08 DE DEZEMBRO DE 2018
CLÁUDIA LAITANO
O VALOR DAS EVIDÊNCIAS
O astrofísico Neil deGrasse Tyson faz parte do minúsculo time de celebridades globais que deve sua fama não à arte, aos esportes ou à política, mas à ciência. Sempre tive respeito e admiração por cientistas como ele, que dedicam parte do seu tempo a nós, leigos em quase todos os mecanismos que mantêm o planeta em órbita.
Em uma época em que tanta gente parece acreditar que questões como o aquecimento global, a eficácia das vacinas ou mesmo o fato de a Terra ser redonda são passíveis de debates baseados em palpites ou teorias conspiratórias, os bons divulgadores científicos tornaram-se ainda mais fundamentais. Para esses cientistas, já não basta estudar, buscar evidências, formular hipóteses, testar. É preciso parar para explicar aos desconfiados, de boa ou má-fé, por que alguns tópicos deveriam permanecer protegidos da opinião desinformada - principalmente quando esta é colocada a serviço de quem tem poder demais e sabedoria de menos.
Na última semana, Tyson entrou para um time um pouco maior de celebridades: a das que tiveram sua reputação abalada por acusações de assédio sexual. Quatro mulheres (até o fechamento desta edição) vieram a público para denunciar situações em que se sentiram de alguma forma constrangidas pelos avanços do cientista famoso. Sua versão dos fatos foi apresentada em sua página oficial no Facebook, com a seguinte introdução: "Em qualquer tipo de alegação, evidências são importantes. Evidências sempre são importantes. Mas o que acontece quando temos a palavra de uma pessoa contra a de outra, e as histórias não batem? Nesse momento, as pessoas tendem a emitir julgamentos baseados em quem tem mais credibilidade. Para essas situações, uma investigação imparcial é o que melhor pode servir à verdade".
Não disponho das evidências e nem mesmo sei se uma investigação é capaz de ser conclusiva em um assunto que envolve tanta subjetividade, mas confesso que não consigo associar a imagem do cientista que eu admiro com a do homem predador. Ainda assim, reconheço que o simples impulso de acreditar ou não em uma determinada versão, com base em duas ou três reportagens sobre o assunto, ilustra o ambiente de julgamentos superficiais em que estamos imersos.
O certo é que os desdobramentos de iniciativas como o Me Too, que rompeu com o pacto de silêncio que favorecia que abusos sexuais permanecessem impunes, têm se tornado motivo de angústia generalizada. Para os homens, porque o terreno da sedução tornou-se confuso e, em alguns casos, intimidante. Em muitos ambientes profissionais, funcionários estão sendo treinados para não ficar sozinhos com colegas, para não olhar muito tempo nos olhos de ninguém, para evitar o toque.
Para as mulheres, resta a ambiguidade de reconhecer a importância da desnaturalização dos abusos sem deixar de rejeitar julgamentos sumários e linchamentos virtuais. Sim, queremos que casos como o de Harvey Weinstein, que se aproveitou do poder e do dinheiro para constranger mulheres calçado na certeza da impunidade, sejam punidos e usados como exemplo de como não se deve agir, mas não que um cantada desajeitada e um estupro sejam tratados como ofensas da mesma ordem.
Talvez este seja um momento de transição, uma fase em que novas cartas foram colocadas na mesa, e elas têm diferentes valores para diferentes jogadores, mas o certo é que ninguém quer viver, para sempre, num mundo em que as pessoas desconfiam umas das outras, com um novo tipo de moralismo afetando tudo o que envolve sexo e relacionamentos.
Fato: se existem pessoas capazes de jurar que o aquecimento global é uma invenção dos cientistas, qualquer um pode ser levado a acreditar em qualquer coisa. Com ou sem evidências.
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