveis e imagináveis. Se você me perguntar se dá para cravar qual chip estão usando, a resposta é não. Mas conseguiram fazer um negócio como o da OpenAI. Se estão usando placas piores, o tamanho do feito é maior ainda.

Como será a briga adiante? Há "efeito Sputnik"?

É a corrida da nossa década. Atualizando a moeda, os US$ 500 bilhões anunciados no projeto Stargate são comparáveis ao Programa Apolo, ao Projeto Manhattan, do desenvolvimento da bomba atômica. Se colocar em perspectiva a prioridade nacional, a metáfora é aceitável. Os EUA foram pegos de calça curta, como ocorreu com a Sputnik em 1957.

As mudanças na governança da OpenAI pesam?

Foram tantas que, na verdade, não dá para saber o que vai ser em dois ou três anos. Nasceu sem fins lucrativos, depois decidiu buscar lucro, depois criou um segundo braço, mas um estava subjugado a um conselho. Além de confuso, muda a cada seis meses. Pode trazer queda de velocidade.

? A ferramenta da DeepSeek tem código aberto, e o ChatGPT, não. Qual a vantagem?

As pessoas pensam que código aberto é a empresa fazer caridade. Não é isso. Código aberto é publicar o que está fazendo, mas protegido pelos termos de exploração comercial. Pode usar o código da DeepSeek para fazer pesquisa, desenvolvimento, criar complementos. É como se fizesse um motor para carro e publicasse todos os projetos. Só que, se uma outra fábrica produzir esse motor no Brasil, tem de pagar para a DeepSeek. Mas uma empresa no Brasil poderia olhar e pensar ?esse tipo de filtro que a DeepSeek vai precisar, eu sei fazer?. Acelera muito a criação de ecossistema em volta, de parceria. No caso da OpenAI ou de qualquer empresa de tecnologia fechada, é mais difícil fazer negócio, porque interage com uma caixinha preta.

? Sam Altman assinou o manifesto alertando para o risco da IA para humanidade. Qual o efeito?

Nenhum. Talvez ajude o Sam Altman a dormir melhor. Elon Musk fez escândalo falando que teríamos de parar de desenvolver IA por seis meses. Todos deram de ombros e, três semanas depois, anunciou o Grok, a IA dele. 

GPS DA ECONOMIA


03 de Fevereiro de 2025
REPORTAGEM - Humberto Trezzi

REPORTAGEM

Cidadãos admitem que mudaram de domicílio eleitoral em troca de benefícios oferecidos por candidatos. Situações em que o número de votantes supera o de moradores e aumentos súbitos de pessoas aptas a votar estão na mira de órgãos

Investigações apuram transferências irregulares de eleitores no RS

Trabalhadora da indústria calçadista, R. morou quase toda a vida em Rolante, no Vale do Paranhana. Nunca residiu na cidade vizinha de Riozinho, nem conhece pessoas lá. Mesmo assim, transferiu seu título para este município, onde votou na última eleição. Fez isso em troca de dinheiro, bancado por políticos locais, afirmou ela ao Grupo de Investigação da RBS (GDI). A reportagem esteve com a eleitora no endereço em que ela informou residir à Justiça Eleitoral.

- É a rua que eu declarei, mas não conheço aqui. Não conheço Riozinho - admitiu, enquanto demonstrava surpresa com a beleza do local.

Os nomes dos eleitores que foram entrevistados nesta reportagem serão preservados. Situações como a de R., que transferiu o domicílio eleitoral para votar em uma cidade em que nunca morou e em candidatos que desconhecia, não são incomuns. Suspeitas de fraude desse tipo, cometidas mediante suborno, espalham-se pelo Brasil. Dois indicativos deixam as autoridades em alerta: quando o município possui um número maior de eleitores do que moradores e quando há um salto súbito no número de votantes.

No país, 82 municípios tiveram aumento de eleitores em percentuais de até 46% em 2024, mostra recente levantamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A maioria deles tem mais votantes do que habitantes. No Rio Grande do Sul, o maior aumento foi de 31% (em Xangri- lá, no Litoral Norte). Mas dezenas de municípios têm mais eleitores do que moradores.

Sob suspeita

O GDI tomou conhecimento de algumas situações sob suspeita de transferência massiva de eleitores de uma cidade para outra, com objetivo de garantir a vitória de determinados candidatos. Os votantes teriam sido aliciados por políticos, mediante pagamento de suborno. Assim como R., outros eleitores admitiram isso à reportagem (leia ao lado).

Essas situações geraram ações movidas pelo Ministério Público ou por partidos. A falsificação do domicílio eleitoral pode ser enquadrada como fraude, mas também pode se configurar em corrupção (se oferecida vantagem financeira) ou abuso de poder econômico (se os valores aportados na estratégia forem significativos). Os crimes podem ser atribuídos tanto ao candidato quanto ao eleitor. _

Riozinho

O município no Vale do Paranhana tem 4.473 habitantes e 4.537 eleitores. O número de votantes cresceu 14% em 2024. Algumas pessoas afirmaram ao GDI que houve esquemas de cooptação eleitoral. É o caso de R., que afirma ter transferido o título, em troca de dinheiro, a pedido de cabos eleitorais do candidato que se elegeu prefeito, Airton Trevizani da Rosa, o Alemão (PL), e do vice dele, Adriano Bauer (União). No dia da votação, R. foi buscada em Taquara (onde reside) por uma van, junto com outras pessoas: - Para mim, eles deram R$ 250, parte antes, parte depois.

A dona de casa J. diz que ela e cinco familiares foram pagos para votar em Alemão. Desses, dois não moram em Riozinho. - Ofereceram dinheiro, deram panfletinhos. Deram remédio para o meu filho - detalhe.

Um empresário da cidade afirma ter sido procurado pelo candidato a vereador Clédio Petry (União), com o pedido de que conseguisse de 10 a 15 contas de luz: - Era para viabilizar transferência de eleitores. Bastava assinar as contas dizendo que moravam naquele local. Não passei.

Os casos são apurados pela Polícia Federal e Justiça Eleitoral.

Gramado dos Loureiros

Município do extremo norte com forte presença indígena, tem 2.014 habitantes e 2.590 eleitores. Teve crescimento de 19,6% no número de votantes entre 2020 e 2024, sendo 11,9% apenas no ano passado.

Uma ação protocolada na Justiça Eleitoral por opositores aponta o prefeito Artur Cereza (União) como responsável pelo aliciamento de eleitores em cidades vizinhas. Teria contado com ajuda de chefes indígenas da região.

O GDI teve acesso a depoimentos de envolvidos. Um deles, de origem caingangue, atuava como motorista contratado pela prefeitura e afirma ter transportado mais de 200 indígenas para transferirem títulos de eleitor, gente vinda dos municípios de Planalto, Nonoai e até Chapecó (SC). Outro indígena admite que realizou mais de 20 transferências de títulos de caingangues. - Eu acompanhava cada eleitor que eles levavam. Busquei quatro, o resto foi com outros motoristas. De Planalto, vieram uns 50 votos, mais ou menos - conta um motorista indígena.

O GDI teve acesso a outros quatro depoimentos de pessoas que reconhecem terem aliciado eleitores em cidades vizinhas.

Contrapontos

Procurado, o prefeito de Riozinho, Airton Trevizani da Rosa, limitou-se a dizer que "desconhece" o fato e que não tem "nada a falar".

O vice-prefeito de Riozinho, Adriano Bauer, respondeu: "Respeito sua profissão e seu interesse em um assunto tão relevante. E em relação aos teus questionamentos, desconheço inteiramente o assunto e por esse motivo me abstenho de dar qualquer tipo de opinião. Quando tivermos divulgações em meios oficiais, estaremos à disposição para possíveis esclarecimentos".

O vereador de Riozinho Clédio Petry disse que não tem conhecimento sobre o assunto.

O prefeito de Gramado dos Loureiros, Artur Cereza, não deu retorno aos pedidos de entrevista.

Fale com o GDI

Se você tem alguma suspeita de irregularidade para relatar ao GDI, entre em contato pelo e-mail gdi@gruporbs.com.br ou pelo WhatsApp (51) 99914-8529. Documentos, áudios, vídeos, imagens e outras evidências podem ser enviados.


03 de Fevereiro de 2025
INFORME ESPECIAL

Baixa adesão dos gaúchos na Conferência do Meio Ambiente

Apenas 7,4% das prefeituras gaúchas participaram da etapa municipal da 5ª Conferência Nacional do Meio Ambiente. Isso representa 37 de 497 cidades do Rio Grande do Sul. Os encontros antecedem o evento estadual, que ocorrerá entre 12 e 13 de março, e o nacional, em maio, em Brasília (DF).

O levantamento é do Instituto Internacional Arayara, uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos que envolve cientistas, gestores urbanos, engenheiros, urbanistas e ambientalistas. O gerente de Transição Justa e Sustentável do Arayara, engenheiro ambiental John Wurdig, cita algumas impressões sobre a baixa adesão:

- Primeiro, falta de informação. Segundo, a convocação sai em agosto, mas a mobilização mesmo no município sai no fim do ano, muito próximo das eleições, então muitas prefeituras trocaram o seu administrador. E tem o descaso dos municípios no que tange entender o contexto da emergência e das mudanças climáticas. Essa baixa adesão chancela a falta de conhecimento dentro da pauta da emergência climática. E temos também luta contra o negacionismo de tratar isso como política pública - explicou à coluna.

As conferências municipais têm o objetivo de envolver a população local na discussão da pauta ambiental, respeitando as especificidades de cada região. Lá, a população pode apresentar as principais demandas da sua realidade. As pautas construídas são levadas para as etapas estaduais e para a nacional.

O evento principal, que ocorrerá na capital federal, irá debater a emergência climática, junto com o desafio da transformação ecológica. Esta é a 5ª edição e marca a retomada após 11 anos da última conferência.

- Lá, é criado um grande documento norteador das políticas públicas do Brasil, da política pública ambiental e climática. Com essas prioridades que vão ser aprovadas, sai a carta de compromissos. Então, o governo tem um compromisso de que as suas ações se alinhem e sejam construídas de acordo com essa realidade - enfatizou. _

A Expedição Internacional de Circum-navegação Costeira Antártica chegou ao RS na sexta-feira. Foram 70 dias de missão.

Marinha localiza navio brasileiro torpedeado na 2ª Guerra Mundial

A Marinha anunciou que identificou a localização do naufrágio do Vital de Oliveira, navio brasileiro que foi torpedeado por um submarino alemão durante a Segunda Guerra Mundial. A embarcação naufragada foi encontrada neste mês, mais de 80 anos após o ocorrido. O casco está a cerca de 65 quilômetros do litoral de Macaé, no RJ.

O caso ocorreu em julho de 1944, próximo do Farol de São Tomé, quando um submarino da Alemanha disparou um torpedo que atingiu a embarcação. Registros apontam que cem pessoas morreram.

Agora, os dados coletados, além de passar por novas pesquisas, integrarão o Atlas dos Naufrágios de Interesse Histórico da Costa do Brasil, iniciativa voltada para a identificação e catalogação de embarcações naufragadas ao longo do litoral brasileiro. _

"Essa experiência me reescreveu", diz gaúcho que foi Jovem Embaixador

Com apenas 17 anos, Murilo Ferreira Ribeiro, morador de Imigrante, no Vale do Taquari, participou em janeiro do programa Jovens Embaixadores de 2025. Ele passou quase 20 dias nos EUA, em uma espécie de intercâmbio cultural.

