terça-feira, 21 de maio de 2019


21 DE MAIO DE 2019
CARPINEJAR

Grávido dos pais

Uma das grandes questões existenciais de uma criança é sentir-se desejada. A mesma pergunta volta na adolescência, entre cravos e espinhas, com um outro desdobramento mais científico: descobrir-se que se foi planejado.

Mesmo que a gravidez não tenha sido programada, é investigar com os pais a origem de si e confirmar se eles realmente queriam o bebê.

Machuca a esperança quando o filho escuta do pai e da mãe que pensavam em um aborto. Vem a ser um trauma se enxergar como um acidente ou um estorvo, responsável pela interrupção de uma carreira e pela infelicidade do casal.

Meus pais, de 80 anos, deram a me perguntar se eu os amo. Mais do que o comum. A cada ligação ou encontro, questionam o meu apego a eles. Virou um mantra.

Até achava que a insegurança descendia de alguma suspeita, de que eu tinha feito algo errado para gerar a insistência ou que ouviram uma fofoca que colocasse o afeto em risco. Mas não aconteceu absolutamente nada entre nós que mudasse o curso das conversas.

Daí percebi que, assim como a criança e o adolescente anseiam provas de que foram queridos e sonhados, os pais na velhice também tentam desvendar se são amados. Agem como se estivéssemos grávidos deles, esperando ver se seguiremos a gestação ou não, aguardando a nossa decisão diante do teste de gravidez invisível no coração.

Eles têm medo da rejeição. O asilo se transforma numa ideia próxima à de orfanato.

O destino de todos é uma nova origem - retorna com força aquele receio antigo do cuidado e de quem estará ao lado.

No caso de meus pais, não há mais ninguém para pedir ajuda - os avós já morreram e os amigos já envelheceram.

A desconfiança é natural: olham para mim com a avidez de um menino e de uma menina, com as pupilas graúdas de laranjas maduras, buscando confirmar se não irei abandoná-los, se não irei cometer um aborto com eles, se não irei largá-los agora que mais precisam de mim.

Tenho duas pernas, para colocá-los cada um em um dos joelhos. Tenho dois braços, para embalá-los cada um em um dos ombros. Não era assim que faziam comigo e os irmãos?

CARPINEJAR

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