terça-feira, 23 de outubro de 2018



23 DE OUTUBRO DE 2018
DAVID COIMBRA

O lobo do homem

Fui buscar meu filho na escola, ontem à tarde, pensando no caso daquela menina de nove anos de idade que foi raptada na zona norte de Porto Alegre e assassinada. O dia estava frio, e mais frio sentia enquanto caminhava e imaginava o sofrimento da família daquela inocente. Como é que um ser humano é capaz de fazer uma coisa dessas?

Meu filho tem 11 anos, ele até poderia ir e vir sozinho da escola, mas é por temer tais violências do mundo que faço questão de buscá-lo e levá-lo todos os dias. Aqui é um lugar muito calmo, praticamente não ocorrem crimes, sei que é seguro, mas prefiro acompanhá-lo. Porque daqui a pouco ele será um adolescente e não quererá mais a minha escolta e também porque nossas conversas são divertidas no caminho.

Então, cheguei ao pátio da escola e fiquei esperando no lugar de sempre. Só que ele não aparecia. Demorava mais do que o costume. O caso da menininha de Porto Alegre começou a ribombar na minha cabeça e a angústia meteu-me uma faca no peito. Claro que sabia que ele estava bem, eles são muito cuidadosos nessa escola. Semana passada, meu filho se atrasou cinco minutos para guardar a mochila no armário e eles me ligaram. Ligaram por causa de cinco minutos, imagina se ele não estivesse lá, ou coisa parecida.

Só que o prédio ia se esvaziando e nada de ele aparecer. Calculei o sentimento de terror da família da menina quando testemunhas contaram que a viram entrando em um carro dirigido por um homem, na noite de domingo. Meu Deus! Isso não é maldade, isso é monstruosidade. Não há trauma ou interesse ou loucura que possa explicar um ato desses. O que se deve fazer com esse monstro? Meu Deus, meu Deus?

E o meu filho não aparecia. Será que devia ir à secretaria da escola? Mas ainda havia retardatários saindo do prédio, ele provavelmente surgiria em alguns segundos. Aflito, caminhei até a parede de vidro, pus a mão em aba na testa e forcei os olhos para ver quem descia pelas escadarias. Um menino caminhava parecido com ele, mas não era ele. Agora não havia mais ninguém nas escadas. Ninguém. Uma bola de medo formou-se no meu estômago, subiu-me pelo peito e trancou-me a garganta. Andei em direção à porta de entrada, ia falar com o diretor, ia fazer alguma coisa, quando ouvi um grito atrás de mim:

- Buuuuuu! Era ele, sorrindo.

- Dei a volta pela porta de trás pra te assustar! - falou.

- Meu Deus? - suspirei. - Assustei? - Muito!

Seguimos lado a lado. Coloquei a mão no ombro dele. E pensei outra vez na família daquela menininha. Multipliquei aqueles meus breves momentos de padecimento por mil, por 1 milhão, por 1 bilhão, e já queria chorar, já queria morrer. Meu filho contava animado sobre o jogo de futebol do recreio, mas eu só pensava na menininha de Porto Alegre e em sua família. Queria poder dizer algo para consolar aquela gente, mas não posso, ninguém pode. Queria poder evitar que isso se repetisse, mas sei que é impossível. O homem é o lobo do homem, disse Hobbes. Pobres lobos, comparados com esses tristes homens.

DAVID COIMBRA

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