Murilo ficou na cidade de Pensacola, na Flórida. Ele partiu do RS no dia 6 de janeiro, mas antes de chegar em território americano, esteve em Brasília, onde, junto aos outros jovens, passou por um período de orientação. De lá, rumou aos EUA e foi para Pensacola, conhecer o casal Elizabeth (70) e Basil (74) e a filha Leah (38), sua host family, ou seja, a família que o acolheu.

- Eles só falavam em inglês, uma família 100% americana. Minha host mom era professora de faculdade, então tinha algum conhecimento em espanhol e conseguia entender alguma coisa quando eu não conseguia falar alguma palavra, mas a maior parte do tempo em inglês - explicou à coluna.

Cotidiano

Segundo Murilo, o seu cotidiano era, nas palavras dele, um "dia a dia bem americano":

- De manhã, eles me levavam para escola, eles não trabalhavam. Mas saíam para ir ao pilates, e outros afazeres. De tarde, me buscavam na escola e de noite jantávamos ou saíamos. Eles também convidavam amigos para ir lá.

As aulas ocorriam dentro de uma universidade, junto a outros Jovens Embaixadores que também estavam na mesma cidade. O grupo de 29 foi dividido em duas equipes: parte foi para a Flórida e outra parte para Ohio:

- Fazíamos atividades diversas, todo dia uma coisa diferente. Em uma segunda passamos a manhã em sala de aula. De tarde, fomos para a prefeitura de Pensacola. Lá, recebemos o título de cidadão honorário. Na terça, fomos fazer voluntariado. Não era muito conteúdo, era bastante prática. Um dia fomos para a Universidade da Flórida e aprendemos sobre agricultura, sobre enchentes e chuvas.

Agora, de volta a Imigrante, Murilo planeja tirar um período para pensar nos próximos passos quanto a graduação e, quem sabe, até voltar para os Estados Unidos:

- Essa experiência me reescreveu por inteiro. Minha percepção sobre o Brasil, sobre os EUA, sobre outras culturas, sobre mim mesmo. Eu aprendi que temos que viver, temos de dar a cara a tapa. Foi esse o meu maior aprendizado. E saber que não é impossível. _

INFORME ESPECIAL

sábado, 1 de fevereiro de 2025



31/01/2025 - 14h38min
Martha Medeiros

Viajar é fuga, sim. Fuga do relógio, do supermercado, dos sapatos de salto

Em ruas estrangeiras, a coragem confirma que é a minha melhor parceira. Partir é de costas, voltar é de frente, como escreveu Caio Fernando Abreu.

Jamais viajei sem carregar a sensação de estar causando perturbação à vida de alguém que ficou. Quase sempre, minha mãe. Eu tinha 24 anos quando resolvi conhecer a Europa. Minha primeira viagem para outro continente, levando mil dólares em dinheiro, nomes de amigos de amigos anotados num papel e um passaporte estalando de novo. 

Seriam dois meses sem roteiro definido. Não era uma viagem à Lua, nem mesmo uma mudança definitiva, mas soube que, depois que eu cruzei o portão de embarque do aeroporto, minha mãe teve que ser amparada, mal conseguiu caminhar de volta para o carro. Sua garota havia sido convocada para a guerra.

A família preferia que eu estivesse preparando o enxoval, mas eu tinha férias vencidas e férias a vencer, e negociei com meu chefe a junção desses dois períodos. Ele, camarada, garantiu que manteria meu emprego na volta. Então lá fui eu, deixando aquele rastro de tragédia atrás de mim.

Viajar é fuga, sim. Fuga de uma rotina cuja repetição faz parecer que envelhecemos sem sair do lugar. Fuga de nossas reações automáticas diante dos desconfortos da alma. Fuga dos passos previsíveis até chegar à morte. Fuga do relógio, do supermercado, dos sapatos de salto, das aulas de ginástica, dos parentes, das 24 horas supersônicas de cada dia, bom dia e boa noite alternando-se a uma distância de minutos.

