
"Estrangeiros apostam em dólar porque estão convencidos de que a direita vai ganhar"
Respostas capitais
Fabio Kanczuk
Diretor de macroeconomia do ASA, banco de Alberto Safra, foi diretor de Política Econômica do Banco Central e secretário da área na Fazenda
Fabio Kanczuk é autor de modelo para definição do juro neutro - nível que não inibe nem estimula a economia. Avalia que o padrão foi deixado de lado depois que ele saiu do BC e que hoje a instituição não considera a situação fiscal, o que resulta em sucessivos "erros de política monetária". E vê investidores ganhando dinheiro com aposta eleitoral no Brasil.
Vai ter corte no juro?
Nos EUA, deve ter mais um corte, depois que reduziram por precaução. Como os BCs adotam uma estratégia e não saem em seguida, é provável mais um em dezembro, depois pare. Não se vê risco de recessão. No Brasil, uma coisa é o que o BC deveria fazer e, outra, o que acho que vai fazer. A atividade está forte, com mercado de trabalho apertado e desemprego baixo, não vejo por que cortar juro. Mas vão cortar, talvez 0,5 ponto percentual em março. Estão dando sinais. Não o presidente, Gabriel Galípolo, mas os diretores, ao dizer que estão ?vencendo a batalha?. É verdade que a inflação está caindo, mas está bem longe da meta.
Inflação no limite de tolerância não é suficiente?
Sempre tomamos cuidado, no BC, com textos sobre inflação, porque não existe essa banda. A margem é só para escrever ou não a carta (de explicações do presidente do BC quando o resultado passa do limite máximo). A meta é 3% ao ano e pronto. Está sempre acima nos últimos anos, sinal de que o BC está errando.
Com o real atual, faz diferença Selic de 15% ou de 12%?
Faz, sim. O problema é a conta do juro neutro. O BC diz que seria 5% reais (descontada a inflação). Com inflação de 4%, dá cerca de 9% de juro nominal neutro. Parece que 12% basta. O meu juro neutro real é 8%. Com inflação, dá 12%. E precisamos de juro acima do neutro para controlar a inflação. Quando foi a 15%, ficou finalmente acima. Por isso a inflação começou a ceder.
Por que sua conta é de 8%?
Uso o modelo do BC que coloquei lá, em 2019 e 2020. Pararam de usar o modelo e passaram a usar a intuição. O mercado vê mais ou menos 6%. Mas se o juro real está acima de 5% nos últimos três anos, como não deu certo? Então, o neutro de 5% está errado.
O cálculo inclui o fiscal?
Sim, o juro neutro é 8% por culpa do fiscal. Quando pergunto por que a inflação não desacelera há tanto tempo, a resposta é ?porque tem o fiscal?. Aí respondo que, se deixar o fiscal fora do juro neutro, não serve para nada. É preciso incluir para ter a informação de qual é o juro necessário.
Vê sentido na conta do ministro da Fazenda de que os dois governos anteriores deixaram déficits de R$ 200 bilhões?
A conta não é correta. Em vários anos teve números bem melhores. É verdade que o último ano do Bolsonaro foi horrível. Se está se referindo a isso, é verdade. Mas foi no ano de eleição. Os anteriores foram melhores do que os de (Fernando) Haddad.
É um problema crônico?
Tem de resolver o déficit, pelo bem, cortar gastos ou até aumentar a arrecadação. Não sei como aumentaria, mas resolveria de forma organizada. Ou pelo mal, via inflação e dólar muito alto. Também resolve o problema da dívida, porque a inflação engole parte. Mas prejudica muito a população menos favorecida, que não pode se proteger da inflação.
Vai ao debate eleitoral?
Não entra, de novo. É muito custoso eleitoralmente. O lado do Tarcísio de Freitas sabe que vai ter de resolver. Conversando, ele fala. Mas não vai levar ao debate eleitoral. É complicado dizer ?vão cortar seu salário?. O lado do Lula, não tenho certeza se sabe que precisa resolver, por isso desconfio que, se Lula ganhar, tem chance alta de solução via inflação.
Qual é a saída organizada?
Todo mundo sabe: mexer na regra de salário mínimo (aumento acima da inflação), reformar de novo a previdência, cortar salários de servidores, reduzir as distorções chamadas de gasto tributário, atividades que deveriam ter imposto e não têm, como a Zona Franca de Manaus e crédito subsidiado de BNDES, Sudene, Sudam. Cheguei ao Ministério da Fazenda achando que ia dar ideias. Está tudo pronto lá. O problema é político.
É uma situação sem saída?
Como não entra no debate eleitoral, fica difícil. O Milei, na Argentina, avisou. Quando é eleito, consegue fazer. Aqui, ninguém vai falar, então será difícil fazer algo para qualquer governante.
O dólar sobe em dezembro?
Tem o fluxo de fim de ano, mas o BC tem isso mapeado. O que causa perigo é a eleição, se o governo gastar muito. Mas quando falo com investidores estrangeiros, dizem ?quero ficar posicionado no Brasil na eleição porque acho que a direita vai ganhar?. Estão convencidos de que a direita vai ganhar, vai conquistar a América Latina. Então, atuam para não deixar o dólar subir muito. Vendem a descoberto no mercado futuro. Se o real ficar parado nos R$ 5,30, 5,40, ganha mais de 10% acima do CDI só com o diferencial de juro.
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