FERREIRA
GULLAR
O acaso e o jogo
O
jogo é uma disputa contra o acaso, ou seja, contra a incontrolável
probabilidade do imprevisível acontecer
Você
certamente já ouviu alguém dizer que o futebol é uma caixinha de surpresas, ou
seja, não se pode garantir que o time considerado melhor ganhe o jogo. Pode
ganhar e pode perder.
Isso
é verdade, mas há quem diga a mesma coisa do vôlei, do basquete, do tênis . Também é verdade, mas com a diferença de
que, no futebol, há mais surpresas do que em outros esportes. A razão disso é que,
nele, há mais gente jogando.
Não
sei se me fiz entender, vou ser mais explícito: como no futebol há mais
jogadores, é mais difícil pôr em prática o plano de jogo, uma vez que não só há
maior possibilidade de erros como, por isso mesmo, há mais adversários para
impedir que as jogadas se completem.
Logo,
o resultado do jogo é menos previsível do que, por exemplo, no vôlei, com
apenas cinco jogadores de cada lado, e menos ainda do que no tênis, com apenas
dois jogadores. Em todos esses jogos pode haver surpresas, claro, mas é mais fácil prever e neutralizar a ação de cinco
jogadores do que a ação de 11.
Por
isso mesmo, como observei, certa vez, o saque, no jogo de vôlei, é mais favorável
a quem o recebe, enquanto, no tênis, é mais favorável a quem saca.
A
explicação desse fato está, também, na quantidade de jogadores em quadra, só que,
neste caso, o número menor de jogadores torna mais difícil receber e devolver o
saque (no tênis), enquanto, no vôlei, o maior número de jogadores torna difícil
para quem saca vencer a defesa adversária e impedir o contra-ataque.
Em
consequência disso, quando o saque é decisivo porque pode significar a vitória
do adversário, o sacador o faz impetuosa e perigosamente, ainda que correndo o
risco de sacar para perder a partida. Mas é uma das raras possibilidades do
saque resultar em vantagem para o sacador.
Mas
o que pretendo dizer com essas considerações é que o jogo, qualquer que seja
ele, no fundo, é uma disputa contra o acaso, ou seja, contra a incontrolável
probabilidade do imprevisível acontecer. E é claro que, quanto mais elementos (jogadores)
estiverem em campo, mais difícil será reduzir a ocorrência do imprevisível.
E,
no fundo, no fundo, essa é a função do técnico em qualquer que seja o esporte. Pense bem,
não é isso que faz o técnico? Como se sabe, o objetivo do jogo de futebol é fazer
gols e evitar levá-los. Logo, o esquema de jogo é montado visando esses dois
objetivos, ou seja, atacar para fazer gol e defender-se do ataque do adversário
que tem o mesmo propósito.
O técnico,
portanto, organiza seu time, traça esquemas de ataque e defesa, contando com as
qualidades técnicas e o talento de seus jogadores.
Trata-se,
inevitavelmente, de um esquema ideal, apoiado em diferentes táticas, mas, sem dúvida
alguma, contando com a ação do time adversário que, além de ter seu próprio
modo de chegar ao gol, prepara-se também para anular o ataque inimigo, ajudado
atualmente pelos recursos da tecnologia: a análise acurada das táticas do
adversário, possibilitada pelo vídeo.
Não
há dúvida de que esses recursos e o próprio desenvolvimento das táticas futebolísticas
facilitam a tarefa dos técnicos. Não obstante, ainda assim, estão longe de
conseguir anular os fatores imprevisíveis, que são inerentes à natureza mesma
do jogo.
Ainda
esta semana, estava eu assistindo a uma partida de futebol pela televisão , quando me chamou a atenção a quantidade de
"desordem" que é inerente ao jogo: além do chute torto, da inesperada
intervenção do jogador adversário, há os deslocamentos que não são previstos
pelo técnico nem programados --nem poderiam ser--, e que podem resultar em gol.
A
consequência disso, como já ficou dito, é que qualquer time pode ganhar ou
perder uma partida, ainda que seja melhor ou pior que o outro, embora haja 22
jogadores em campo, tentando anular o acaso para que suas jogadas deem certo e
o gol aconteça; se não o conseguirem, a culpa será sempre do técnico, que sem dúvida
alguma, perderá o emprego. Já isso é coisa mais previsível no futebol.
Advirto,
porém, que essa minha tese sobre o acaso no jogo não significa que o Brasil
pode perder da Croácia. Em que pese a toda e qualquer teoria probabilística, a
nossa vitória é certa e a taça do mundo é nossa, pois, com brasileiro, não há quem
possa.
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