06 DE OUTUBRO DE 2018
CARPINEJAR
Piscadelas
Sempre fui ingênuo na sedução.
Seduzir nunca era atacar uma mulher na rua com palavras chulas, ou assoviando como um torcedor do desejo, ou segurando os braços enquanto cochichava no ouvido. Ninguém tem a obrigação de gostar de mim. Gostar significa suavidade, a carícia livre do vento no rosto.
A intimidade é tímida e se dá lentamente. A violência que é apressada e quer atalhar com os seus desmandos.
Ser homem é esperar, apenas será homem aquele que deixa a mulher também lhe recusar.
Meu avô, quando tinha 10 anos, é que me disse o que deveria fazer no momento em que me apaixonasse por uma menina:
- Pisca! Não precisava falar nada, o flerte consistia em piscar o olho esquerdo.
- Só isso, vô? - Só. O amor é um cisco nos olhos.
Passei a minha infância piscando. Um semáforo entre o vermelho e o verde sentado na segunda fileira. A professora recomendou, ostensivamente, óculos para os meus pais. As colegas da escola deveriam achar que eu tinha um tique nervoso, ou que vivia com conjuntivite. Nem me davam bola.
Depois de ser a única boca virgem da turma, fui reclamar ao meu avô de sua estratégia infundada.
- Você tem que piscar mesmo, é um gesto cavalheiro, a mulher que amá-lo vai entender e virá confirmar a sua jura.
Eu comecei a me compadecer de meu avô. Coitada da vó que se envolveu com um pirilampo.
Aos 40 anos, lembrei dessa história adormecida em mim, naquele instante mágico que, de modo involuntário, como um hábito que emergiu de sua extinção, eu pisquei para uma mulher que acabara de conhecer.
Em vez de cercear com a minha lábia, emudeci diante dela e de sua beleza imponente. E pisquei muito. Não parava de piscar. Sofria uma vergonha absurda. Havia outros presentes na recepção do centro cultural onde faria a palestra.
Beatriz se aproximou de mim e tirou a limpo o que viu: - Você está piscando para mim ou foi impressão?
É com ela que casei no altar. Meu vô já tinha morrido, o que não me impediu de ouvir a sua estrondosa gargalhada dentro de mim.
CARPINEJAR
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