
30/11/2025 - 12h00min
Marta Sfredo
Estrangeiros compram dólar porque
estão convencidos de que a direita vai ganhar", diz ex-diretor do BC
Fabio Kanczuk diz que a situação
fiscal do Brasil tem peso no juro. Mesmo com toda a discussão no governo Lula,
saídas não serão debatidas na eleição porque é "custoso" dizer que
salários serão cortados
Atual diretor de macroeconomia do
ASA, Fabio Kanczuk foi secretário de política econômica do Ministério da
Fazenda na gestão de Henrique Meirelles e diretor de política econômica do
Banco Central (BC) na de Roberto Campos Neto. No BC, foi autor de um modelo
para definição do famoso "juro neutro" – nível que não inibe nem
estimula a economia – que, na sua avaliação, foi deixado de lado depois que
saiu da instituição. O ASA é a instituição financeira de Alberto Safra,
integrante da família que atua em finanças desde 1840, com origem em Aleppo, na
Síria.
Nos EUA, deve ter mais um corte,
depois que reduziram por precaução, medo de que a economia entrasse em
recessão. Como os BCS adotam uma estratégia e não saem em seguida, é provável
que ocorra mais um em dezembro e pare. A economia está superforte lá, não se vê
risco de recessão.
E no Brasil?
Aqui, uma coisa é o que acho que
o BC deveria fazer e outra é o que acho que vai fazer. A atividade está forte,
com mercado de trabalho apertado e desemprego baixo. A única clareza é que a
eleição se aproxima, então os gastos públicos vão vir com tudo. É um governo
que está todo direcionado para reeleição. Fica difícil a economia desacelerar,
e o risco para a inflação fica alto. Nesse cenário, não vejo por que cortar
juro. Mas minha leitura é de que vão cortar, talvez em janeiro, talvez 0,5
ponto percentual em março. Estão dando sinais. Não o presidente, Gabriel
Galípolo, mas os diretores, ao dizer que estão 'vencendo a batalha'. É verdade
que a inflação está caindo, mas está bem longe da meta. Um sinal, em dezembro,
seria tirar o "bastante" no "bastante prolongado" (do
comunicado do BC). Em janeiro, tira o "prolongado". E corta em março,
para terminar o ano com juro abaixo de 12%.
A meta é 3% ao ano e pronto. Está
sempre acima nos últimos anos, sinal de que o BC está errando.
A inflação parece entrar no
limite de tolerância, não é suficiente?
Sempre tomamos cuidado, no BC,
com textos sobre inflação, porque não existe essa banda. A margem é só para
escrever ou não a carta (de explicações do presidente do BC quando o resultado
passa do limite máximo). A meta é 3% ao ano e pronto. Está sempre acima nos
últimos anos, sinal de que o BC está errando. E o corte que projeto é mais um
erro de política monetária.
Com o juro real atual, faz
diferença Selic de 15% ou de 12%?
Faz, sim. O problema é a conta do
juro neutro. O BC diz que seria 5% reais (descontada a inflação). Então, se a
inflação está em 4%, dá cerca de 9% de juro nominal neutro. Parece que 12%
basta. Mas o meu juro neutro real é de 8%. Se somar à inflação de 4%, dá 12%. E
precisamos de juro acima do neutro para controlar a inflação. Quando foi a 15%,
ficou finalmente acima. Por isso a
inflação começou a ceder.
Por que sua conta é de 8%?
Uso é o modelo do BC que coloquei
lá, em 2019 e 2020. O atual está dando margem para o BC escolher o que quer de
juro neutro. Pararam de usar o modelo e passaram a usar a intuição. Não é que esteja certo e eles
errados. Cada um tem sua metodologia. A minha vem de modelagem. A deles, mais
de intuição de falar 8% é muito, vamos colocar 5%. O mercado vê mais ou menos
6%. Mas se o juro real está acima de 5% nos últimos três anos, como não deu
certo? Então, o neutro de 5% está errado.
O juro neutro é de 8% por culpa
do fiscal. Quando pergunto por que a inflação não desacelera, a resposta é
'porque tem o fiscal'. Se deixar o fiscal fora do juro neutro, não serve para
nada.
Seu cálculo embute a questão
fiscal?
