08 de dezembro de 2015 | N° 18379
DAVID COIMBRA
A diferença entre querer e poder
Existe uma crença curiosa no Brasil. A de que um protesto só funciona se incomodar outras pessoas. Quanto mais uma manifestação atrapalhar a vida dos cidadãos que nada têm a ver com ela, mais eficiente ela será.
É a lógica da criança mimada.
A criança mimada quer. Esse verbo, querer, ela conjuga a todo instante. E, quando ela quer, ela haverá de ser atendida. Se não for, ela protesta. Como? Incomodando os adultos: chorando, gritando, jogando-se no chão, repetindo eu quero, eu quero, eu quero sem parar, até que o adulto ceda.
Ontem, na manifestação que trancou por mais de três horas praticamente todo o trânsito de Porto Alegre, os manifestantes conjugavam o mesmo verbo. Eles entoavam, em coro:
“Queremos moradia! Queremos moradia!”.
Eles queriam. Se queriam, teriam de ser atendidos. Se não fossem, parariam toda a cidade. Como pararam.
No Brasil é assim. Siga o raciocínio:
1. Você “quer” algo – as pessoas sempre querem coisas.
2. Querendo, você parte para a reivindicação.
3. Se você acha que a sua reivindicação é justa, você imediatamente conclui que “tem direitos”.
4. À conclusão de que você “tem direitos”, segue-se quase que uma obrigação de “partir para a luta” para que eles sejam realizados. Lutar pelos seus “direitos” é, segundo a crença brasileira, um exercício de cidadania.
5. Na luta pelos seus “direitos”, você fará uma manifestação, manifestação essa que, sempre de acordo com a crença brasileira, é irrevogavelmente “legítima e democrática”.
6. Sendo “legítima e democrática” a manifestação, você terá de torná-la ruidosa e, para torná-la ruidosa, será necessário incomodar as outras pessoas. Há muitas formas deliciosas de fazer isso, ações que farão você parecer um herói dos oprimidos, tais como fechar ruas; parar uma cidade inteira ou parte dela; ocupar prédios públicos; destruir pesquisas científicas; invadir propriedades privadas; pichar, depredar, roubar ou defecar nessas propriedades privadas; eventualmente, manter um funcionário sob cárcere privado; etc. etc. etc.
Qual é o limite da luta pelos seus direitos, cidadão? Você decide.
Dias atrás, alguns taxistas que acharam que seus direitos estavam sendo violados, armaram uma cilada para um trabalhador, cercaram-no, espancaram-no e, se não fosse a intervenção de algumas bravas mulheres transeuntes, o teriam matado.
A lógica deles foi a mesma dos fechadores de rua. Eles estavam apenas lutando pelos seus direitos. Ou pelo que consideraram seus direitos.
Quais são os seus direitos, cidadão? É também você quem decide.
Se você estiver sem namorada e resolver que tem direito a uma, você pode interromper uma avenida? Por que não? Todas as semanas, avenidas são interrompidas por quem quer moradia, ou aumento de salário, ou terra, ou, apenas, um pouco de atenção. Por que não parar a cidade para pedir mais e melhores namoradas?
“Você tem de lutar pelo que você quer”, dizem aos brasileiros, e acrescentam de pronto: “Tem de lutar pelos seus direitos”. Ou seja: para o brasileiro, querer é o mesmo que ter direito.
Exatamente como a criança. A criança tudo quer. Mas o pai é que lhe dirá o que ela pode ou não ter. Se ela não aceitar, se gritar ou se atirar ao chão do shopping, tem de ir para o castigo.
Da mesma maneira, é o Estado, através da lei, que diz ao cidadão qual é o seu direito. Ele, por qualquer motivo, tem direito de paralisar o trânsito de uma cidade? Não? E se paralisar?
Tem de ir para o castigo.
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