sexta-feira, 29 de maio de 2020



29 DE MAIO DE 2020

ARTIGOS - Presidente da Federação Israelita do RSpresidencia@firs.org.br


AINDA O HOMEM CORDIAL


A partir da década de 1930, diversos intelectuais se debruçaram sobre a tarefa de interpretar o Brasil e o brasileiro. "Homem Cordial" é um conceito desenvolvido pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda em seu livro Raízes do Brasil. Na obra, o historiador analisa as virtudes dos brasileiros, como a hospitalidade e a generosidade, tão elogiadas por estrangeiros. A atitude polida equivale a um disfarce que permite cada qual preservar sua sensibilidade e suas emoções. A cordialidade, a seu turno, faz com que o brasileiro sinta, ao mesmo tempo, o desejo de estabelecer apreço e aversão a qualquer formalismo social.

Entretanto, as raízes do caráter brasileiro se encontram no meio rural e patriarcal do período colonial. Na prática, isto faz com que as relações familiares continuem a ser o modelo obrigatório de qualquer composição social entre nós. Assim, "as relações que se criam na vida doméstica sempre forneceram o modelo obrigatório de qualquer composição social entre nós". É por isso, em geral, que os indivíduos não conseguem compreender a distinção fundamental entre as instâncias pública e privada.

Buarque de Holanda acreditava que com o processo de urbanização, o "Homem Cordial" estaria fadado a desaparecer. A radicalização da democracia e a inclusão social deveriam ser os grandes pilares para o futuro da nação. A toda evidência, isso não ocorreu.

Ainda que Buarque de Holanda não seja unânime, não é exagero dizer que a ideia do "Homem Cordial" permanece viva no senso comum. A ideia de um brasileiro dominado pelo coração, pouco afeito à razão, é parte da cultura coloquial. Assim, a emotividade faz o brasileiro dividir o mundo entre amigos, os que merecem todos os favores, e inimigos, os que só merecem o rigor e a letra dura da lei.

Essa visão polarizada tem ficado ainda mais forte nos tempos recentes. E os tempos de crise são um terreno fértil para a radicalização. Vivemos no Brasil uma crise econômica, política, ética e sanitária. São tempos difíceis, através dos quais navegamos na busca de um novo modelo de sociedade e de país, tendo nesse processo a árdua tarefa de não nos afastarmos do Estado democrático de direito e, por consequência, do respeito às liberdades civis, aos direitos humanos e às garantias fundamentais.

SEBASTIAN WATENBERG

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