02
de novembro de 2013 | N° 17602
CLÁUDIA
LAITANO | HOJE EM ZERO HORA
O planeta dos
homens
O
Planeta dos Macacos, o livro de Pierre Boulle, completa 50 anos em 2013. O
Planeta dos Macacos, o filme original, 45. A distopia sobre um mundo dominado
por seres peludos em figurinos de época propunha uma espécie de paródia social
da humanidade, refletindo e problematizando algumas das principais questões dos
anos 60 – embora boa parte dos espectadores que assistiram ao filme comendo
pipoca ou tomando Nescau no sofá da sala provavelmente não tenha se dado conta.
Para
começar, os macacos eram separados socialmente conforme a raça. Gorilas eram
soldados e tiravam partido da força física para impor respeito, orangotangos
pertenciam à elite que queria deixar tudo como está, enquanto chimpanzés eram
curiosos, inquietos e defensores da ciência e das mudanças.
Como
acontecia com os humanos de forma especialmente intensa no começo dos anos 60,
a convivência com a diferença não era pacífica entre as raças, e havia
preconceitos de todos os lados. O tratamento dispensado aos homens, presos em
jaulas e usados como cobaias pelos cientistas símios, porém, não parecia
descabido nem mesmo para os avançados chimpanzés.
O
medo de que a guerra fria e a cabeça quente da humanidade acabassem dando cabo
do planeta é destacado no final apoteótico do filme: Charlton Heston avistando
sobre as areias de uma praia deserta um pedaço da Estátua da Liberdade – e
chegando à dolorosa conclusão de que a Terra que ele havia conhecido não
existia mais. Já no livro de Pierre Boulle o destino trágico da raça humana
aparece associado a uma questão que antecipava uma angústia contemporânea.
O
autor sugere que a derrocada da humanidade não foi causada pelas armas
nucleares ou pelas disputas geopolíticas, mas por algo bem mais prosaico e
aparentemente inofensivo: a preguiça. “O que está acontecendo poderia ter sido
previsto. A preguiça mental tomou conta de nós. Acabaram-se os livros. Até
mesmo histórias de detetive parecem exigir esforço demais de nós.”
À
luz da sensibilidade contemporânea, a forma como os humanos eram tratados pelos
macacos no livro e no filme pode ser entendida como uma crítica aos
experimentos com animais, embora o tema só tenha ganhado uma dimensão de
discussão filosófica em 1975, com a publicação de Libertação Animal, de Peter
Singer. De qualquer forma, já aparecia ali a semente do questionamento ético: temos
ou não o direito de nos colocarmos acima das outras espécies? Em que
circunstâncias? Sob que argumentos?
Na
segunda década do século 21, a questão ainda está longe de parecer resolvida.
Nos últimos 50 anos, o que consideramos aceitável em termos de sofrimento
humano – e também em relação ao que temos o direito ou não de impingir a outras
espécies – mudou bastante. A filosofia, que nos faz pensar em julgamentos
morais e nas consequências dos nossos atos, e a ciência, que nos propõe avanços
que podem ser úteis para toda a humanidade, nem sempre caminham de mãos dadas –
e o caso das pesquisas com animais é um exemplo em que as escolhas, ou os
“trade offs”, nem sempre são simples ou evidentes a um olhar apressado ou
apaixonado demais.
Virar
cobaia de chimpanzés vestidos de doutor pode não ser um risco muito sério para
a humanidade, mas os poderes destruidores da preguiça mental, como lembra
Pierre Boulle, nunca podem ser subestimados.
Li
e gostei
NU,
DE BOTAS
Um
dos grandes cronistas da sua geração, Antonio Prata revisita, com humor e
estilo, passagens da sua infância. Tri.
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