terça-feira, 28 de maio de 2019


28 DE MAIO DE 2019
CARPINEJAR

Prescrição materna


Mãe tem poções mágicas, chás miraculosos e receitas carregadas de ternura. É uma farmacêutica leiga. Difícil desabonar as indicações impositivas. Se não funcionam, ainda podem vingar porque vêm do amor. E o amor não há como rejeitar.

Na minha infância, a mãe sempre acreditou que poderia me salvar da imundície do pátio e da minha compulsão pelo campinho de futebol com remédio contra vermes. Estava com um pouquinho de cólica e dor de barriga, e ela já aparecia com o antídoto numa colher de sopa, jurando que havia engolido terra ou posto a mão suja na boca. Por mais que fugisse, ela me achava. Só parava a sua perseguição diante da minha careta ao sorver o líquido com cheiro intragável de peixe. Eu era um aquário de seus experimentos.

O remédio de vermes parou quando entrei na adolescência, jamais tocou de novo no assunto. O que permanece é a recomendação da vitamina C. Mesmo adulto, prossegue com a prescrição.

O curioso é que não me pede para tomar quando estou mostrando os primeiros sinais de resfriado, com espirros e coriza. É todo santo dia. Defende a ideia de que ela é um escudo da gripe, uma muralha ao vírus. Confia em seu feitiço protetor, no seu poder de vacina. Com o uso diário, eu me veria livre de qualquer mal.

Quando me telefona, antes de desligar com o seu até logo (ela não diz tchau, mas até logo, assim como ela não diz alô, mas pronto), já fala, do nada, sem nenhum contexto, sem nenhuma deixa, como se fosse um merchandising automático:

- Já tomou sua vitamina C hoje?

Finjo que sim. Cansei de explicar e defender que não é necessário. Deve pensar que tenho uma estante de tubos laranja no armarinho do banheiro. Uma coleção de pastilhas redondas envoltas em alumínio.

Fico chateado de enganar a minha mãe. Mas teria que gastar parte do meu salário me prevenindo da gripe.

Eu concordo com tudo o que diz, não por preguiça, mas porque entendo a vitamina C como uma metáfora de seu zelo vitalício por mim. Seu amor é efervescente. Um coração cheio de bolhas, a ser ingerido na hora, não dá para esperar muito, senão perde a sua eficácia.

CARPINEJAR

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