quarta-feira, 9 de julho de 2025


09 de Julho de 2025
CARPINEJAR

Uma vida desfeita numa mochila

Um morador encontrou mochila com um recém-nascido num terreno baldio em São Borja (RS), na segunda-feira. Estranhou o peso, abriu o zíper - e teve a visão do inferno, de desesperadora indiferença.

Era uma menina. Ainda mantinha parte do cordão umbilical. Em vez de um colo, em vez de um berço, o corpinho estava fechado numa mochila.

O símbolo de um estudante, para carregar livros e cadernos, para aprender a ler e escrever, para crescer e ser alguém, foi usado como caixão, numa inversão macabra das expectativas.

A polícia tenta identificar os responsáveis e esclarecer se a pequena estava viva antes de ser desovada.

Lembro que notícia semelhante me marcou, no inverno do ano passado (24/6), em Canoas (RS). Um funcionário de limpeza de prédio comercial localizou um bebê morto dentro de uma lixeira, enrolado numa manta, no formol do descaso. Tinha apenas um dia de vida.

O que está acontecendo?

Espera-se a criança nascer para matá-la, respirar para extingui-la, vir à tona para soterrá-la em definitivo, ter esperança para suprimi-la. Há muito não é um feto.

São nove meses de espera para algumas horas de extermínio, de tortura no frio, de padecimento assistido. O nascimento sequer teve tempo de se tornar aniversário, com o falecimento inscrito para sempre na lápide na mesma data do parto.

Os rebentos são descartados como se fossem objetos estragados, defeituosos. Que mundo é este, em que bonecas reborn são tratadas como bebês de verdade - e bebês de verdade são jogados fora como bonecas?

Vivemos uma era em que a infância inanimada é celebrada em comerciais, nas redes sociais, em quartinhos instagramáveis, mas os filhos de carne e osso, com seus problemas e necessidades, dependentes de criação e de assistência permanente, continuam sendo ignorados. É fácil idealizar, difícil é cuidar do que é real. Talvez estejamos todos fingindo que não vemos essa maiúscula discrepância.

O infanticídio bizarro revela o fim do sentimento de zelo, de empatia, de respeito.

Por que não incentivamos a adoção, com menos burocracia?

O abandono de um recém-nascido, essa monstruosidade injustificável, não começa no momento em que ele é deixado perversamente numa mochila, numa mala, numa sacola, num contêiner, mas quando a gestante não tem com quem contar, na ausência de rede, de escuta, de acolhimento. É um atalho brutal de uma longa negligência social, da desestruturação das famílias.

Estamos nos convertendo, patologicamente, numa sociedade que tolera o insuportável, que silencia diante do descuramento, que não repara mais os lares desfeitos e apenas se detém nos crimes consumados.

O nascimento, que deveria ser um grito de vida, vem sendo um estertor cada vez mais abafado.

Os atos de crueldade não representam exceções, mas alertas consecutivos, sinais da banalização completa do sofrimento.

Uma mochila nunca mais será só uma mochila. _

CARPINEJAR

09 de Julho de 2025
MÁRIO CORSO

A origem do mundo

No começo, existia apenas o eterno AAS, flutuando no vazio primordial. De suas dores, AAS gerou Paracetamol, uma serpente gigantesca enrolada em infinitas espirais, e Dipirona, a deusa das águas.

Paracetamol quis engolir sua irmã Dipirona para reinar sozinho. Dipirona, ao invés de fugir do irmão, atirou-se em sua boca e o afogou. Do corpo morto de Paracetamol surgiram as montanhas e a terra firme.

Antes de morrer, Paracetamol engravidou Dipirona e dela nasceram os gêmeos Escitalopram, deus da calma e da paciência, e Morfina, deusa do sono e do relaxamento. Mais tarde, nasceu Metilfenidato, aquele que nunca se cansa, o deus do vento, da tempestade e do movimento dos astros.

Exausta pelos partos, Dipirona desceu do céu, derramou-se numa tempestade de 400 dias e 400 noites. Assim, surgiram os rios e os mares. De uma lágrima de Paracetamol, que caiu neste oceano primevo, nasceu a deusa Risperidona, que é a energia cósmica que acalma as águas furiosas e as almas sofridas.

Um dia o gigante Tadalafila raptou a titã Cortisona. Desta união forçada nasceu Cloroquina, deusa da mentira e da perversidade. Heparina, irmã de Cortisona seduz Tadalafila, mas era uma armadilha para que seu irmão Midazolam o colocasse em sono eterno e o jogasse no Tártaro - onde seria descontinuado.

AAS criou os homens, as mulheres e os seres assemelhados. Quando soube que esta humanidade adorava o falso ídolo Ozônio, criou a deusa Penicilina - a partir dos dentes de Paracetamol -, para matar tudo que havia de ruim, preservando os saudáveis para repovoar a Terra.

Temendo outra onda de devassidão entre suas criaturas, AAS mandou para os homens o profeta Ibuprofeno com as tábuas da lei. Os mandamentos proíbem matar, roubar, fornicar em público, blasfemar contra os deuses, colocar coentro na comida e mandar mensagem de áudio. A partir de então, os cães e os gatos são sagrados. Cabe ao homem alimentá-los, protegê-los e recolher suas fezes.

Ainda hoje, quando os ventos uivam, escutamos a risada de Metilfenidato. Quando a terra treme, é Paracetamol querendo ressuscitar. E quando um homem morre, sua alma é levada pelas correntezas de Dipirona, até ser dissolvida no ventre de AAS, onde tudo começou - e tudo terminará. _

MÁRIO CORSO

09 de Julho de 2025
OPINIÃO DA RBS

Intromissão de Trump é inócua

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, se imiscuiu de forma inapropriada em uma questão interna do Brasil, em mais uma atitude que apenas confirma o seu desapreço por regras diplomáticas. Na segunda-feira, em sua rede social, o republicano afirmou que o ex-presidente Jair Bolsonaro é perseguido, deveria ser submetido apenas ao julgamento do voto e teria de ser deixado em paz. Trump referia-se à condenação que tornou o aliado ideológico inelegível e ao processo em que é réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado.

É natural que a manifestação de Trump gere grande repercussão, atice os apoiadores do ex-capitão nas redes sociais e até crie no próprio ex-presidente e nos familiares e correligionários a expectativa de que, de alguma forma, a declaração interfira no destino do julgamento que corre no STF. Ou seja, a esperança é de que os ministros do Supremo se dobrem a uma pressão política externa.

Fez bem o STF em não responder. Morder a isca significaria alimentar o bate-boca virtual, arena preferencial do presidente norte-americano, em que já desfiou delírios que atingem de forma ainda mais aviltante outros países, como as ideias de anexar o Canadá ou de comprar a Groenlândia.

A declaração de Trump ou outras que venha a fazer, portanto, em nada vão alterar o juízo da Corte sobre o que Bolsonaro fez ou não fez ou sobre o que não foi provado que tenha feito para promover uma ruptura institucional no Brasil. Jair Bolsonaro e outros apoiadores, incluindo membros de primeiro escalão de seu governo, alguns de alta patente militar, passam por um processo transparente, inclusive com interrogatórios transmitidos ao vivo. Têm todas as suas prerrogativas de amplo direito de defesa respeitadas, como reza o Estado democrático de direito. Ao STF cabe decidir apenas de acordo com as provas.

A versão conspiratória do líder perseguido por forças poderosas, aliás, há muito se tornou um clichê de populistas enrolados com o Judiciário, à esquerda e à direita. A tese de que o único julgamento válido é o do povo também demonstra o pendor autoritário de quem se imagina acima da lei e despreza o sistema de freios e contrapesos de democracias sadias, com instituições consolidadas e independentes, embora passíveis de críticas.

