terça-feira, 18 de dezembro de 2018


18 DE DEZEMBRO DE 2018
ARTIGO

O pente no bolso


No início da vida escolar, além do material escolar e da mochila, eu recebi um pente de meu pai. Fino, marrom, pequeno, com seus 20 dentes sorrindo.

- Põe no bolso. Para controlar a bagunça dos cabelos.

Bagunça poderia ser traduzida por redemoinho, ninhos que incomodavam os estudantes que tomavam banho de noite e que acordavam com pássaros empalhados na cabeça.

Para quem ainda não tinha barba, o objeto disparou o meu cronômetro de ser homem dentro do menino.

Antes do pincel e da lâmina, foi o meu primeiro presente masculino para cuidar da aparência.

Prevenia-me para sentar direitinho e não quebrar o pente. Comecei a criar estratégias na cadeira, resvalando o quadril para o fundo da tábua.

Eu me via poderoso com o meu artefato de beleza. Inspirado em meu pai, que mantinha o corte homogêneo, dividindo os fios, simetricamente, para o lado esquerdo. A única diferença é que eu andava de uniforme e ele, de terno.

No recreio, esperava que todos saíssem para aprumar o topete. Era diferente dos meus colegas que não sofriam com a timidez e sempre ajeitavam a franja com o pátio cheio.

Havia uma disciplina em nossa vaidade. Talvez mais disciplina do que vaidade. Representava falta de educação aparecer desalinhado publicamente. Indicava que não contávamos com uma boa criação dos pais. Eles é que sofriam críticas com o desleixo dos filhos. A má fama terminava debitada pelos professores na conta materna e paterna (tanto que ocorria frequente fiscalização na classe das unhas cortadas e das orelhas limpas).

Lembrei, com nostalgia, desse tesouro da juventude porque descobri que não há um único pente em casa. Meu filho não usa, os homens deixaram de usar, abandonaram o seu companheiro de bolso. As mãos tornaram-se as substitutas naturais da pressa.

O hábito morreu devido à mudança de mentalidade. Nos anos 70, existia forte influência da militarização da política e também rigor no jeito de vestir.

O que resta são as escovas das mulheres. Elas são rainhas exclusivas nos banheiros e nas bolsas, sem a nossa concorrência.

carpinejar@terra.com.br

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