Sim, o juro neutro é de 8% por
culpa do fiscal. Quando pergunto por que a inflação não desacelera há tanto
tempo, a resposta é 'porque tem o fiscal'. Aí respondo que, se deixar o fiscal
fora do juro neutro, não serve para nada. É preciso incluir para ter a
informação de qual é o juro necessário.
O ministro da Fazenda disse que
os dois governos anteriores, no final, deixaram déficits que, atualizados,
seriam ao redor de R$ 200 bilhões. Essa conta faz sentido?
A conta não é correta, é só olhar
os dados, não é isso. No governo Bolsonaro, em vários anos teve números bem
melhores do que o que ele vai deixar agora. É verdade que o último ano do Bolsonaro foi horrível. Se ele
está se referindo a isso, é verdade. Mas foi aquele ano de eleição. Os
anteriores foram melhores do que os anos que Haddad está entregando.
Não tem jeito. Tem de resolver o
déficit, pelo bem ou pelo mal. Essa é a dúvida para o próximo governo, se vai
resolver pelo bem ou pelo mal. Isso significa um problema crônico a ser
resolvido?
Não tem jeito. Tem de resolver o
déficit, pelo bem ou pelo mal. Essa é a dúvida para o próximo governo, se vai
resolver pelo bem ou pelo mal. Pelo bem é cortar gastos ou até, se quiser,
aumenta a arrecadação. Não sei como
aumentaria, mas resolveria de forma organizada. A desorganizada é via
inflação e dólar muito mais alto. Isso também resolve o problema da dívida,
porque a inflação engole parte. Mas prejudica muito a parte menos favorecida da
população, que não pode se proteger da inflação.
Com tanto debate sobre a questão
fiscal, há expectativa de que entre no debate eleitoral. Considera possível?
Não, não vai entrar no debate de
novo. É muito custoso eleitoralmente. Acho que ao menos o lado do Tarcísio sabe
que vai ter de resolver a questão fiscal. Conversando, ele fala. Mas não vai
levar ao debate eleitoral. É muito complicado dizer 'vão cortar seu salário'. O
lado do Lula, não tenho certeza se sabe que precisa resolver a questão fiscal.
Por isso desconfio que se Lula ganhar, tem chance alta da solução ser via
inflação.
Como seria uma saída organizada?
No Brasil, todo mundo sabe, passa
por mexer na regra de salário mínimo (aumento acima da inflação), reformar de
novo a previdência, cortar salários de servidores públicos. Outra medida muito
boa para a economia seria reduzir as distorções chamadas de gasto tributário,
atividades que deveriam ter imposto e não têm, como a Zona Franca de Manaus,
muito ineficiente, e crédito subsidiado de BNDES, Sudene, Sudam. Há vários
estudos acadêmicos mostrando que isso piora a economia. Agora, quero ver
aprovar no Congresso. Lembro de que cheguei ao Ministério da Fazenda achando
que ia dar ideias. Está tudo pronto lá. O problema é político.
É uma situação sem saída?
Como o assunto não entra na
eleição, fica difícil. O (Javier) Milei, na Argentina, avisou 'vou fechar
ministérios, vou acabar com tudo'. Daí, quando é eleito, ele consegue fazer.
Aqui, ninguém vai falar. E daí, na hora, vai ser difícil fazer alguma coisa,
qualquer que seja o governante.
É bom negócio vender dólar,
porque não precisa ter no bolso. Vende a descoberto no mercado futuro.
Teme alta do dólar no final de
ano?
Não, estou calmo também com o
dólar até a eleição. Tem o fluxo de fim de ano, mas o BC tem isso mapeado.
Quando ocorrem esses fluxos imensos sem relação com fundamentos econômicos, o
mercado compra, você vende. O que causa perigo é a eleição, se o governo gastar
muito. Mas quando falo com investidores estrangeiros, dizem 'quero ficar
posicionado no Brasil para eleição porque acho que a direita vai ganhar'. Os
estrangeiros estão convencidos de que a direita vai ganhar, de que vai
conquistar a América Latina. Então, atuam para não deixar o dólar subir muito.
É bom negócio vender dólar, porque não precisa ter no bolso. Vende a descoberto
no mercado futuro. Se o real ficar parado nos R$ 5,30, 5,40, ganha mais de 10% acima do CDI só com o
diferencial de juro.
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