sábado, 2 de março de 2019


02 DE MARÇO DE 2019
ANA CARDOSO

Carnavalizar a vida


Não sou careta nem conservadora, não tenho religião e talvez até não seja chata (isso são os outros que têm que dizer). Te garanto que você pode me contar a história mais esdrúxula do mundo que eu não vou te julgar, talvez só peça mais detalhes. Ao vivo, falo bobagens e palavrões e não me preocupo com a opinião moral dos outros. Mas é fato: não sou do Carnaval. Purpurinas, lantejoulas e glitter: olá, seres de outro planeta!

Eu morro de preguiça de pensar em fantasia, chegar tarde, fugir de confusão na rua, perder filho no bloquinho. E, quando uma amiga me chama: vamos levar as crianças no bailinho do clube, no sábado à tarde? Socorro, já logo aviso: nem que a vaca tussa. Barulho, confete por uma semana na corpo todo, criança chorando, querendo comprar espuminha pra jogar nos outros? Às vezes, nos olhos dos outros. Os atingidos choram, e você sabe que a culpa é do seu filho: tô fora.

Tenho uma amiga de Porto Alegre, engraçadíssima, a Camila, que passou tanto tempo na fila pra comprar batata frita, no ano passado, que já até montou seu kit 2019: uma sacola térmica cheia de comidinhas. Como sentem fome as crianças de hoje. Fome de comidas superfaturadas, principalmente.

Para mim, o Carnaval é só um feriadão que define o começo de um calendário que exige mais comprometimento dos viventes. Mas nem sempre foi assim. Quando eu era adolescente, amava os blocos de rua, as marchinhas, a permissividade geral e ter esse limite de "fim das férias" muito bem estipulado. Passado o Carnaval recomeçava o frio, a chatice, a rotina e entrávamos em contagem regressiva para a Páscoa. Que significava viajar para a praia de novo, fazer a manutenção do bronzeado, esquecer um pouco da escola, ou da faculdade e da vida na cidade.

Hoje, o Carnaval é viagem, trânsito, bicicleta, vinho branco e mais trânsito na volta. Estou naquele misto de inveja e incompreensão por quem vive a esperar tal data. De minha parte, que pouco aproveito, mas entendo o ponto de vista de um folião - sugiro: que tal diluir a brincadeira do entrudo no calendário do ano todo, reduzindo a seriedade e se permitindo fantasias e brincadeiras de janeiro a dezembro?

ANA CARDOSO

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