quinta-feira, 3 de dezembro de 2015



03 de dezembro de 2015 | N° 18374 
L. F. VERISSIMO

A cordilheira


Começa com o Chico e um coro cantando Sinhá, uma música atípica do compositor – se é que alguma pode ser chamada de “típica” de quem já fez de tudo, do baião ao blues. E você pensa: nada nesse filme vai conseguir bater este início arrebatador. Mas em seguida vem a Carminho cantando Sabiá e você muda de opinião rapidamente: nada no resto do filme poderá ser tão emocionante quanto a portuguesa Carminho cantando Sabiá?

Eu acho Sabiá, musica do Tom, letra do Chico, uma das coisas mais bonitas feitas no Brasil em todos os tempos, “coisas”, aí, incluindo nossa melhor literatura, nossa melhor pintura, as bachianas do Villa Lobos e a Patrícia Pillar. Depois de arrasado pela Carminho cantando Sabiá, você só pode admirar a arte e a ousadia do diretor de Chico – Artista Brasileiro, Miguel Faria Jr. Com pouco mais de alguns minutos de filme, ele já nos presenteou com dois dos seus pontos altos, e a promessa de mais emoções por vir. E elas vêm.

Num depoimento antigo gravado pelo Vinícius de Moraes e aproveitado no documentário pelo Faria, o poeta descreve a música popular brasileira como uma paisagem com muitos morros e poucas montanhas, e inclui o Chico entre as montanhas. Pegando carona na imagem do Vinícius, pode-se dizer que a obra do Chico é uma cordilheira que se destaca da paisagem pela quantidade dos seus cumes. 

Claro que há vãos e vales entre os pontos altos, mas não deixa de ser espantoso o número e a qualidade das criações do Chico que ficam na memória e continuam cantadas e encantando. A única crítica que pode ser feita ao filme é que alguns pontos altos da cordilheira não aparecem (o Samba do Grande Amor, por exemplo). Seria um consolo saber que eles ficaram para Chico, Artista Brasileiro – parte 2. Queremos a cordilheira inteira.

O Tom Jobim também aparece no filme falando nas qualidades do Chico, dizendo que ele tem tudo, e completando, com admiração: “Tem até um irmão alemão!”.

PAPO VOVÔ

Eu disse para a Lucinda, nossa neta de sete anos, que as três melhores coisas do mundo são pudim de laranja, gol do Internacional e neta, não necessariamente nessa ordem. Ela pensou um pouco e disse: “As melhores coisas do mundo são bolo de chuva, hora do recreio na escola, e...” Então ela fez uma pausa de três segundos, para aumentar o suspense, e terminou: “E vô e vó”. Nunca três segundos custaram tanto a passar.

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