sábado, 5 de outubro de 2024


05 de Outubro de 2024
PERFIL

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A herança familiar da militante que quer levar adiante o legado do trabalhismo

Juliana Brizola (PDT) morou no Uruguai e no Rio de Janeiro antes de retornar ao Estado para iniciar a caminhada na política. Sob a bandeira da educação em tempo integral e apoiada pelo centro, aposta no voto útil para ser a primeira mulher a sentar na cadeira já ocupada pelo avô em Porto Alegre

Paulo Egídio

Corria o ano de 1993 quando o governador Leonel Brizola mandou chamar Juliana a seu apartamento, em Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro. Queria cumprimentá-la pelo aniversário de 18 anos. Enquanto o elevador do edifício São Carlos do Pinhal a levava até o sétimo andar, a jovem de cabelos castanhos e sorriso largo que acabara de chegar à maioridade suspirava: finalmente poderia tirar a carteira de habilitação.

Sabedor da urgência da neta, Brizola não perdeu tempo:

- Olha Juliana, o mais importante de completar 18 anos não é tirar a carteira, é que agora tu vais te filiar no partido - celebrou, puxando uma ficha de filiação e abonando ali mesmo o registro da mais nova militante do seu PDT.

A moça ainda não sabia, mas ali começava a ser traçado o destino de levar adiante o legado do ícone trabalhista. Ou, como os netos o chamavam, o Tata.

Viver sob os desígnios da política nunca foi uma opção para Juliana Brizola. Fazê-loem sua cidade natal, sim. Juliana nasceu em 3 de agosto de 1975 no hospital Beneficência Portuguesa, junto do gêmeo Leonel. Era tempo de exílio para a família e a mãe veio do Uruguai somente para dar a luz aos filhos em solo brasileiro.

O pai, José Vicente, foi o primogênito de Leonel Brizola e transitou entre a música e a política. A mãe, Nereida, é jornalista e filha do capitão da Aeronáutica Alfredo Ribeiro Daudt, um dos militares responsáveis por sabotar a ordem de bombardeio ao Palácio Piratini que partiria da Base Aérea de Canoas em 1961, durante o movimento da Legalidade, liderado por Brizola.

Com os dois lados da árvore genealógica perseguidos pela ditadura instalada em 1964, Juliana foi levada ainda menina para viver no Uruguai. Retornaria ao Brasil pouco antes do avô se eleger governador do Rio de Janeiro, em 1982, e seria carregada no colo por ele no ato de posse.

Passou a infância e a adolescência no Rio, onde aprendeu a surfar e a frequentar o clube do Fluminense. Virou torcedora do time de Laranjeiras, dessas de ir ao Maracanã e assistir ao gol de barriga de Renato Portaluppi que decidiu o campeonato carioca de 1995.

Juliana é Fluminense, mas nunca quis ser fluminense. No seu íntimo, aflorava a origem gaúcha. Desde menina, adorava passar as férias de julho e o verão em Porto Alegre com os avós maternos.

Na juventude, decidiu se mudar de mala, cuia e prancha de surfe para viver na Capital. Ainda voltaria ao Rio para a faculdade de Direito na Universidade Santa Úrsula.

Depois, passaria um tempo vivendo em Florianópolis, mas seu destino estaria mesmo traçado em Porto Alegre.

Mais de três décadas depois de se tornar militante por livre e espontânea vontade do avô, Juliana agora quer ocupar a cadeira que já foi dele. Aos 49 anos, mãe de dois filhos, ex-vereadora e ex-deputada, a advogada mestre em ciências criminais almeja se tornar a primeira mulher prefeita de Porto Alegre.

A expectativa da renovação

No Rio ou em Porto Alegre, Juliana sempre foi ativa no PDT. Na capital gaúcha, foi assessora jurídica do diretório estadual e, em meados de 2006, começou a militar na ala jovem. No ano seguinte, foi alçada à presidência estadual do movimento e tornou-se secretária da Juventude da prefeitura na gestão José Fogaça (MDB).

Em 2008, aos 33 anos, apareceu na urna pela primeira vez e se elegeu vereadora com quase 10 mil votos, sendo a mulher mais votada naquela eleição.

Dois anos depois, conquistaria o primeiro dos três mandatos de deputada estadual, nos quais se destacou por sustentar as bandeiras trabalhistas, como a escola de tempo integral e o fortalecimento do serviço público.

Tentaria chegar duas vezes à prefeitura de Porto Alegre. Em 2016, como vice de Sebastião Melo (MDB), perdeu no segundo turno. Em 2020, encabeçando chapa, fez 6,4% e terminou em quarto lugar. Sofreria novo revés em 2022, quando disputou vaga na Câmara dos Deputados e ficou na primeira suplência do partido. Faltaram 1,4 mil votos para a cadeira.

Com o trabalhismo em declínio e sem apoios à esquerda, precisou dar um passo ao centro para construir uma candidatura competitiva neste ano. Seu principal aliado é o União Brasil, que cedeu o vice, o deputado estadual Thiago Duarte, médico que fez carreira e ganhou popularidade atendendo na periferia. Por fim, conseguiu o apoio pouco empolgado do PSDB de Eduardo Leite, a quem fez oposição na Assembleia.

Após um início hesitante, os números promissores galgados nas pesquisas de intenção de voto animam os correligionários, especialmente os mais antigos, que sonham com renovação no trabalhismo.

O jornalista Carlos Bastos, 90 anos, que foi amigo de Brizola e cobriu a Legalidade de dentro do Piratini, é ainda mais ousado:

- Não é que renova. Ressuscita!

"Baixou o Brizola"

No âmbito familiar, Juliana se dedica aos cuidados com os filhos José Inácio, 14 anos, e Angelina, 10, e com a avó materna Dóris Daudt, de 98 anos, que a acolheu na Capital durante a juventude. Após se divorciar em 2022, começou a namorar o advogado João Guilherme Desenzi, 30 anos, mineiro radicado em São Paulo e presidente da ala jovem do PDT paulista.

Nos momentos em que não está se dedicando aos seus ou fazendo política, o hobby predileto é a prática de exercícios físicos. É parceira de academia de José Inácio e costuma frequentar a Sogipa, clube que fica próximo à residência, no bairro São João.

Além do legado político, herdou do avô traços do temperamento, como a resistência em mudar de opinião e a facilidade em subir o tom quando acha que deve. Entre assessores, a brincadeira nesses momentos é de que "baixou o Brizola" na chefe.

- Quando ela fica braba, não tem quem segure - confirma o filho adolescente, ponderando que a mãe cobra bastante, mas sabe dialogar.

Juliana até endurece, mas sem perder a ternura. Seus assessores são longevos e amizades duradouras.

- Ela cresce na adversidade. Se um debate for morno, ela não vai ir bem. Ela vai bem quando fica mais pegado - conta o amigo Jonatas Ouriques, que trabalha com Juliana há quase 20 anos e coordena a campanha.

O irmão mais novo, Carlos Daudt Brizola, o Carlito, concorda:

- Ela reage muito bem à pressão. E se sai melhor nos momentos em que é pressionada, inclusive nos debates.

Um dos raros momentos em que a candidata do PDT desliga da política é o final de ano, quando parte para o veraneio com a família em Garopaba (SC). Por lá, costuma praticar o esporte que aprendeu na adolescência e que tenta mimetizar nesta eleição, surfando a onda do voto útil que pode levá-la ao segundo turno. _

Ela cresce na adversidade. Se um debate for morno, ela não vai ir bem. Ela vai bem quando fica mais pegado.

Jonatas Ouriques - Amigo e coordenador da campanha

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