No campo político, a resposta coube ao presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. "Somos um país soberano e não aceitamos interferência ou tutela de quem quer que seja", disse, em nota. Tem total razão, apesar da carência de coerência moral para repreender Trump. Há menos de uma semana, em Buenos Aires, Lula se deixou fotografar segurando um cartaz com os dizeres "Cristina libre", reivindicando, portanto, reversão do quadro jurídico da ex-presidente argentina Cristina Kirchner, condenada a prisão domiciliar por corrupção e inelegível. Cristina é outra que se diz perseguida. O presidente brasileiro, portanto, também desrespeitou a soberania do país vizinho. Feriu com o mesmo ferro que foi ferido. Que fique a lição de mais cuidado ao se intrometer em assuntos internos alheios. 


Quais tarifas estão valendo e o que é ameaça de Trump

As "cartinhas de Trump", comunicados oficiais da Casa Branca sobre a nova cobrança de tarifas, voltaram a mergulhar o planeta no risco. Com o retorno do imposto de importação que praticamente impede a venda de produtos de vários países aos Estados Unidos, foi retomado o cenário de pavor que tomou conta dos mercados logo depois de 2 de abril, quando o presidente americano, Donald Trump, desferiu alíquotas de 10% a 50%.

Mas afinal, o que está valendo e o que é ameaça de Trump? Ao menos até o final da manhã de ontem, o que segue em vigor é uma tarifa média de 10% de 184 países. Foi aplicada a 185, mas um é o Território das Ilhas Heard e McDonald, habitado apenas por focas e leões marinhos que, até onde se sabe, não exportam.

Só a alíquota média de 10% já garantiu aos EUA arrecadação extra de US$ 24,2 bilhões em maio, primeiro mês cheio de vigência das novas tarifas "recíprocas", ou seja, aplicadas a todos os produtos de cada país. Foi 25% maior do que a do mês anterior, quando já vigoravam cobranças maiores a produtos específicos, como o de aço e alumínio - a coluna vai dedicar outro capítulo às tarifas setoriais, porque só as "recíprocas" já estão muito confusas.

Tentativa de pressão

Agora, a ameaça de Trump é retomar, com correções pontuais, os níveis anunciados em 2 de abril, antes da trégua "concedida" apenas sete dias depois, em 9 de abril, quando foi firmada a regra atual dos 10% adicionais. No entanto, a cobrança efetiva só começaria em 1º de agosto, o que foi interpretado como tentativa de pressionar uma negociação nesses pouco mais de 20 dias que restam até lá.

E no meio dessa confusão, Trump ainda ameaçou cobrar uma alíquota adicional de 10% de "países alinhados" ao Brics. Até agora, não passou de intimidação. Embute o risco de que a tarifa do Brasil passasse de 10% para 20%. O que o presidente americano vê como "política antiamericana" é uma vaga tentativa de aumentar o uso de outras moedas no comércio entre os 11 países do bloco. _

África do Sul 30 10 30

Bangladesh 37 10 35

Bósnia 35 10 30

Camboja 49 10 36

Cazaquistão 27 10 25

Coreia do Sul 25 10 25

Indonésia 32 10 32

Japão 24 10 25

Laos 48 10 40

Malásia 24 10 25

Mianmar 44 10 40

Sérvia 37 10 35

Tailândia 36 10 36

Tunísia 28 10 25

Depois de subir com força na véspera, o dólar recuou 0,59%, para R$ 5,445, ontem. O mercado agora vê tempo para negociar. E no Brasil, a desaceleração nas vendas do varejo ajudou.

A empresa gaúcha que atuou nos bastidores do Mundial de Clubes

Era gaúcho o aplicativo que controlava, no Mundial de Clubes de 2025, os estoques de produtos da Coca-Cola no estádio Rose Bowl, na Califórnia. Com sede em Porto Alegre, a CWI ajudava a distribuir e repor refrigerantes, garrafas d?água e isotônicos em diferentes pontos do complexo esportivo, desde máquinas de bebidas até vestiários de clubes.

O Rose Bowl não vai mais receber jogos nesta edição do torneio, mas já está marcado na história por ter sido palco da vitória do Botafogo contra o PSG e - muito antes - do tetracampeonato da Seleção Brasileira. No total, foram seis partidas por lá, entre 15 e 25 de junho.

O projeto-piloto no Mundial de Clubes é o primeiro passo para identificar a aplicabilidade do aplicativo em outros eventos esportivos que a Coca-Cola patrocina, como a Copa do Mundo de 2026, que também ocorre nos Estados Unidos. Nos demais estádios, a gigante de bebidas manteve o controle de estoques de forma manual.

A CWI já fez a ferramenta para controle do estoque de produtos da Coca-Cola nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, de Tóquio e de Paris e na Copa do Mundo do Catar, da Rússia e do Brasil. Foram necessárias adaptações para replicar a tecnologia no Mundial de Clubes.

- A decisão de utilizar o aplicativo exclusivamente no Rose Bowl teve como objetivo realizar um projeto-piloto, com foco na identificação de melhorias e validações para possíveis versões futuras - afirma o gestor técnico da CWI, Diogo Pinheiro de Araújo.

A empresa tem escritórios em Porto Alegre, São Leopoldo e São Paulo, com cerca de 1,5 mil trabalhadores. _

Não basta ser só sustentável

Para muitas empresas brasileiras, tornar-se sustentável ainda é um enorme desafio. Para uma que é referência em atuação positiva nas áreas social e ambiental, porém, já não é suficiente. No final da semana passada, a Natura fez um anúncio impactante: não quer mais ser uma empresa sustentável.

Como assim? Ao apresentar sua Visão 2050, com metas socioambientais para os próximos 25 anos, a empresa avisou que quer ir além. Em vez de ser "apenas" sustentável, pretende agora se tornar regenerativa, ou seja, recuperar os recursos naturais que utiliza na fabricação de seus produtos de beleza.

- Só a sustentabilidade já não é mais suficiente, pois sustentar o mundo como ele é hoje não é uma boa ideia. O caminho é regenerar para estados progressivos de maior saúde e maior abundância, gerando, ao mesmo tempo, resultados positivos financeiros, humanos e ambientais - justificou o CEO da Natura, João Paulo Ferreira.

O recado é importante para as empresas que ainda hesitam em dar os primeiros passos no rumo da sustentabilidade por mostrar o quanto podem se distanciar de referências nacionais e internacionais, já que a Natura tem atuação global. _

Um gesto exagerado

O presidente Donald Trump repetiu ontem a ameaça de alíquota extra de 10% a quem se alinhar aos países do Brics por "política antiamericana". É como vê a ideia de aumentar o uso de outras moedas no comércio entre os 11 países, considerada de difícil execução pela maioria dos especialistas em comércio exterior.

Ao reiterar a ameaça ante um risco muito diminuto, o presidente da maior economia do planeta dá peso maior do que esse heterogêneo grupo de países de fato tem. O próprio Trump percebeu o efeito, ao afirmar que não considera o Brics uma "ameaça séria". 

GPS DA ECONOMIA 



09 de Julho de 2025
POLÍTICA - Fábio Schaffner

POLÍTICA

Ao menos 16 deputados gaúchos podem trocar de partido para a eleição de 2026. Movimentos são acelerados pelas fusões e federações e decorrem de conflitos internos nas legendas e de busca por chances maiores de reeleição, entre outros motivos. Mudanças ocorrerão no ano que vem e vão mexer no tamanho das bancadas tanto na Assembleia Legislativa quanto na Câmara Federal

A reorganização partidária em curso no país a partir de fusões e federações está levando políticos gaúchos a redefinir seu futuro. Ao menos 16 deputados estaduais e federais do Rio Grande do Sul estudam trocar de partido nos próximos meses, de olho nas eleições de 2026.

