quarta-feira, 21 de agosto de 2019



21 DE AGOSTO DE 2019
NÍLSON SOUZA

Abusos de autoridades

No momento em que o país debate apaixonadamente a questão do abuso de autoridade, relembro dois episódios da literatura mais elementar que deixam ensinamentos exemplares.

O primeiro asteroide visitado pelo Pequeno Príncipe - lembram-se? - era habitado por um rei que não admitia ser desobedecido. Por isso, dava apenas ordens razoáveis.

- Não bocejes na frente de um rei!

- Não posso evitá-lo - argumentou o sonolento visitante.

- Então eu te ordeno que bocejes!

O rei considerava-se uma autoridade, não um banana. Se o fosse, poderia ter feito como o norte-americano Jeff Kinney, que escreveu O Diário de um Banana e ficou rico com a série de livros e filmes que continuam encantando crianças e adolescentes do mundo todo. Mas voltemos ao monarca absolutista de Saint-Exupéry que já vai protagonizar outro momento emblemático para convencer o principezinho a ficar:

- Não partas, eu te faço ministro.

- Ministro de quê? - questionou o visitante.

- Da Justiça - ofereceu o poderoso.

Diante do argumento de que naquele planeta não havia ninguém para julgar, o rei teve então um lampejo de sabedoria e sugeriu que o príncipe julgasse a si mesmo:

- É bem mais difícil do que julgar os outros - acrescentou.

Ainda assim, o convidado não mostrou muito entusiasmo. Então, o soberano lembrou-se de um velho rato existente no seu reino e propôs:

- Tu poderás condená-lo à morte de vez em quando e, em seguida, perdoar, para economizá-lo, pois só temos um.

Como o príncipe não topou e resolveu ir mesmo embora, o rei apelou para a cereja do bolo das benesses que se julgava no direito de distribuir a quem bem entendesse:

- Eu te faço embaixador!

Está no livro, não inventei nada.

O poder, ah, o poder! Como embriaga! Como transforma! Na sua célebre fábula sobre egoísmo, autoritarismo e corrupção, George Orwell conta que os revolucionários também se tornam tiranos. Neste trecho, os porcos assumiram o comando da granja, elegeram o seu líder e buscaram justificativas para o arbítrio:

- Não penseis, camaradas, que a liderança seja um prazer. Pelo contrário, é uma enorme e pesada responsabilidade. Ninguém mais que o Camarada Napoleão crê firmemente que todos os bichos são iguais. Feliz seria ele se pudesse deixar-vos tomar decisões por vossa própria vontade; mas às vezes poderíeis tomar decisões erradas, camaradas; e então, onde iríamos parar? Valentia não basta. A lealdade e a obediência são mais importantes. Disciplina, camaradas, disciplina férrea! Esse é o lema para os dias que correm. Um passo em falso, e o inimigo estará sobre nós.

Até que um dia, como bem sabem os leitores da genial alegoria, os porcos começaram a andar sobre duas patas, infringindo as próprias regras. Por fim, aliaram-se aos humanos e passaram a agir exatamente como eles.

Cumpriram, assim, o vaticínio do mandamento adulterado. Tornaram-se mais iguais do que os outros animais.

É só literatura, gente!

NÍLSON SOUZA

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