sábado, 18 de maio de 2019




18 DE MAIO DE 2019
DRAUZIO VARELLA

CIGARRO BARATO

A lógica da indústria tabagista é pérfida: a sociedade arca com os prejuízos, eles ficam com os lucros
Parece que de uns tempos para cá só andamos para trás.

Na contramão das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Ministério da Justiça criou uma comissão especial para analisar a conveniência da redução dos impostos que incidem sobre o cigarro.

Os lobistas da indústria tabaqueira argumentam que a medida reduziria o contrabando de cigarros paraguaios, de qualidade inferior, taxados com mais benevolência.

Que motivos levariam esses senhores a defender políticas para livrar os cidadãos das garras do crime organizado e, pasmem, proteger a saúde dos fumantes?

Na década de 1960, cerca de 60% dos brasileiros com mais de 15 anos fumavam. Dessa geração, estão vivos e com saúde apenas os que conseguiram parar de fumar muitos anos atrás - os demais morreram de câncer, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral ou das complicações do enfisema e de outras doenças pulmonares obstrutivo-crônicas que evoluem com falta de ar progressiva.

O esforço que o país fez para reduzir os impactos dessa tragédia coletiva exigiu o empenho de profissionais de saúde, comunicadores, educadores, legisladores e da própria sociedade.

A proibição da publicidade pelos meios de comunicação de massa, decretada no ano 2000, retirou da indústria sua arma mais poderosa: o controle da imprensa, refém das verbas publicitárias que impediam a divulgação de qualquer informação científica contrária aos interesses dos anunciantes.

Por causa desse lobby milionário que financiava campanhas políticas e cooptava funcionários públicos venais, avançamos com enorme dificuldade na adoção de medidas então vigentes em outros países, como as imagens de doentes nos maços e a proibição de fumar em ambientes fechados.

Às custas de um trabalho educativo sem precedentes em nossa história, conseguimos desconstruir a imagem criada pela publicidade do século 20. O cigarro deixou de ser o hábito chique, associado ao charme de mulheres lindas e homens másculos e sedutores, para se transformar no que realmente é: um vício chinfrim mal cheiroso, que provoca hálito repulsivo, tosse com expectoração, fôlego curto, pele de cor doentia e envelhecimento precoce.

O resultado foi impressionante. Segundo o PNAD, a prevalência de fumantes com mais de 15 anos caiu dos 60% para 10%. Hoje, fumamos menos do que os americanos e do que em todos os países da Europa.

Difícil explicar tamanho avanço. Não temos o nível educacional da Finlândia, da França ou da Alemanha; o governo brasileiro não investiu em campanhas antitabagistas nem sombra das importâncias gastas pelos países mais ricos; nossos serviços de saúde ainda engatinham no tratamento do tabagismo.

Apesar desses resultados serem citados como exemplo pelos técnicos da OMS, vamos lembrar que os 10% de adultos ainda fumantes formam um contingente de pelo menos 15 milhões de dependentes de nicotina com saúde fragilizada, que demandarão recursos financeiros do SUS, da Previdência Social e da Saúde Suplementar.

Em vários Estados americanos, as multinacionais que dominam o mercado do fumo têm sido obrigadas a pagar indenizações bilionárias para cobrir, pelo menos em parte, os gastos públicos com o tratamento das doenças causadas pelo cigarro. Talvez porque a vida de um brasileiro seja de pouca valia, aqui jamais pagaram um centavo sequer.

O negócio da indústria tabaqueira é vender cigarro barato, para tornar dependentes de nicotina o maior número possível de crianças e adolescentes. No futuro, eles desenvolverão doenças crônicas que consumirão recursos do SUS e elevarão as mensalidades dos planos de saúde. A lógica é pérfida: a sociedade arca com os prejuízos, eles ficam com os lucros.

Eles dirão: "Mas nós pagamos impostos". Segundo a OMS, para cada dólar de imposto pago, o sistema de saúde gasta três.

A redução de tributos pretendida é uma estratégia vil, destinada a aumentar o número de fumantes pobres, justamente os que serão atendidos pelo SUS. Um mínimo de vergonha na cara evitaria a desculpa dos malefícios dos cigarros paraguaios. Quer dizer que os fumantes de cigarros brasileiros só terão ataques cardíacos, derrames cerebrais e cânceres de alta qualidade?

Ao alegar interesse em combater o crime organizado, os fabricantes de cigarro renegam sua própria história. Essa é uma indústria criminosa que espalha sofrimento e morte pelo mundo inteiro.

DRAUZIO VARELLA

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