sexta-feira, 12 de outubro de 2018


10 DE OUTUBRO DE 2018
NÍLSON SOUZA

São Chico

Em meio ao noticiário sobre a beligerância política da atual disputa eleitoral, um cidadão anônimo (ou mais de um) vem mandando publicar regularmente neste jornal a célebre Oração da Paz, atribuída a São Francisco de Assis. Fake news, garantem os historiadores, pois o texto só apareceu na antevéspera da I Guerra Mundial, quase 700 anos depois da morte do santo católico. Mas a verdadeira autoria é o de menos. O que importa é o inspirado conteúdo e sua pertinência para momentos de apreensão coletiva como o que a sociedade europeia vivia na época do conflito armado ou como o que os brasileiros vivem nestes dias de farpas e facas.

O que mais aprecio nesta prece, gravada em prosa e verso por artistas famosos em todo o mundo, é o seu apelo para o protagonismo e para a ação. Vale para crentes e descrentes, pois o pedido ao divino está ao alcance do humano. "Onde houver ódio, que eu leve o amor. Onde houver ofensa, que eu leve o perdão. Onde houver erro, que eu leve a verdade." A convocação, portanto, é para orar e agir. E para quem acha que rezar é perda de tempo, basta agir no sentido de procurar mais compreender do que ser compreendido - como sugere a segunda parte da oração.

Aliás, é nesta segunda parte que está a frase deturpada pelos maus políticos e repetida exaustivamente, com sentido malicioso, por pobres de espírito que se acham espirituosos: "É dando que se recebe". No aspecto espiritual e das relações humanas, a sentença é irretocável. Se você sorri, o desconhecido lhe devolve um sorriso. Se você trata mal o garçom, sabe-se lá o que virá na sua sopa. A reciprocidade pode ser um bem, mas também pode ser um mal. No ramo das negociatas e dos conluios, é sempre um mal.

Oração numa hora dessas? - perguntarão os leitores mais preocupados com o imediatismo da disputa pelo poder e com suas consequências sobre todos nós. Não estou querendo defender teses moralistas e muito menos pregar sermões religiosos, até mesmo porque os delinquentes também costumam usar o nome de Deus para justificar seus atos. Apenas me detive na anônima publicação porque identifiquei nela a boa intenção de quem a mandou publicar. Eis aí uma pessoa que oferece sua contribuição a desconhecidos sem almejar nada em troca.

Nunca liguei muito para esse tipo de manifestação religiosa, mas o texto atribuído equivocadamente a São Chico me parece bem apropriado para o momento caótico por que passa a nação. Que tal refletir um pouco sobre ele antes de responder àquela mensagem agressiva que chegou pelas redes sociais? Que tal perdoar o ofensor sem incluir na decisão a exigência de também ser perdoado? Que tal tentar entender, tolerar e até amar aquelas pessoas que pensam diferente de nós?

Por fim, que tal pouparmos Deus e seus santos desse debate e passarmos nós mesmos a agir como protagonistas de nossas vidas e a conviver pacificamente com nossos semelhantes?

NÍLSON SOUZA

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