sábado, 24 de fevereiro de 2024


24 DE FEVEREIRO DE 2024
OPINIÃO DA RBS

INSTIGAÇÃO IRRESPONSÁVEL

A polarização chegou a tamanho nível no Brasil, que qualquer ideia defendida por um lado da disputa política é automaticamente rechaçada com virulência pelo outro grupo. Há poucos meses, até uma marca de chocolate acabou envolvida. As discussões não mobilizaram apenas as hordas de militantes anônimos espalhadas pelas redes sociais. Deputados e senadores da República, que deveriam estar ocupados com temas relevantes para o país, desperdiçaram tempo e energia engajados em uma discussão estéril.

O problema escala vários graus de gravidade quando a divisão é fomentada em torno de temas sensíveis e complexos, com o risco de desdobramentos como o aumento da intolerância e da violência. Ao se chegar a esse ponto, é dever alertar que trata-se de uma irresponsabilidade. E precisa ser freada, portanto.

É o caso da atual crise diplomática entre Brasil e Israel. A tensão entre os governos foi deflagrada pela manifestação desastrada e equivocada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que igualou o Holocausto - extermínio sistematizado de 6 milhões de judeus pelo regime nazista - às mortes de civis na Faixa de Gaza causadas pela guerra entre o exército israelense e o grupo terrorista Hamas.

O resultado da manifestação disparatada de Lula foi o acirramento de uma divisão que já era nítida desde o início do conflito, após o atentado do Hamas em 7 de outubro do ano passado. São posições que têm origem anterior, com a esquerda mais inclinada à causa palestina e a militância bolsonarista identificada com Israel.

São simplificações carregadas de contradições. Os direitos humanos, por exemplo, enfrentam sérias restrições em países árabes. Já em Israel, uma reconhecida democracia, os direitos humanos são respeitados e há diversidade política, apesar de o governo atual ser identificado com a extrema direita. Esse vínculo ideológico com a direita é um dos motivos da simpatia dos seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro.

É altamente temerário que lideranças e ativistas dos dois polos da disputa política no Brasil instrumentalizem o conflito entre Israel e Hamas usando a guerra, seus motivos e consequências de acordo com os seus próprios interesses. Ao tentar utilizar a conflagração no Oriente Médio para instigar seus apoiadores, o resultado é o estímulo ao fanatismo, à divisão da sociedade e à discriminação generalizada. O antissemitismo, em particular, recrudesceu em todo o mundo de forma alarmante nos últimos meses. Não foi diferente no Brasil.

Bolsonaro convocou seus seguidores para uma manifestação neste domingo, na Avenida Paulista, em São Paulo.

Seu defensor em processos que enfrenta, o advogado Fabio Wajngarten chegou a sugerir que o embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zonshine, fosse convidado para o ato. Tratou-se de uma ideia inconsequente de Wajngarten, ex-secretário de Comunicação no governo Bolsonaro. Serviria apenas para elevar a crise diplomática a níveis críticos, com reflexos ainda mais perigosos na cisão social atravessada pelo Brasil. O ex-presidente e seus apoiadores têm o direito constitucional de se manifestarem. Mas exige-se responsabilidade para não aumentar a polarização política no país usando episódios que estão fora do contexto da realidade nacional.

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