quarta-feira, 26 de julho de 2023


26 DE JULHO DE 2023
CARPINEJAR

Desmamando o café

Um dos primeiros passos para atingir a maturidade é beber café sem açúcar. Desmamar o café. Morando com os pais, a proteção infantiliza os hábitos. Você toma café doce, desbragadamente doce, com várias pás de açúcar. O fundo do copo ou da xícara tem um caldo grosso, semelhante ao resto de Nescau. Escorre nas laterais do recipiente em direção à boca.

Você passa vergonha quando visita os amigos, esvaziando o açucareiro alheio. A vida parece não mudar. Parece que será sempre assim. Nos seus primeiros estágios profissionais, participa da turma da térmica do café adoçado. Nem tem o trabalho de repetir o guindaste das colherzinhas.

Até que sofre bullying dos mais velhos, dos veteranos do emprego, e tenta impressioná-los migrando para o adoçante. Altera a sua categoria de bebedor da cafeína nos intervalos. Troca a substância sólida pela líquida. Mergulha nas gotinhas. No começo, são quinze gotinhas. Depois, ao ganhar o peso da prosperidade, passa a se preocupar com as suas altas taxas glicêmicas e modera os pingos nos is.

Vê algum colega que não faz cara feia entornando o café sem nada. Decide imitá-lo e enfrentar a realidade da renúncia. A princípio, não gosta da metamorfose, mas se sente mais independente sem ter que perguntar a todo momento pelo adoçante.

Sem perceber, o café fraco, aguado, não lhe agrada mais. Deseja o concentrado, já selecionando a marca e a espessura da moagem. Torna-se adepto do shot, da virada curta e grossa da xícara aos lábios.

A consagração da sua nova natureza é quando começa a cheirar o café, como se fosse bouquet de vinho. Nunca mais voltará a roubar os sachês das mesinhas das cafeterias. É um desapego violento que influencia a sua concepção de mundo. Quem toma café puro é capaz de ficar mais tempo sozinho. Não sofre desacompanhado. Pode viajar solitariamente nas férias e se divertir com os próprios pensamentos.

Você larga as ilusões, a carência, a insegurança. É mais forte diante das frustrações. Aceita as separações amorosas, o desencanto como parte do processo de se apaixonar por alguém, a finitude saudável dos ciclos. Na hora de se servir, explica a quem está ao lado: - De doce chega a vida.

Mas não está sendo literal, existe uma ironia na frase. Uma gargalhada de crema de um espresso bem-feito. Aquele que toma café sem açúcar é irônico. Perdeu de vez a ingenuidade de criança. Não será mais enganado pela esperança.

De modo nenhum, pretendo cometer aqui um autoelogio e desabonar os adultos que mantêm o açúcar no café, desde que não seja no chimarrão, que é a profanação da erva. Apenas sei que um dia eles vão me entender.

CARPINEJAR

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