A mudança leva em consideração fatores distintos, como rusgas internas, desconexão ideológica, dificuldade para se reeleger na atual legenda ou migração em grupo. A temporada de transferências foi aberta pelo deputado estadual Rodrigo Lorenzoni, que há duas semanas trocou o PL pelo PP.

Rodrigo saiu do PL após sucessão de divergências com a cúpula do partido no Estado e na esteira do caminho trilhado pelo pai, Onyx Lorenzoni, que também se filiou ao PP. O destino deve ser o mesmo de Cláudio Tatsch, ex-colega de bancada de Lorenzoni no PL e que vem negociando transferência com a direção do PP.

Rodrigo recebeu carta de anuência do PL para sair, mesmo instrumento concedido pelo MDB ao deputado federal Osmar Terra. Com origem no PCdoB e militância em organizações clandestinas de combate à ditadura militar, Terra tinha 40 anos de MDB. Todavia, estava isolado no partido por sua adesão ao bolsonarismo e vai assinar ficha em breve no PL, mesma legenda do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Outros deputados que estão desconfortáveis em seus partidos são Any Ortiz, do Cidadania, e Daniel Trzeciak, do PSDB.

As duas siglas, que formam uma federação cuja vigência termina em 2026, seguirão rumos distintos. Enquanto o Cidadania se reaproxima da esquerda e flerta com o PSB na montagem de uma nova federação, o PSDB encolheu nas urnas e perdeu praticamente todas as lideranças nacionais após se aproximar do bolsonarismo. Com uma base eleitoral de direita e descontente com as movimentações recentes do partido, Any está praticamente acertada com o PP.

Já Trzeciak transita à vontade no bolsonarismo, mas teme disputar a reeleição por um PSDB cada vez menor. Assediado por várias siglas, tem conversas avançadas com o Republicanos.

Esvaziamento

Os tucanos, aliás, devem perder seus dois deputados federais pelo Rio Grande do Sul.Além de Trzeciak, Lucas Redecker também está de saída. O parlamentar seguirá o governador Eduardo Leite no PSD.

Pelo menos quatro dos cinco deputados estaduais do partido seguirão o mesmo caminho: Nadine Anflor, Valdir Bonatto, Pedro Pereira e Neri, o Carteiro. Da bancada estadual, apenas Kaká D?Ávila deve continuar no PSDB.

Outra legenda que deve minguar na Assembleia Legislativa é o União Brasil. Dos três deputados, dois estão prontos para sair, faltando apenas definir o destino.

Com receio de não conseguir se reeleger na federação formada com o PP, Thiago Duarte e Aloísio Classmann ainda fazem contas para verificar em qual partido é mais seguro garantir um novo mandato. Por enquanto, a preferência é pelo Republicanos.

Comandada por pastores e com forte penetração no eleitorado evangélico, a agremiação deve receber outros dois deputados estaduais. Único membro da antiga bancada do PTB a permanecer na legenda, rebatizada de PRD, Elizandro Sabino também é pastor e vê no Republicanos a forma mais tranquila de manter os votos de base religiosa. Todavia, ele também flerta com o MDB, para onde migrou sua esposa, a vereadora de Porto Alegre Tanise Sabino.

O Republicanos pode receber ainda Elton Weber, do PSB. Afinado com o PT no plano federal, o comando do partido cogita intervir no diretório gaúcho, afastando do poder o grupo de Weber e do deputado federal Heitor Schuch.

Além das divergências com a cúpula nacional, ambos enfrentam uma mudança no perfil do seu eleitorado, os pequenos agricultores familiares, um grupo que se afastou da esquerda e está cada vez mais sintonizado com o bolsonarismo. Dessa forma, Weber cogita migrar para o Republicanos, para o MDB ou para o PSD, este último o provável destino de Schuch.

Caso a intervenção se confirme, o diretório local será entregue para o ex-deputado Beto Albuquerque, mudança que abre espaço para a filiação de Manuela D?Ávila, ex-PCdoB. A ex-deputada também dialoga com PT e PSOL, outros possíveis destinos.

No outro polo do espectro ideológico, dois parlamentares de direita estudam trocar de partido em busca de siglas mais robustas. É o caso do deputado estadual Claudio Branchieri e do federal Maurício Marcon, ambos do Podemos, que devem ir para o PL.

Formalização só em março

Todas essas mudanças só devem se concretizar em março de 2026, quando se abre a janela de migração para deputados estaduais e federais. Até lá, eventuais trocas sem maiores riscos de perda do mandato só ocorrerão com carta de anuência, caso de Rodrigo Lorenzoni e Osmar Terra.

A legislação assegura manutenção do mandato ao parlamentar se houver desvio do programa partidário ou grave discriminação pessoal sofrida pelo político. Uma alternativa pode ser a formalização de fusão que dê origem a uma nova legenda. Em caso de federação, a regra deve ser estabelecida em estatuto. _

O cenário no Estado

Já trocaram de partido

Político Origem Destino

Rodrigo Lorenzoni PL PP

Onyx Lorenzoni PL PP

Já se desfiliaram, mas ainda negociam destino

Político Origem Destino

Manuela D?Ávila PCdoB PSB, PT ou PSOL

Osmar Terra MDB PL

Outras possíveis trocas

Político Origem Destino

Aloisio Classmann União Brasil Republicanos

Any Ortiz Cidadania PP

Claudio Branchieri Podemos PL

Cláudio Tatsch PL PP

Daniel Trzeciak PSDB PL ou Republicanos

Elizandro Sabino PRD Republicanos ou MDB

Elton Weber PSB Republicanos, MDB ou PSD

Heitor Schuch PSB PSD

Lucas Redecker PSDB PSD

Maurício Marcon Podemos PL

Nadine Anflor PSDB PSD

Neri, o Carteiro PSDB PSD

Pedro Pereira PSDB PSD

Thiago Duarte União Brasil Republicanos

Valdir Bonatto PSDB PSD

*A maioria das negociações é restrita aos bastidores e, por ora, boa parte dos parlamentares envolvidos nega intenção de mudar de sigla. 


EM FOCO

Crime ocorreu no município de Estação, na região norte do Estado, na manhã de ontem. Agressor, de 16 anos, entrou na instituição alegando que iria entregar um currículo. Duas meninas e mais uma professora acabaram feridas durante o ataque

Menino é morto por adolescente em escola

Uma criança morreu e outras três pessoas ficaram feridas ontem pela manhã depois de um ataque à faca em escola de Estação, município de cerca de 6 mil habitantes do norte gaúcho.

O caso aconteceu por volta das 10h, na Escola Municipal Maria Nascimento Giacomazzi, no centro da cidade. Segundo o prefeito Geverson Zimmerman, as vítimas são três alunos e uma professora que foram agredidas por um adolescente de 16 anos que pediu para entrar na escola para entregar um currículo. A instituição tem 152 alunos.

A criança que morreu foi identificada como Vitor André Kungel Gambirazi, de nove anos, e estudava no terceiro ano do Ensino Fundamental.

Segundo a polícia, ele foi atingido por ao menos 11 golpes de faca, quase todos na região das costas. Duas meninas, de oito anos, ficaram feridas. Uma delas está no Hospital Santa Terezinha, em Erechim, com trauma cranioencefálico. Ela passou por cirurgia e está em estado estável, "porém inspira cuidados", de acordo com a casa de saúde. A outra vítima estava no Hospital São Roque, de Getúlio Vargas, e teve alta à tarde.

Uma professora de 34 anos foi atingida e encaminhada ao Hospital de Caridade, em Erechim. Ela tentou intervir no ataque e acabou ferida pelo agressor. Segundo a casa de saúde, a docente está internada para observação: "O estado dela é estável, só muito abalada emocionalmente".

A prefeitura de Estação suspendeu as aulas em todas as escolas da rede municipal por tempo indeterminado. Durante a tarde, familiares dos alunos aguardaram informações do caso em frente à instituição.

