sexta-feira, 9 de junho de 2023


09 DE JUNHO DE 2023
OPINIÃO DA RBS

BRECHA PARA A IMPUNIDADE

Ao concluir que a competência para o julgamento de crimes comuns associados a infrações eleitorais é da Justiça Eleitoral, como efetivamente determina a Constituição, o Supremo Tribunal Federal corrige erros de aplicação da lei penal cometidos pela Justiça Federal do Paraná, mas também abre uma gigantesca brecha para a impunidade de políticos, agentes públicos, empresários e executivos condenados no âmbito da Operação Lava-Jato. 

No rastro desse entendimento, que torna sem efeito penas impostas a políticos e autoridades que ocuparam e ocupam cargos importantes na administração pública do país, os processos estão sendo encaminhados para uma Corte sem estrutura suficiente para dar agilidade aos julgamentos - o que fatalmente remete para a demora na instauração de novas instruções criminais, para eventuais prescrições e para o descrédito do sistema judicial.

Depois de sucessivas divergências entre os próprios ministros da Corte Suprema, o conflito de competência foi finalmente resolvido, gerando esteira jurisprudencial para os demais tribunais. Porém, também proporcionou uma nova oportunidade para as defesas dos acusados, que passaram a admitir o envolvimento de seus representados em caixa 2 e outros delitos congêneres como forma de remeter os processos à Justiça Eleitoral - tornando nulas as condenações anteriores. Em consequência, não passa dia sem que personagens ilustres do maior escândalo de corrupção do país, alguns deles criminosos confessos, saiam pela porta da frente de suas celas como se tivessem sido absolvidos.

Evidentemente, não cabe culpar o Supremo Tribunal Federal pelo descalabro. Ainda que cometa erros e possa ser alvo de críticas, como é aceitável e até desejável numa democracia, o STF adotou critérios técnicos e jurídicos para resolver o impasse de competência. É sabido que a origem do problema está no desrespeito aos dispositivos constitucionais pelas autoridades da primeira instância, que não tinham competência para acusar e julgar alguns ou até mesmo a maioria dos acusados. A formalidade legal, portanto, deve ser preservada para que prevaleçam os princípios do bom direito.

Mas soa como deboche para os cidadãos desejosos de justiça que apenas os autores do alegado arbítrio sejam responsabilizados quando não resta dúvida de que os crimes julgados por eles foram efetivamente cometidos. Depois das delações premiadas, da devolução de recursos públicos desviados e das incontáveis provas apresentadas no decorrer dos processos, não há como ignorar que o país foi saqueado por indivíduos e organizações criminosas incrustados na cúpula do poder. Ainda que tenha sido mal conduzida do ponto de vista estritamente formal, a Operação Lava-Jato existiu e prestou um relevante serviço aos brasileiros ao revelar os mecanismos da corrupção endêmica que assola o país há várias gerações.

Para que seus desvios sejam efetivamente corrigidos sem escancarar a brecha aberta à impunidade, é impositivo que a Justiça Eleitoral receba os recursos necessários para retomar imediatamente os processos e dar celeridade aos julgamentos.

Nenhum comentário: