
Pluribus
Imagine passar o resto da vida cercado por pessoas insuportavelmente felizes, sorridentes e com respostas prontas para todas as perguntas. Esse apocalipse da positividade tóxica é o ponto de partida de Pluribus (Apple TV, cinco episódios), nova série de Vince Gilligan - criador de Breaking Bad e Better Call Saul - que, como os gringos dizem por aqui, "dá comida para o pensamento".
No primeiro episódio, ficamos sabendo que a paz universal contaminou a Terra como uma pandemia de origem extraterrestre. Não há mais guerras, e o estado de felicidade permanente é o novo normal. O conhecimento é compartilhado por todos - ricos e pobres, crianças e adultos - e qualquer um é capaz de pilotar aviões, operar cérebros e falar mandarim. (O título da série foi extraído do lema E pluribus unum, gravado na moeda norte-americana, que significa "de muitos, um".)
O problema é que nem todos sentem-se confortáveis nessa Disney de zumbis camaradas onde não existe invenção ou vontade própria. Uma dúzia de pessoas em todo o planeta, entre elas a escritora Carol Sturka (Rhea Seehorn), ficou imune à catástrofe benfazeja. Por mais que a maioria alto-astral se esforce para atender suas vontades, a personagem principal continua determinada a descobrir como reverter o processo, trazendo de volta não apenas a desconfiança e o pessimismo, sem os quais nossa espécie provavelmente não teria chegado até aqui, mas a imperfeição que nos caracteriza. O paradoxal objetivo da protagonista passa a ser salvar a humanidade da felicidade que desabou sobre nós.
Pluribus não é uma daquelas séries quadradinhas, previsíveis, que dá para acompanhar enquanto se rola uma segunda tela pensando em outra coisa - tendência que parece ter se espalhado pelas plataformas de streaming nos últimos tempos. Um dos subtextos mais evidentes é o do impacto da inteligência artificial e do algoritmo sobre a nossa subjetividade. Alguns personagens, quando conversam, soam exatamente como o ChatGPT: bem-intencionados, sem personalidade e muitas vezes inclinados a inventar o que eles acreditam que o interlocutor gostaria de ouvir.
Mas a série talvez vá um pouco além, ultrapassando a questão imediata da tecnologia para cutucar um dos dilemas mais antigos da humanidade: a escolha entre liberdade e segurança (ou satisfação garantida). E se o preço da realização imediata de todas as nossas necessidades for o embotamento da vontade? Entre ser feliz o tempo todo e livre para errar e acertar o que você escolheria? _
ZERO HORA
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