segunda-feira, 22 de junho de 2020



22 DE JUNHO DE 2020
+ ECONOMIA

Crise agrava perda de produtividade no país

Ferida aberta antes do coronavírus, a baixa produtividade da economia brasileira tende a piorar com a crise. Recuperar perdas desse indicador será um dos tantos desafios do país no pós-pandemia, algo que ainda parece distante. Neste momento, a situação espalha preocupação entre analistas, pois ganhos de produtividade são essenciais para desempenho mais consistente dos negócios.

Estudo recente do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) dimensiona parte das dificuldades. No primeiro trimestre, a produtividade do trabalho caiu 1% no país, em relação a igual período de 2019. Ou seja, o Brasil amargou baixa na capacidade de produzir bens e serviços em um mesmo intervalo.

A redução foi a quinta consecutiva - sinal de que o início da pandemia serviu para afetar números que já vinham no vermelho. Para calcular a produtividade do trabalho, o estudo divide o valor adicionado por setores ao Produto Interno Bruto (PIB) pelas horas trabalhadas.

Pesquisadora do FGV Ibre, Silvia Matos ressalta que a baixa foi puxada pelo segmento de serviços, o principal da economia brasileira. Esse ramo não conseguiu afastar toda a herança indigesta da recessão de 2015 e 2016. Agora, embarca em uma crise de escala global.

- O setor de serviços é o que mais emprega no Brasil, mas não mostrou recuperação nos últimos anos - frisa Silvia. A economista menciona que, em meio à pandemia, não há como avançar em produtividade. Mas isso não quer dizer que o país deve descuidar do assunto:

- Não dará para acelerar o crescimento da economia nos próximos anos se o Brasil não tiver ganhos de produtividade.

Para a pesquisadora, a melhora do quadro passa, em parte, por ações em áreas como as de educação e infraestrutura. Ela reconhece, entretanto, que esses avanços não vêm do dia para a noite. Conforme Silvia, após a pandemia, aumentará a importância de reformas como a tributária.

- O regime de impostos é disfuncional. Dificulta o crescimento de empresas. Sem mudar o ambiente de negócios, não bastará apenas ter o juro baixo no país - diz.

"Crise destacou problemas sociais que já tínhamos"

Alto nível de informalidade no mercado de trabalho e gargalos na estrutura de atendimento médico são obstáculos para o Brasil combater a crise do coronavírus, diz a economista Gisele Braun, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Natural de Porto Alegre, Gisele especializou-se na área de economia da saúde. Formada pela UFRGS em 2007, viveu em Portugal, onde concluiu mestrado e doutorado. Em 2019, passou a morar na Guatemala em razão do trabalho no BID. Em meio à pandemia, ela permanece na capital gaúcha.

Como é o trabalho no BID?

A sede do banco é em Washington, mas está presente nos países na América Latina. Trabalho na Guatemala. Faço acompanhamento econômico do país. A pobreza lá é superior a 60%. O sistema de saúde é mínimo. Então, fazemos estudos mais específicos nessas áreas.

Como descreve o atual momento para a economia e a saúde no Brasil?

A única medida de contenção agora é o distanciamento, que teve efeito na atividade econômica. O Brasil tem parcela significativa (de trabalhadores) na informalidade, e o impacto tende a ser maior por isso. A crise destacou problemas sociais e econômicos que já tínhamos, mas íamos levando. Outra coisa que ficou visível é o quadro do sistema de saúde. Países com capacidade de resposta mais eficiente podem ter períodos de lockdown menores. O sistema de saúde já vinha com falhas na capacidade de resposta.

Por quê?

A média nacional é de cerca de 2,1 camas de hospital para cada grupo de mil habitantes. O Rio Grande do Sul tem mais. São 2,7, conforme dados de 2017, do IBGE. Quer dizer, o sistema de saúde é universal, mas a capacidade de resposta fica aquém das necessidades médias de uma população. Imagine em uma situação de pandemia. A crise fez a gente olhar para os problemas e repensar não só o novo normal de convivência pessoal. Estamos vendo entidades privadas se organizando para construção de hospitais. É uma questão de racionalidade econômica. É necessário ter uma população saudável para existir capital humano, produzir e, ao final da linha, gerar crescimento.

No Brasil, a desigualdade e a informalidade já preocupavam antes. Com a crise, o quadro tende a se agravar?

A desigualdade tende a aumentar em um cenário em que não existam políticas públicas para minimizar diferenças. Por exemplo, uma parte da população não tem acesso a meios eletrônicos e não consegue assistir a aulas na crise do coronavírus. Isso vai ter reflexos nas gerações futuras.

Como avalia as medidas adotadas pelo Brasil para amenizar os impactos da crise?

Têm sido muito semelhantes ao que foi feito em outros países em termos qualitativos, e não necessariamente em termos quantitativos. O país consegue se autofinanciar para expandir o gasto. Claro, daqui a cinco anos, nós, economistas, podemos olhar para trás e dizer que o país tenha se endividado muito. Mas, neste momento, só faz sentido pensar em sustentabilidade da dívida pública no longo prazo se o longo prazo existir.

LEONARDO VIECELI | INTERINO

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