terça-feira, 25 de julho de 2023


25 DE JULHO DE 2023
LUÍS AUGUSTO FISCHER

Ponha-se no meu lugar

O 25 de julho foi definido como Dia do Colono 99 anos atrás, quando foi comemorado o primeiro centenário da chegada dos primeiros imigrantes germânicos no Estado, a 25 de julho de 1824, quer dizer, 199 anos atrás. Ano que vem serão 200, conta redonda que costuma ser motivo de celebração.

Tenho orgulho de ser descendente dessa gente que veio para cá? Tenho, porque penso nos meus avôs e avós, no pai e na mãe, gente honesta e trabalhadora. E, importante, aprendi com meus pais que qualquer gente nunca é superior a qualquer outra gente. Não quer dizer que não haja essa perversa fantasia entre descendentes de imigrantes europeus; há e merece ser combatida criticamente, com a palavra e a lei.

O presente cenário brasileiro tem trazido à tona o racismo contra descendentes de africanos e de indígenas. Racismo que não é uma fantasia: é uma força até mesmo com expressão política, que atravessa a vida brasileira de alto a baixo, por isso mesmo chamado de "estrutural", porque ele estrutura as relações sociais.

Olhando em panorama, é fácil ver que o Brasil tomou medidas exatamente opostas para os colonos europeus e para os escravizados libertos e seus descendentes: passado o episódio da chamada Lei Áurea, centenas de milhares de afrodescendentes foram simplesmente abandonados pelo Estado brasileiro; não muitos anos depois, muitos milhares de imigrantes germânicos (e depois italianos, polacos, etc.) receberam importantes benefícios do mesmo Estado brasileiro para se instalar na terra e produzir. Há um inequívoco sentido de prestigiar os brancos.

Comparar um caso e outro deveria nos levar a entender os perversos desdobramentos sociais e ideológicos da vida brasileira, mas não é. Apenas em 2012 se instituiu a Lei de Cotas para ingresso na universidade, oferecendo uma primeira e ainda frágil reparação.

Isso não quer dizer que os afrodescendentes não tenham, contra vento e maré, produzido maravilhas no campo artístico, para mencionar o mundo em que me movimento profissionalmente. Nem falemos na canção, cenário de um excepcional processo de transformar dificuldade e obstáculo em virtude e modo de agir. Falemos na literatura.

Aqui chego ao ponto inicial deste texto, que ia ser uma resenha do novo livro do Luiz Maurício Azevedo, Baldeação (contos, editora Cultura). Eu ia dizer com mais vagar que o autor mescla ironia e deboche com precisão descritiva e um vetor de contida raiva, resultando uma tensão narrativa de alta densidade. Ia dizer, mas o percurso acabou me levando apenas a esse elogio, enviesado mas merecido.

LUÍS AUGUSTO FISCHER

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