Ruas estrangeiras erguem minha cabeça, eu que no dia a dia caminho olhando para o chão, temendo fissuras na calçada. Ao viajar, contemplo obras de Monet em plena tarde de quinta-feira. Dou um mergulho não planejado no mar. Fico bonita usando um vestido de uma cor que achei que não combinava comigo. Descubro que sou simpática com estranhos. Não sinto fome ao meio-dia. Atravesso avenidas como se elas fossem portais, todos os caminhos levam a um lugar que nunca fui, e a coragem confirma que é a minha melhor parceira. Estou tão dentro de mim que não estou ao alcance de ninguém.

Não que desgoste de estar com as pessoas. Conviver é uma aventura; conversar, uma façanha. Mas estar a sós é um prazer quase lisérgico. Sei que uma solidão permanente e indesejada desvirtuaria esse meu discurso e colocaria em pauta um drama que desconheço, mas é boa a sensação de que minha existência não necessita ser confirmada pelos outros de hora em hora. Eu tenho certeza de que existo muito, e existo bem.

Voltar é a confirmação de que os outros importam e de que sou capaz de abdicar de mim para me acomodar a um comportamento padrão. Voltar é sempre uma declaração de amor. Partir é de costas, voltar é de frente, como escreveu Caio Fernando Abreu. Tenho lido muito neste verão, enquanto economizo para mais uma fuga malsucedida. Não adianta, eu sempre volto.


01 de Fevereiro de 2025
SARA

Sushi em casa

Rota Canoas/Porto Alegre de uma delícia da culinária japonesa - O Kampeki Sushi, que leva muita gente de Porto Alegre até Canoas há pelo menos cinco anos para degustar comida japonesa de muita qualidade, está na capital gaúcha com telentrega.

Testei a novidade há poucas semanas e foi um sucesso lá em casa. O contato foi feito por telefone e o produto chegou fresco, superbem acondicionado e com um sabor delicioso. Destaque para a saladinha sunomono da marca - sou muito fã.

A tele em Porto Alegre funciona de terça a domingo das 18h às 23h pelo WhatsApp (51) 99747-4567. Os pedidos também podem ser feitos pelo site deliverydireto.com.br/kampekisushi-portoalegre. Perfil nas redes: @kampekisushi. _

Osteria em Porto Alegre

Cardápio para celebrar a boa mesa e o verão

Arte no domingo - Happy hour Agenda especial na Fundação

Fevereiro com novidades

E neste domingo, feriado em homenagem à padroeira da Capital, Nossa Senhora dos Navegantes, tem presente para quem estiver pela cidade: a Fundação Iberê terá entrada gratuita.

São quatro exposições para visitar: Iberê 110 Anos - Minha Restinga Sêca, Iberê Camargo - Território das Águas, 35ª Bienal de São Paulo - Coreografias do Impossível - Itinerância Porto Alegre e Un lento venir viniendo. Capítulo III, com obras do colecionador argentino Alec Oxenford.

A Fundação Iberê fica na Avenida Padre Cacique, 2000, bairro Cristal. Domingo estará aberta das 14h às 18h. Confira mais sobre as exposições em iberecamargo.org.br. 

Um dos mais tradicionais e premiados restaurantes de Porto Alegre, o tailandês Koh Pee Pee traz durante todo o mês de fevereiro o Menu Happy Hour.

De segunda a sábado, das 18h30min às 19h30min, o local oferecer dois drinks - ou um baldinho de cerveja com quatro unidades - e uma entrada, com valor fechado de R$ 99.

Os drinks têm versões com e sem álcool. São oferecidas no Happy entradas do cardápio como Poh Pia, Sa-teh e Krathong Thong. Há opções também para vegetarianos

O Koh Pee Pee fica na Rua Schiller, 83, Bairro Rio Branco. Reservas pelo telefone (51) 3333.5150 ou pelo site kohpeepee.com.br. Perfil nas redes sociais: @kohpeepeethairestaurante. 

SARA

01 de Fevereiro de 2025
DRAUZIO VARELLA

O equívoco do IMC

Magros sedentários têm expectativa de vida mais baixa do que aqueles com sobrepeso que fazem exercícios com regularidade

O critério mais aceito para definir obesidade se baseia no IMC, calculado dividindo-se o peso pela altura ao quadrado. Como consideramos obesas as pessoas com IMC igual ou superior a 30, essa faixa inclui um grupo muito heterogêneo, que vai dos que têm obesidade grau 1 (IMC entre 30 e 35) até aqueles com obesidade grave (IMC acima de 40), alguns dos quais podem pesar 200 quilos.

Se rotularmos como doentes todos os que caem nessa faixa tão diversificada, teremos cerca de 20% dos brasileiros e 40% dos norte-americanos, por exemplo. A continuar nesse ritmo, ser considerado saudável ficará restrito a uma minoria.

Acho um equívoco usar o IMC como critério único para separar pessoas com saúde daquelas enfermas. Primeiro, porque, entre outras limitações, o IMC não leva em conta sequer fatores anatômicos como a estrutura osteomuscular. Quem tem ossos largos, braços e pernas grossas tende a ter IMCs mais elevados do que os longilíneos. Parâmetros como circunferência abdominal são cada vez mais valorizados pelos especialistas, para avaliar o risco cardiovascular.

Segundo, porque o IMC não reflete a atividade física. Magros sedentários têm expectativa de vida mais baixa do que aqueles com sobrepeso que fazem exercícios com regularidade. Com frequência encontro nas maratonas corredores corpulentos que poderiam ser chamados de gordos. Faz sentido dizer que são doentes mulheres e homens capazes de correr 42 km?

Você, leitor, dirá que a obesidade traz com ela hipertensão arterial, diabetes, derrames, ataques cardíacos e outros agravos. É verdade, a incidência desses e de outros males é mais alta em obesos. Mas estaria justificado classificar a obesidade como uma patologia médica no caso dos que não apresentam nenhuma dessas complicações?

Claro, a obesidade é uma condição ou fator de risco para essas doenças, mas não devemos nos referir a ela - e a outros fatores que aumentam riscos de adoecer - como se fossem estados mórbidos, quando na realidade não o são.

Da mesma forma, é inadequado chamarmos de doentes pessoas com pressão alta ou com taxas de glicose elevadas ou infectadas pelo HIV, que não apresentam sintoma nenhum. Colocar-lhes rótulos de hipertensas, diabéticas ou aidéticas não as ajuda, esses termos são preconceituosos e discriminatórios, enquadram gente saudável na categoria dos doentes.

Explico melhor. Mesmo quando não havia tratamento antiviral para a infecção pelo HIV, as pessoas podiam conviver com o vírus por 10 anos sem manifestar sintomas. Enquanto durava esse período eram saudáveis, só deixavam de sê-lo quando se instalavam as infecções oportunistas que as levariam à morte.

Posso dizer que está doente alguém com pressão arterial de 14 x 10 ou 15 x 11 absolutamente assintomático? Ou com glicemia de 160, sem nenhum sintoma de diabetes? Nesses casos, hipertensão e diabetes são condições de risco para desenvolver ataques cardíacos, AVCs, insuficiência renal e perda de visão que poderão surgir em meses ou anos ou nunca. Enquanto assintomáticas, pressão alta e glicemia elevada não são doenças, mas fatores de risco.

Você, leitora, deve estar pensando que chamar de doença ou de condição é uma questão puramente semântica. Os anos de medicina me ensinaram que não é.