Em entrevista ao Timeline da Rádio Gaúcha, Zimmerman relatou a ação do agressor:

- Ele entrou na escola com uma faca, fez uso de bombinhas no chão para assustá-las. Depois entrou em uma sala de aula e feriu uma das crianças gravemente. Outras duas foram atingidas com cortes na cabeça, de forma leve.

Depois do ataque, houve tumulto em frente à escola. O adolescente foi imobilizado e apreendido. Ele foi ouvido pela Polícia Civil.

Segundo o prefeito, o agressor era morador do município, não tinha histórico de ocorrências.

Conforme a Polícia Civil, as motivações são investigadas; informações preliminares apontam que o menino fazia acompanhamento psiquiátrico há mais de um ano. À noite, ele foi internado provisoriamente, após decisão da juíza Daniela Conceição Zorzi.

Teria agido sozinho

O adolescente prestou depoimento à Polícia Civil e ao Ministério Público entre o fim da manhã e início da tarde de ontem e, depois, foi apreendido.

- A princípio, ele agiu sozinho. Sabemos que ele entrou e foi em apenas uma sala, do terceiro ano. Faremos toda a investigação a partir de agora e maiores informações estão em sigilo - disse o delegado Jorge Fracaro Pierezan.

O adolescente não tinha relação com a escola nem antecedentes policiais, segundo Pierezan.

Conforme o coronel Carlos Alberto Cardoso de Aguiar Junior, comandante do Comando Regional de Policiamento Ostensivo da Região Norte (CRPO Norte), o adolescente entrou na escola de forma "tranquila", pois era conhecido pelos funcionários.

- Ele disse que queria entregar um currículo e pediu para ir no banheiro. Então causou uma surpresa geral quando começou o ataque - disse. 

Estudantes buscaram ajuda em casa ao lado da instituição

A aposentada Ercina Dalacorte, 76 anos, acolheu e prestou socorro aos alunos que fugiram da escola em meio ao ataque.

- Vi que as crianças começaram a correr para o meio da rua, achei que fosse um incêndio. Eram todos pequenos, fiquei com muita pena porque eles choravam e me abraçavam - conta.

Apesar de consternada e com medo do que poderia acontecer, ela manteve as crianças dentro da própria casa:

- Peguei todos e socorri dentro da minha casa. Falei "aqui não tem problema", e ficaram ali até os pais chegarem - relatou. _

Governador e ministro da Educação lamentam episódio

O governador do RS, Eduardo Leite, expressou solidariedade às vítimas do ataque. Em publicação na rede social X, colocou o Estado à disposição para dar suporte aos atingidos e determinou que as forças de segurança atuem com prioridade total na apuração do caso.

"O que aconteceu não pode ser naturalizado, relativizado ou esquecido", escreveu Leite. "Nada é mais urgente do que garantir que nossas crianças estejam seguras. E nada é mais inaceitável do que a violência atravessar os muros de uma escola", finalizou.

O ministro da Educação, Camilo Santana, disse que recebeu com tristeza a notícia sobre o ataque e que determinou o envio da equipe de psicólogas do Núcleo de Resposta e Reconstrução de Comunidades Escolares, especializada em situações de crise e violência extrema, para apoiar em tudo o que for necessário.

"Seguimos em articulação com o Ministério da Justiça e com as autoridades locais, reafirmando nosso compromisso com a vida, a paz e a proteção das comunidades escolares. À população, comunidade escolar e familiares das vítimas, meus sinceros sentimentos nesse momento de dor profunda", escreveu. 

terça-feira, 8 de julho de 2025



08 de Julho de 2025
CARPINEJAR

Mistério entre duas praças próximas

O porto-alegrense é misterioso. Por mais que exista pesquisa de mercado, nunca definimos com precisão por que um lugar dá certo e outro não.

Como o morador da Capital é fiel aos hábitos - escuta a rádio que os pais escutavam, assina o jornal que os pais assinavam, repete os restaurantes da infância -, depois que uma predileção se consolida, é difícil fazê-lo mudar de ideia.

Não deixará jamais de frequentar seus pontos turísticos, em detrimento de novos. Quem vai à Redenção nunca se ausentará de bater o cartão-ponto ali a vida inteira. Quem vai ao Parcão jamais alterará seu destino. Quem vai à Orla não será persuadido a seguir itinerário diferente.

Experiências bem-sucedidas não são trocadas. Nenhuma novidade vence a tradição. Um caso emblemático é o da Praça Gustavo Langsch, rodeada pelas ruas Artur Rocha, Desembargador Moreno Loureiro Lima, Professor José Salgado Martins e um trecho da Engenheiro Afonso Cavalcanti.

É um dos mais belos recantos no outono, com as árvores caducifólias manchando o chão de amarelo, laranja e vermelho. Não deve nada, em termos de solo colorido e purpúreo, ao Central Park.

Mas está sempre vazia. Recebe visitantes esparsos e solitários. O que causa estranheza é que ela é muito parecida com a Praça da  Encol, exibindo uma rota excelente para caminhada.

Só que a Praça Carlos Simão Arnt, conhecida popularmente como Encol - entre a Avenida Nilópolis e a Rua Jaraguá, a menos de um quilômetro dali -, conserva-se lotada, um formigueiro no início e no fim do dia.

Ambas têm quase a mesma extensão, entre 25 mil e 30 mil metros quadrados, estão localizadas no mesmo bairro (Bela Vista), com a mesma iluminação, com o mesmo cenário, mas uma enche e a outra permanece deserta.

Algumas observações costumam ser usadas como desculpas: a Praça Gustavo Langsch constitui um reduto pouco funcional, em um declive, exigindo subir e descer lomba; é úmida no inverno, ligeiramente mais escondida, sem uma grande avenida passando ao seu largo. Porém, são pecados veniais, adaptáveis.

Nem dá para justificar a aglomeração na Encol pelas quadras de vôlei, futebol ou beach tennis, já que esse movimento é recente, e quadras poderiam ser construídas também no parque vizinho.

É um enigma a adoção de um espaço como símbolo da Capital e a orfandade do que está ao lado, que se mantém como um território esquecido. No primeiro, as pessoas se reúnem para piqueniques e tertúlias com chimarrão e cadeiras de praia; no segundo, os balanços apenas servem aos filhos do vento.

São como irmãos brigados, ou afetos dissidentes.

As praças Carlos Simão Arnt e Gustavo Langsch preenchem arquétipos de oposição. Tudo e nada simultaneamente. São nossos Caim e Abel, Jacó e Esaú, Rômulo e Remo, Edmundo e Pedro (As Crônicas de Nárnia, C.S. Lewis), Hamlet e Laertes (Shakespeare), Set e Osíris (mitologia egípcia), Scar e Mufasa (O Rei Leão, inspirado em Hamlet).

Meu ímpeto é sair com um apito e chamar o povo da Encol para a Gustavo Langsch, distribuir a atenção e a afeição, mostrar o quanto aquela área verde é igualmente agradável e prazerosa para a prática de exercícios físicos, para o passeio com os cães, para os encontros familiares.

Eu me sento na grama com um livro, escolho uma sombra para mim e fico esperando alguém me interromper, fico esperando alguém surgir para puxar conversa.

Ninguém nunca vem. É uma solidão de caracol. 

CARPINEJAR


08 de Julho de 2025
NILSON SOUZA

As guerras e a bola

Leio que alemães e norte-irlandeses concluíram recentemente uma disputa de futebol adiada por 65 anos por causa da Guerra Fria. O jogo entre o Glenavon FC, da Irlanda do Norte, e FC Erzebirge Aue, da Alemanha (na era comunista conhecido como Wismut Karl-Marx Stadt), foi realizado como amistoso em Lurgan, a 40 quilômetros de Belfast, com o estádio lotado por torcedores dos dois países, entre os quais ex-atletas que, à época, não puderam jogar a partida oficial pela Copa dos Campeões da Europa por terem sido impedidos de atravessar a chamada Cortina de Ferro, divisão ideológica da Europa depois da Segunda Guerra Mundial.

Ganharam os alemães, mas isso é o que menos importa. O importante é o sentido simbólico da disputa esportiva que, embora tardiamente, acabou se sobrepondo ao antagonismo político e ao belicismo. As notícias sobre o jogo dão conta de que os torcedores dos dois países celebraram juntos depois da partida - como certamente gostariam de fazer outros povos envolvidos em guerras impostas por governantes prepotentes e sedentos de poder.

Como dizem os comerciais da Fifa, se o futebol fosse um país seria a maior nação do mundo, com um idioma comum a todos os seres do planeta, regras claras e disputas pacíficas - ainda que de vez em quando o fanatismo clubístico ou nacionalista derive para beligerância. Mas são conflitos pontuais, que só raramente resultam em agressões físicas e perdas de vidas.

Já a guerra é sempre um jogo fatal em que todos perdem, dos militares obrigados a lutar aos civis vitimados pelos bombardeios. Não há maior expressão da estupidez humana do que um conflito bélico. Armas simbolizam a falência do diálogo e da inteligência humana. O VAR da História sempre confirma isso.

Claro que o futebol, embora tenha o poder de unir pessoas de diferentes tendências, de emocionar e proporcionar espetáculos encantadores, também tem as suas deformações - que vão dos episódios de violência entre torcedores rivais às manifestações de racismo. Mas, no esporte, tudo pode ser resolvido sem ódios e morticínios. Mesmo que leve 65 anos. _

O conteúdo desta coluna reflete a opinião do autor

NILSON SOUZA


08 de Julho de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Trump volta a disparar tarifaços e dólar sobe

O prazo da trégua só venceria amanhã, mas ontem "as cartinhas de Trump" já começaram a chegar. O pesadelo do tarifaço está de volta, e os países que não encaminharam acordo estão sendo comunicados sobre o tamanho do imposto de importação que terão de pagar para vender aos Estados Unidos. A moeda americana teve alta de 0,99%, para R$ 5,478, enquanto o Ibovespa caiu 1,3%, para 139,4 mil pontos.

Embora o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tivesse mencionado patamares de até 70% na sexta-feira passada, ainda não se viu nada desse tamanho. Mas as novas tarifas são mais do que suficientes para voltar a afundar o mercado no abismo da incerteza.

Até o final da tarde, sete nações haviam recebido seu quinhão de terror: África do Sul (30%), Cazaquistão (25%), Coreia do Sul (25%), Japão (25%), Laos (40%), Malásia (25%) e Mianmar (40%). Havia expectativa de que mais cinco fossem informados. Depois de anunciar o "Dia da Libertação" em 2 de abril, quando impôs tarifas de até 50% a 185 países, Trump havia comunicado uma trégua unilateral de 90 dias, que se encerraria no dia 9 de julho.

Imposto de importação tem arrecadação 25% maior

Entre especialistas em comércio exterior, havia a expectativa de que o prazo de 9 de julho não fosse levado a "ferro e fogo". Na semana passada, a secretária de imprensa de Trump, Karoline Leavitt, havia reiterado que uma ampliação no cronograma seria possível. Por isso, o envio das "cartinhas de Trump" pegou o mundo de surpresa.

As bolsas americanas também caíram com a volta da aversão ao risco. Na de Nova York, o índice mais tradicional perdeu 0,94%, o mais abrangente recuou 0,79%, e a Nasdaq baixou 0,92%. As novas tarifas, que entram em vigor no dia 1º de agosto, são úteis para Trump. Em maio, quando foi aplicada "só" a alíquota de 10%, a arrecadação dos EUA somente com esse imposto de importação chegou a US$ 24,2 bilhões. É um valor 25% maior do que o do mês anterior, abril, quando a cobrança foi anunciada.

É uma forma de financiar o buraco aberto pela aprovação da "big, beautiful bill" da Trump, que abre um rombo estimado em US$ 3,8 trilhões, sem impor custos aos americanos. O mundo sempre financiou os Estados Unidos. Mas o atual presidente quer desmontar esse sistema que ajudou a enriquecer os americanos. O risco é que consiga empobrecer o mundo inteiro. _

Avança negócio que pode alterar o controle do polo petroquímico

Avançou o negócio que pode dar ao polêmico empresário Nelson Tanure, conhecido por comprar empresas em dificuldade, o controle da Braskem, dona da maior parte do polo petroquímico de Triunfo. Ontem, a companhia informou que sua atual controladora, a Novonor (ex-Odebrecht) e o fundo de Tanure solicitaram autorização ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para "uma potencial transação".

O pedido foi conjunto, feito pela NSP, holding da Novonor, e pela Petroquímica Verde Fundo de Investimento em Participações - Multiestratégia, de Tanure. Na nota, os dois grupos voltam a informar que "até a presente data não foram celebrados quaisquer instrumentos definitivos vinculantes", ou seja, ainda não há obrigação de compra e venda. A operação, afirma o comunicado, "permanece sujeita a avaliações e confirmações usuais em transações dessa natureza".

"Titular indireto"

Mas é um avanço no negócio cujo ensaio foi oficializado em maio. O plano é que o fundo de Tanure se torne "titular indireto de participações societárias que representem o controle da Braskem". A venda da companhia petroquímica é uma condição para que a Novonor saia da recuperação judicial.

Na versão anterior, havia a observação de que, para avançar, o negócio dependia de duas aprovações: da Petrobras, sócia da Novonor da Braskem, e dos bancos credores da Novonor, que têm ações da petroquímica como garantia. Só depois avançaria para análise do Cade.

Como agora o que entrou em cena é a solicitação ao órgão de defesa da concorrência, o mercado deduz que as duas primeiras etapas foram bem-sucedidas. O negócio ocorre em um momento em que a petroquímica enfrenta desafios no Brasil, com níveis de ociosidade recordes, de 38% na média. Na Braskem, conforme informações da empresa em maio, é ligeiramente menor, ao redor de 35%. _

Encrenca com Brics para eleitor ver

Muito antes de o grupo do Brics ter incluído no comunicado da 17ª Cúpula de Líderes de Estado uma vaga inquietação com o aumento de medidas tarifárias e não tarifárias unilaterais, Donald Trump já havia ameaçado com tarifas de 70% no final da trégua de 80 dias.

Ao afirmar que essas medidas "distorcem o comércio e são inconsistentes com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC)", o Brics não comete qualquer arroubo, só constata o óbvio. Mal havia saído o texto, o presidente americano fez mais uma de suas habituais ameaças: quem se alinhar "às políticas antiamericanas do Brics" terá alíquota adicional de 10%.

O ex-secretário de Comércio Exterior Marcos Troyjo observou que Peter Thiel, um dos primeiros bilionários a apoiar Trump, costuma dizer que o presidente americano deve ser levado a sério, mas não literalmente.

Trump não tem qualquer motivo para impor tarifa extra ao Brasil: o país tem déficit na relação com os EUA (compra mais do que vende), e qualquer iniciativa de usar moedas alternativas no comércio intrabloco ainda está há milhares de milhas da efetivação. Só pode ser encrenca para eleitor ver. _

Afinal, quem compra imóveis de alto padrão?

A venda de imóveis de alto padrão responde hoje por cerca de 50% do valor geral de vendas (VGV) em Porto Alegre. E não raro a coluna recebe perguntas do tipo "mas quem compra tanto imóvel caro?". Agora, tem um levantamento feito pela Colnaghi Imóveis, que tem uma fatia desse mercado, para mostrar o perfil de quem compra propriedades desse tipo, em sua maioria apartamentos com três dormitórios e preço médio de R$ 1,5 milhão.

Considerando dados de cerca de 800 contratos assinados na Capital a partir de 2020, é possível observar que o setor é dominado por público feminino e 50+. Ao menos entre as compras individuais, 56,6% são mulheres e 43,4%, homens. A divisão das compras por estado civil aponta para maioria formada por casados (51,1%).

Reforça a crescente autonomia da mulher nas decisões de compra de imóveis, especialmente entre as clientes solteiras, divorciadas ou viúvas - diz a diretora de operações na Colnaghi Imóveis, Roberta Bertoi.

A idade média do comprador também cresce nos últimos anos: neste ano, avança para 54,2 anos. Em 2020, era 43,5. _

GPS DA ECONOMIA


08 de Julho de 2025
EM FOCO

Novos investimentos previstos em data centers e semicondutores na região metropolitana de Porto Alegre devem reforçar segmento consolidado existente. Chegada de três empreendimentos representa aplicação de cerca de R$ 4 bilhões

Polo de tecnologia em busca de novo patamar

Entre os movimentos que se destacam, estão o projeto da cidade de data centers, da Scala, em Eldorado do Sul, a vinda de duas fábricas de semicondutores para a região - da Tellescom, em Cachoeirinha, e da Chipus - e o início do processo de expansão fabril do Ceitec. A chegada dos três novos empreendimentos significa investimento aproximado de R$ 4 bilhões. A maior parte, R$ 3 bilhões, são do complexo de data centers.

Conexão mais firme

Matriz energética diversificada no Estado, presença de empresas de tecnologia consolidadas, como HT Micron, em São Leopoldo, e Impinj e EnSilica, em Porto Alegre, parques tecnológicos de referência e mão de obra qualificada estão entre os principais pontos que atraem esses investimentos, segundo especialistas e integrantes do setor.

- Esses investimentos vêm em função da existência de universidades que formam profissionais altamente qualificados, de um ecossistema de inovação que já existe há mais de uma década aqui no nosso Estado. Vêm em função de um ecossistema robusto para os padrões latino-americanos e brasileiros, existente aqui na Região Metropolitana. É uma equação invertida. Eles não vão criar esse ecossistema. Vão reforçar ele - afirma o superintendente de inovação e desenvolvimento da PUCRS e do Tecnopuc, Jorge Audy.

Com a intenção de reforçar a atração de novos negócios e parcerias ao Estado, o governo lançou, no ano passado, a Invest RS, agência de fomento a investimentos. O órgão tem participação ativa nas tratativas para trazer a Tellescom e a Chipus para o Estado. Presidente da entidade, Rafael Prikladnicki ressalta a solidez dos parques tecnológicos dentro desse processo de chamar a atenção de outros investimentos:

- Se eu pegar somente os dois parques tecnológicos que hoje são referência no Brasil, o Tecnosinos e o Tecnopuc, estamos falando de empresas como SAP, Dell, HP, Apple, e de várias de outras que vieram para o Estado, justamente por causa dessa vocação que a gente tem.

Silvio Bitencourt, gestor executivo do Tecnosinos, também destaca esse potencial. Com um polo ainda mais robusto, esse processo flui, afirma o gestor.

Acerto estratégico

O presidente da Ceitec, Augusto Cesar Gadelha Vieira, afirma que a vinda de novas empresas, como a Tellescom, também pode ajudar o Ceitec:

- É muito importante para nós, porque ela adiciona-se ao que nós queremos produzir.

Com a aceleração da transformação digital, a capacidade de computação e processamento de dados se tornam desafiadores. Portanto, investir em data centers e semicondutores e atrair empresas do setor é um acerto estratégico, segundo o gestor do Tecnosinos. Na avaliação de Audy, do Tecnopuc, esse salto tecnológico somado a temas como hidrogênio verde criam ambiente para ganho de relevância no contexto global. _

Anderson Aires


08 de Julho de 2025
POLÍTICA E PODER - Rosane de Oliveira

Manifestação deve ter impacto zero no julgamento do STF

Autoexilado nos Estados Unidos, o deputado Eduardo Bolsonaro conseguiu, finalmente, arrancar do presidente Donald Trump uma manifestação em defesa de seu pai, Jair Bolsonaro, que está sendo julgado no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe. Que impacto o post de Trump na rede social de propriedade dele pode ter sobre os ministros do Supremo? Zero.

Mesmo com a ameaça de retaliação pelos Estados Unidos, o ministro Alexandre de Moraes não se intimidou. Os outros seguirão suas convicções, com base na denúncia da Procuradoria-Geral da República, nas apurações do STF e nas defesas apresentadas pelos réus.

Com tantos problemas para resolver no seu país - e nos que está envolvido diretamente pelas guerras -, o presidente dos Estados Unidos age como se o Brasil fosse uma república bananeira e os ministros do STF, seus súditos (para não dizer capachos).

No post de 16 linhas - imenso para quem está costumados aos padrões do X -, Trump diz que o Brasil está fazendo uma coisa terrível.

E reforça: "O grande povo do Brasil não vai tolerar o que estão fazendo com seu ex-presidente. Vou acompanhar muito de perto essa CAÇA ÀS BRUXAS contra Jair Bolsonaro, sua família e milhares de seus apoiadores."

Algum ministro do Supremo vai se comover com essa postagem? Talvez aqueles que estão predispostos a inocentar Bolsonaro, caso de André Mendonça e Kássio Nunes Marques - nomeados por ele. Outros podem até votar pela absolvição, mas não será pela interferência do presidente dos Estados Unidos.

O presidente Lula reagiu com uma nota curta e não quis se estender quando foi questionado sobre o assunto na entrevista após a reunião do Brics.

A preocupação que o Brasil deve ter em relação a Trump não é com sua opinião sobre Bolsonaro ser inocente ou culpado. É com as tarifas que ele está impondo às exportações de seus parceiros comerciais e que, nesta nova fase, variam de 25% a 40%. Japão e Coreia do Sul, por exemplo, levaram o talagaço de 25%. O Brasil está em fase de negociação. _

01 Bancadas de PP e União Brasil

querem candidatura própria

Foi em um almoço ontem que as bancadas de Progressistas e União Brasil tiveram a primeira reunião após a confirmação da federação das duas siglas. Por unanimidade, os 10 deputados defenderam a candidatura própria da União Progressista ao governo do Estado em 2026.

No dia 30, o presidente estadual do PP, deputado Covatti Filho, confirmou a pré-candidatura para o Piratini.

O movimento foi uma espécie de demarcação de território, já que, ao se lançar, Covattinho bloqueia o debate sobre a indicação de vice, que opõe sua mãe, Silvana, ao secretário do Desenvolvimento Econômico, Ernani Polo.

Horas depois do anúncio de Covatti, a ala que prefere Polo reagiu, e confirmou que ele também é um dos nomes do partido para a disputa.

Tanto Covattinho quanto Polo participaram do encontro com as bancadas ontem.

- É mais do que natural que aqueles que tenham interesse se apresentem, construindo ambiente e preocupação de manter unidade partidária, mesmo com as disputas por espaços - observa o deputado Rodrigo Lorenzoni, que assinou ficha recentemente com o PP. _

Cheuiche lança livro sobre gênese da Revolução Farroupilha

Um livro fundamental para entender a gênese da Revolução Farroupilha será lançado hoje, às 18h, na Assembleia Legislativa. É O Alvorecer da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e a Revolução Farroupilha, obra do escritor Alcy Cheuiche, ilustrada por Gilmar Fraga, com apresentação do deputado Pepe Vargas.

No dia 20 de abril de 1835, tomaram posse na Assembleia alguns expoentes da Revolução Farroupilha, como Bento Gonçalves, Padre Chagas, Domingos José de Almeida e Mariano de Mattos. Cheuiche conta que no plenário travaram-se debates acalorados entre farroupilhas e caramurus. O lançamento faz parte das comemorações alusivas aos 190 anos do Parlamento. _

Contra a concessão

Assim que o repórter Jocimar Farina tornou pública a intenção do prefeito Sebastião Melo de conceder a Usina do Gasômetro à iniciativa privada (leia na página 11), os grupos de WhatsApp de petistas e simpatizantes da esquerda entraram em ebulição.

A deputada Maria do Rosário encabeça um movimento para impedir Melo de realizar a concorrência. A intenção é lançar o edital no dia 15 de julho.

Ontem, Rosário fez contato com o Ministério da Cultura e pediu audiência com a direção do Banco do Brasil. Como o prédio é da União e foi cedido à prefeitura em 1982, ela entende que a concessão só pode ser feita com autorização federal. _

Edinho Silva vence disputa no PT

Não foi preciso esperar pela eleição em Minas Gerais, adiada no final da tarde de sábado, para o PT reconhecer a vitória do candidato Edinho Silva no processo eleitoral realizado domingo. Candidato do presidente Lula, Edinho fez mais de 60% dos votos nos outros Estados, o que descarta a necessidade de segundo turno, mesmo que os adversários consigam bons resultados em Minas.

Já no Rio Grande do Sul, haverá segundo turno no dia 27 de julho entre os deputados Valdeci Oliveira e Sofia Cavedon. Até ontem, a apuração seguia em andamento.

Também haverá nova votação em Porto Alegre. Vão se enfrentar Helenir Schürer (que fez 40% dos votos) e Rodrigo Dilelio (24%). _

TJ em campanha

O desembargador Antonio Vinicius Amaro da Silveira apresentou ontem a composição da chapa que representará a situação na disputa pela presidência do Tribunal de Justiça (TJ-RS). O ato marca o início da campanha eleitoral, e a votação deve ocorrer em dezembro. A oposição será liderada pelo desembargador Eduardo Ulhein. _

De volta ao Brasil após fazer mestrado em Administração Pública nos Estados Unidos, o ex-deputado estadual Fábio Ostermann (Novo) voltou à atuação política e prepara nova candidatura à Câmara em 2026.

POLÍTICA E PODER

segunda-feira, 7 de julho de 2025


07 de Julho de 2025
CARPINEJAR - Carpinejar

Era para a gente estar lá

Imagine você desprezar o amor da sua vida - e, de repente, vê-lo se casar com o seu grande desafeto, no auge da felicidade. A cada triunfo do Fluminense na Copa do Mundo de Clubes, mais me sinto corneado pelo destino.

Eu aceitaria o Botafogo, o Palmeiras, o Flamengo na semifinal, mas logo o Fluminense, o azarão? Não dá para suportar. É repisar meu trauma colorado.

Porque o Inter tinha condições de estar lá, no lugar do Tricolor das Laranjeiras, se não tivesse cedido bisonhamente a virada na semifinal da Libertadores, em casa, com Beira-Rio lotado, no fatídico 4 de outubro de 2023.

Para agravar o chifre, o time é comandado pelo ídolo gremista Renato Gaúcho, que tem demonstrado ser o melhor técnico em atividade no país, capaz de motivar seu grupo a ser insanamente competitivo. Ele morde a sua corrente de santinha na beira do campo, e regurgita milagres.

Para infeccionar a ferida, o plantel conta com ex-jogadores do Inter, os refugados Nonato e Renê - sendo que o lateral foi um dos pivôs da falha na decisão contra o próprio Fluminense.

Quanta ironia. Quanto sarcasmo. A classificação para o embate com o Chelsea, na terça-feira, rendeu US$ 21 milhões (R$ 113,8 milhões) em premiação para o Fluminense, totalizando R$ 329,44 milhões só neste torneio. Terá grana de sobra para reforçar o elenco. Aumentando o meu estresse emocional, ainda é o nosso rival sorteado para as oitavas de final da Copa do Brasil.

Jamais recebo alta espiritual, e a secação não funciona. Aquela derrota bombástica na Copa do Mundo é lembrada a todo instante: quando o Flu empatou com o alemão Borussia, quando ganhou do sul-coreano Ulsan, quando arrancou o empate com o sul-africano Sundowns, quando atropelou a Inter de Milão, quando fez pouco caso do milionário árabe Al-Hilal.

Eu vejo Hércules entrando no estertor e fazendo os gols messiânicos - e me recordo do curinga Kennedy aniquilando as nossas esperanças. Não encontro nenhum conforto da realidade para superar a frustração. Seu registro permanecerá definitivamente no meu DNA, até os meus tataranetos. Repassarei essa incurável e amarga melancolia como informação genética pelo meu sangue.

Ouso dizer que foi o pior revés da memória do Inter, pelo seu ingrediente trágico e sorrateiro. Se sucumbíssemos nas penalidades, seguiríamos adiante com a cabeça erguida. Nada justifica a entregada nos seis minutos que restavam quando vencíamos com segurança.

Vivo voltando mentalmente ao dia 4: poderia ser a gente nos Estados Unidos! Salvaríamos as nossas finanças! Seríamos novamente gigantes! Experimento um looping infinito, em que Renê tira a bola no segundo derradeiro, Vitão não se precipita na marcação em Marcelo, Enner endireita a cabeça e os pés nos arremates fáceis para a meta.

O tempo não retorna. O tempo é cruel. O que atenua a minha nostalgia do futuro é a saudade que os gremistas andam remoendo de Portaluppi na sua casamata. E o que me consola - mas não me cura - é a redenção do goleiro Fábio. Ele destruiu o conceito de aposentadoria. Ampliou a durabilidade esportiva numa posição que exige flexibilidade e reflexos. Com atuações soberbas, testemunhamos uma gloriosa vingança contra o preconceito.

Aos 44 anos, ele é o novo Manga. É o maior recordista de partidas sem levar gol da história do futebol, com mais de 500 apresentações. Neste ano, vai superar o britânico Peter Shilton (1.387 jogos) como o atleta mais longevo que já existiu.

Não torço para o Fluminense - não consigo, mesmo sendo o único brasileiro na disputa. Perdoe-me. Mas torço por Fábio. O mais injustiçado arqueiro do nosso passado. Quem deveria ter sido chamado para pelo menos três Copas do Mundo pela seleção brasileira. Quem sequer foi convocado.

Esse pegador de pênaltis sempiterno. Esse monstro atemporal. Essa vontade de vencer concentrada numa muralha. 

CARPINEJAR

07 de Julho de 2025
CLÁUDIA LAITANO

Imortalidade

No fundo, no fundo, ninguém acredita na própria morte. Pelo menos no inconsciente, garante Freud, cada um de nós está convencido de que é imortal.

Anos atrás, quando minha mãe descobriu a doença que iria matá-la pouco tempo depois, notei que ela parecia mais indignada, espantada até, do que propriamente assustada com o prognóstico. Era como se pela primeira vez, aos 75 anos, tivesse se dado conta de que, sim, poderia acontecer com ela o que acontece com todo mundo. Foi uma lição. 

Ver minha mãe com tanta dificuldade para encarar a finitude me levou a querer agir de outra maneira quando chegasse a minha vez. Já vivi o suficiente para saber que não há racionalização que resista a determinadas contingências, mas, na medida em que estiver ao meu alcance, pretendo continuar concordando com Montaigne: "Qualquer que seja a duração da nossa vida, ela é completa".

Não por acaso, Eduardo Giannetti escolheu o ensaio - gênero inventado por Montaigne que consiste em uma conversa franca e inteligente com o leitor - para escrever seu memento mori para o século 21. O livro se chama Imortalidades (Companhia das Letras, R$ 90) e é composto por pequenos textos que refletem sobre a consciência da morte e seu contraponto: o desejo de continuar existindo.

