sábado, 17 de agosto de 2019



17 DE AGOSTO DE 2019
MÁRIO CORSO

Hienas

Não sou de aceitar texto de encomenda. Mas, sensibilizado pelo pedido do Sindicato das Hienas (Sindiena) quanto à denúncia de mais um ataque preconceituoso à espécie, aceitei o trabalho.

Não bastasse o primeiro filme Rei Leão, o atual segue o mesmo desprezo à figura das hienas. Elas são retratadas como más, covardes, aparvalhadas e sádicas. O filme aproveita-se do caudal de desinformação, que até alguns programas sobre o mundo animal reproduzem.

Infelizmente lembramos da hiena como carniceira e oportunista. Aproveitadora dos restos dos verdadeiros caçadores, viveria do esforço alheio. A hiena poderia ganhar o Nobel da infâmia.

Deixemos os mitos e vamos aos fatos: as hienas são os melhores caçadores da África. A cena clássica, que já deves ter visto, delas esperando os leões, geralmente é ao contrário: os leões vindo almoçar o animal abatido pelas hienas e só depois elas recolhem as sobras do real aproveitador.

As hienas não são carniceiras, apelam se não houver outra coisa. E se fossem, estranho raciocínio de achar vil quem come cadáveres e nobre quem mata animais. De qualquer forma, são pensadas como abutres de solo, portanto ligadas à gramática da morte e do vilipêndio ao cadáver.

Ao contrário do que se acredita, elas não riem, se comunicam. Conseguem chamar ajuda a 10 quilômetros de distância. Como possuem uma bocarra, um tubarão terrestre, seus dentes à mostra nos remetem a uma sinistra forma de escárnio. Portanto ligadas ao deboche, ao riso demoníaco.

A forma da hiena tampouco ajuda, não há harmonia entre os membros. As patas traseiras são mais curtas e grossas, criando uma arquitetura incomum para um quadrúpede. Parece um ser mal projetado, criado ao redor de uma mandíbula de aço e um pescoço. Não nos decidimos se são um canídeo ou um felino. Embora mais aparentadas aos últimos, são uma família à parte.

Seria uma reação machista? Afinal, as hienas vivem em sociedades matriarcais. E mais, o dimorfismo sexual é reverso: as fêmeas, além de mandarem no pedaço, são maiores do que os machos. "Hieno" pia fino na sociedade hienal.

Mas o crucial para a mitologia negativa que assombra a espécie vem de longe. O Physiologus, manuscrito anônimo grego, pai dos bestiários medievais, dizia que elas eram impuras por possuírem duas naturezas. Elas carregam a pecha de serem hermafroditas, ou trocarem de sexo durante a vida. Nada disso, apenas as fêmeas possuem um pseudopênis aparente que confunde os leigos.

Nas fábulas, usamos dos animais para projetar nossos sentimentos e, como podemos constatar, também nossos preconceitos. No mundo animal, como na sociedade, odiamos seres que embaralham nossas preciosas classificações.

P.S. - O meu pagamento em vísceras de zebra está disponibilizado para instituição de caridade que se habilite.

MÁRIO CORSO

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