Imagine que examino um homem de 45 anos que ganhou 20 quilos. Meço a pressão: 15 x 10. Faço o teste para glicemia: 150. Se parto do princípio de que ele é hipertenso e diabético, faço o diagnóstico de duas doenças crônicas, incuráveis. Ele sai da consulta com uma prescrição de hipotensores e hipoglicemiantes que deverá tomar pelo resto dos seus dias. É razoável tratá-lo da mesma maneira do que outro com pressão de 18 x 12 e glicemia de 350?

Se parto do princípio de que ele ainda não está doente, mas numa condição que o predispõe a complicações eventualmente graves, existe esperança. Antes de prescrever medicamentos, vale a pena tentar motivá-lo a perder peso, fazer exercícios, melhorar a dieta. Tentar convencê-lo de que esse esforço poderá livrá-lo da medicação e dos efeitos colaterais.

Você, colega descrente, dirá: é tempo perdido, a gente fala, mas ninguém muda o estilo de vida. Não seja pessimista, alguns mudam. 

Drauzio Varella

01 de Fevereiro de 2025
J.J. CAMARGO

O que aprendemos para não esquecer

Qualquer lição pode ser boa ou ruim. A sabedoria está em reconhecer o que aproveitar e o que repelir. Se, como professores, tivéssemos a consciência de que estamos sendo continuamente observados com aquela ânsia que todo aprendiz tem de copiar atitudes antes de adquirir o senso crítico que só virá com a maturidade, certamente seríamos melhores modelos. E ficaríamos menos ansiosos se, tempos depois, um ex-aluno, num encontro fortuito, começasse a conversa com esta frase assustadora: "Professor, preciso lhe confessar que nunca vou esquecer aquele dia em que o senhor?.". E não precisaríamos fazer aquela pausa respiratória na expectativa de que a história fosse boa de lembrar. Porque é deprimente quando alguém resolveu arquivar justamente o que merecia ter sido cremado.

Seria um notável ganho de tempo se aprendêssemos muito cedo, e sem fantasia, que qualquer lição pode ser boa ou ruim, e que sabedoria é reconhecer o que aproveitar ou repelir.

Lembro da força do mau exemplo ao acompanhar as instruções de um oncologista explicando ao velho agricultor americano que aquela lista enorme era de analgésicos. Ao ouvir do paciente que achava que não ia precisar tanto remédio porque se considerava forte para dor, o médico repreendeu-o: "Quando esse tumor chegar nas costelas, o senhor vai descobrir o que é dor".

Chocado com tanta insensibilidade, reclamei, timidamente como recomenda o convívio civilizado, que aquele velhinho (que tinha a cabeça parecida com a do meu pai) provavelmente não dormiria naquela noite. E o professor, tranquilamente, me respondeu: "A minha função é prescrever os analgésicos, colocá-lo para dormir é responsabilidade dos benzodiazepínicos". Poucas vezes me senti tão seguro do tipo de médico que eu não queria ser.

No outro extremo (as lembranças inesquecíveis moram nos extremos), a minha experiência mais marcante, pela delicadeza e precocidade, ocorreu quando, ainda no quinto ano da graduação, recebi do residente de pneumologia a incumbência de fazer a ficha de admissão de um peão de estância, internado na enfermaria de Pavilhão Pereira Filho. Depois das perguntas básicas, ele se pôs a contar a história das suas queixas de um jeito tão original que me fascinou, e isso é tudo o que lembro daquele arremedo de anamnese.

Mas nunca esqueci do pedido que me fez quando lhe estendi a mão para me despedir: "Eu quero me tratar com o senhor, porque foi o único doutor, até hoje, que me escutou!".

Metade agradecido, metade constrangido, não fui capaz de confessar que eu não era formado, e que mais lhe deixara falar por ainda nem saber o que perguntar.

De qualquer modo me encantei com a ideia de um dia vir a ser o médico que ele supôs que eu já fosse. 

J.J. CAMARGO