sábado, 1 de dezembro de 2018


01 DE DEZEMBRO DE 2018
MÁRIO CORSO


A bênção de São Francisco

No dia de São Fran-cisco, costuma-se levar os animais à igreja para ganhar a bênção. Berenice não pensava em outra coisa. A turma toda preparava-se para a função. Finalmente seu jabuti Osvaldo, orgulho dela e da família, seria conhecido na escola e, de inhapa, teria um olhar benigno do santo dos animais. Esses quelônios vivem bastante. Com água benta, mais ainda.

Um dia antes, a expectativa se esvaziou. Dona Gertrudes, vó de Berenice, vetou a excursão espiritual do animalzinho. Argumentou que a neta de seis anos não tinha idade para se responsabilizar por ele. Uma queda, e vai-se o casco do coitado, dizia.

Berenice murchou de dar dó. Além do mais, pensava, seria um desperdício de bênção. Vocês sabem, essa proteção é economia em veterinário. Impossível perder a barbada de trazer para casa algo tão bom. Nós estamos falando de São Francisco, santo de primeira grandeza.

No cérebro da menina, criou-se um plano B. Nas suas incursões ao sótão, já descobrira e brincara com uns habitantes clandestinos. Pegou uma caixa, agarrou o seu, nem tão de estimação assim, amigo e meteu-o dentro. Temendo novas intervenções superiores agiu discretamente, escondendo o parceiro e as intenções. Achou melhor mostrar apenas para o padre na hora da bênção.

Perfilou-se ao lado de meninas e meninos com canários apavorados dentro de gaiolas, de gatos inquietos nos colos, cãezinhos nervosos latindo, porquinhos- da-índia não entendendo absolutamente nada do alarido. Na sua vez, retirou um morcego da caixa. O padre tomou um susto. Mas fazer o quê? O que São Francisco faria? O próprio santo deve ter iluminado o sacerdote e, pela primeira vez na história da cristandade, um filhote de morcego foi abençoado.

As crianças não acharam tão estranho assim. Berenice ganhou pontos junto aos meninos, entusiastas da ideia de tocar em um morcego, que em seu sono diurno mal reagia. Quem não gostou foram a professora e a diretora. Mas não gostaram mesmo.

Inquiriram a menina, de forma nada suave, para saber como isso acontecera. De onde lhe ocorreu trazer justo esse animalzinho. Berenice achou que os passos do enredo, a interdição do jabuti, eram muito complexos. E também não gostava de ser considerada incapaz de cuidar do Osvaldo. Atalhou dizendo que trouxe o morcego por causa da avó. O que não é uma mentira.

No outro dia, a confusa avó estava na escola, dando explicações sobre o caso e levando um xixi por deixar uma menina ter acesso a bichos que transmitem doenças e coisa e tal.

O grande prejudicado, o jabuti Osvaldo, mesmo sem a graça de São Francisco, gozou sempre de boa saúde. Vai que a bênção é contagiosa...

MÁRIO CORSO

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