Cada época tem uma maneira dominante de expressar seu anseio de perenidade, escreve Giannetti. Na Idade Média, o negócio era salvar a alma para a eternidade. No século 18, com o Iluminismo, alimentou-se a esperança de melhorar este mundo aqui mesmo, através da ciência. Para os românticos, mais tarde, a salvação era viver intensamente todas as paixões terrenas enquanto fosse possível. No século 21, surgem os bilionários dedicados a gastar até o penúltimo tostão para provar que morrer e ficar velho é coisa de pobre (a nova obsessão high tech é tema também do documentário O Homem que Quer Viver para Sempre, da Netflix).

Giannetti divide o livro em quatro partes. Na primeira, examina o sonho da extensão radical da vida biológica - da busca de Gilgamesh pela fonte da juventude ao transumanismo de Silicon Valley. A segunda parte é dedicada às esperanças de vida eterna oferecidas pelas religiões. As duas últimas contemplam os aspectos terrenos da posteridade: o que deixamos para o futuro, através dos genes e da memória que fica de nós, e como vivemos o presente, experimentando prazeres como o amor e o sexo, a fruição estética e o contato com a natureza.

Leia sem medo de ficar deprê. Imortalidades é um livro sobre morte que celebra a vida e as diferentes formas que cada um inventa para que o inevitável não seja necessariamente inominável. 

CLÁUDIA LAITANO


07 de Julho de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Respostas capitais

Zeina Latif - Sócia-diretora da Gibraltar Consulting Economia, ex-secretária do Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, bacharel, mestre e doutora em Economia pela Universidade de São Paulo (USP)

"É urgente recuperar a capacidade de investir do RS "

Um artigo publicado em 18 de junho pela economista Zeina Latif no jornal O Globo chamou a atenção de muitos gaúchos. Com o título "Ficou para trás", afirma que o RS "apresenta algumas deficiências superlativas em relação ao restante do Brasil e sua economia ficou para trás". Não é agradável de ler, mas precisa fazer pensar. Como contribuição, a coluna ouviu a economista para esclarecer os motivos do artigo e aprofundar o debate.

Por que escreveu o artigo?

Estou sempre olhando dados, inclusive regionais, por causa do meu trabalho, tanto por demandas de clientes quanto por interesse meu. Já escrevi sobre o Rio de Janeiro, que também tem saída muito forte de pessoas, comprometendo o crescimento do Estado. Lá, há uma razão comum ao RS, a fiscal, mas também tem a violência. Por causa da COP30, escrevi outro sobre o Pará, que cresce muito com atividade extrativa, sem melhora de indicadores sociais nem crescimento disseminado da região e é marcado por violência e grilagem.

Também quis apontar um risco futuro para o Brasil?

Sim, quando vou para o RS, até porque meu marido tem família aí, fico olhando para o que funciona, o que não funciona. E para pontuar, quando começaram as reformas estruturais, fiz questão de elogiar, sugeri que o exemplo do RS fosse seguido. Só para deixar claro que não tem motivação senão a curiosidade de economista.

Ter ficado para trás não quer dizer que o RS não possa voltar a avançar, certo?

Sim, e seria injusto dizer que não tem esforço do governo do Estado, principalmente na questão fiscal. No artigo, levanto duas possibilidades. Uma é a falta de capacidade de investimento do Estado diante de novos desafios. Não só o governo federal, também os entes subnacionais precisam reforçar orçamentos para demandas ambientais. Quando houve a triste enchente, o socorro precisou ser fora do orçamento. O Estado precisa ter grau de manobra para lidar com eventos mais frequentes.

A principal causa é a fiscal, com endividamento?

Sim, mas São Paulo também tem dívida elevada. O problema é que, quando o Tesouro analisa crédito, olhando não só a dívida, mas também liquidez, o RS tem a pior nota, que é D (de "default, ou calote). Essa situação foi uma construção, não foi da noite para o dia. Houve uma sequência de governos que não trataram bem as contas públicas. E combinada à questão demográfica, agrava o quadro. O Estado cresce menos, a arrecadação fica menor, a saída de pessoas também impacta arrecadação e crescimento. Vira uma bola de neve. Se não arruma as finanças públicas, vai colher, cedo ou tarde, as consequências. Esse debate chegou aos Estados Unidos, que hoje o mundo todo financia, mas já começa a querer diversificar investimentos (em outros países e moedas).

Outro motivo é a alta judicialização. Identifica a origem desse comportamento?

Pesquisei bastante sobre a origem da maior insegurança jurídica e a elevada judicialização no RS, mas não consegui identificar. Discutem-se questões históricas, mas não há associação direta. Seria saudável entender esses processos para que se faça o diálogo com o Judiciário, com o Estado de uma forma ampla, que muitas vezes acaba sendo litigante.

Você aponta maior proporção do Judiciário em relação à população, tem justificativa?

Uma coisa é decorrência da outra. A sociedade demanda, e as instituições reagem. Tem um economista candidato ao Nobel, Ed Glaeser, que diz que se aprende que não tem almoço grátis, mas aponta a segurança jurídica como almoço grátis. Ter regras fortes reduz a incerteza legal, protege negócios, reduz complexidade regulatória, até contém corrupção. Garantir segurança jurídica é transformador, diz Glaeser.

O "descolamento" que você vê em relação a SC e PR tem outros componentes?

O envelhecimento é fruto de fluxos migratórios, os jovens vão embora. Por que não empreendem no RS? E tem outro fator. Passei alguns meses como secretária de Desenvolvimento de São Paulo, que perdeu muito para SC por incentivos fiscais. Parte desse crescimento ocorreu por incentivo fiscal, que não é a melhor forma. Mas, no RS, se vê um círculo vicioso de um Estado que não consegue atrair jovens empreendedores e isso acaba realimentando outros problemas.

O que os gaúchos precisam fazer para superar esse atraso?

Tenho muita confiança na capacidade de debate público. Isso que estamos fazendo: discutindo. É preciso ter diagnóstico, as universidades podem se aprofundar nesses temas, trazer o Judiciário. O RS é um Estado com capital humano muito alto. É uma sociedade com alto grau de coesão, tem matéria-prima para isso. Tem gente que vai discordar, dizer que não é nada disso. Certo, vamos olhar os números, aprofundar as pesquisas. Precisa ter diagnóstico até para reduzir o efeito prejudicial de polarizações que dificultam esse debate. Vejo plena capacidade de superar.

Qual é o grau de urgência desse problema, há necessidade de medidas de curto prazo?

Olhando o quanto o Estado descolou dos vizinhos, é bem urgente. É urgente recuperar a capacidade de investir do RS. Precisa ter medidas concretas de curto prazo. Por exemplo, nos próximos quatro anos fazer revisões de marcos, em diálogo com o Judiciário. É preciso ver o que acontece no resto do país, entender a experiência de outros Estados, consolidar jurisprudências, porque isso é um problema. É preciso ter um plano de voo, mas já com ações de curto prazo, para estancar esse movimento.

O Brasil também passa por um impasse fiscal. Qual é seu diagnóstico?

Veja, há falhas de todos os lados. Não tem mocinho ou bandido. Claro que a liderança de uma agenda de ajuste fiscal tem de ser do Executivo, que, na minha visão, partiu de diagnósticos equivocados da questão fiscal, na linha de que, se a gente recuperar a arrecadação, está resolvido. Não é assim, porque os gastos crescem automaticamente. Por mais que o país tenha muitas distorções tributárias, a sociedade reage, os grupos reagem. Houve iniciativas do governo que, na minha opinião, foram na direção correta de proporcionar isonomia em investimentos. Mas faltou a contrapartida de contenção de despesas. A credibilidade é muito importante, e o governo errou. Mas é claro que o Congresso é sócio, seja por emenda parlamentar ou barganha política. Agora, não tem como também fugir das suas responsabilidades. _

GPS DA ECONOMIA