06 de dezembro de 2015 | N° 18377
L. F. VERISSIMO
Palavras
Nunca encontrei uma explicação satisfatória para a origem da palavra “sacanagem”. Como ela tem um som algo francês, e como os franceses têm uma palavra para tudo, especula-se que seja um galicismo adaptado. Viria de “sac a nager”, bolsas de ar que ajudavam os franceses arcaicos a boiar e que acabou adquirindo o significado de sacanagem como a conhecemos hoje. Talvez devido à prática de furar os sacos para afundar os franceses, que ficavam se debatendo na água e gritando “Mon sac a nager! Mon sac a nager!” enquanto os ingleses, na margem, disfarçavam o riso.
Uma palavra ótima é “enfadonho” para descrever alguém. Tem o mesmo sentido de aborrecido, cansativo, chato, mas não é a mesma coisa. Não corresponde nem ao seu sentido literal, aquilo ou aquele que dá enfado. Pense nas pessoas enfadonhas que você conhece. Nenhum outro adjetivo salvo “enfadonhas” as descreveria, certo? O enfadonho não enfada, apenas. Sua enfadonhice tem algo de denso e irrecuperável. Deveria existir o verbo “enfadonhar”, como em “Não me enfadonhe!”. Porque, além de tudo, a enfadonhice é contagiosa.
Louco por futebol, eu acompanhava pelo rádio e pelos jornais (não existia TV na época, acredite) o futebol de Buenos Aires, a grande cidade mais próxima de Porto Alegre. Um dia, a turma da zona decidiu que nosso futebol de terreno baldio e calçada merecia um nome. A sugestão vencedora foi a minha: Racing. Não era o meu time em Buenos Aires – por alguma razão, torcia pelo River Plate –, mas o nome soava bem. Lembrava “raça”, nada mais argentino. Só muito depois me dei conta de que “racing” era inglês, um dos tantos vestígios que os ingleses deixaram na língua e na alma dos argentinos. Mas na época nossa intenção era sermos argentinos.
Do valoroso “Racing” só ficaram estas lembranças – e um esboço de escudo, que eu mesmo fiz e encontrei, anos mais tarde, entre outros papéis guardados. Levei algum tempo para decifrar as letras no escudo: RFR. Por que RFR? E então me lembrei. Alguém tinha sugerido “Racing de Futebol e Regatas”. Ninguém se lembrou de perguntar onde e como praticaríamos regatas no nosso bairro, que não tinha nem um açude.
Era influência do Rio, onde os times de futebol também eram de regatas. O nome completo foi aceito por aclamação. Porque pouco importava se não tínhamos como cumprir o que dizia o escudo. Ser “de regatas” nos dava uma dimensão especial. Além de argentinos imaginários éramos também cariocas no nome. Não era preciso ter barco e remos nem sequer chegar perto do Guaíba para ser “de regata”. “Regata”, no caso, nem era uma palavra. Era um símbolo hierárquico.
Sinal de que não éramos pouca coisa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário