terça-feira, 26 de maio de 2020


26 DE MAIO DE 2020
NÍLSON SOUZA

Fome de pele



Somos seres tácteis por natureza. Quando nascemos, garantem os especialistas, o primeiro sentido que desenvolvemos é o tato. Crianças, gostamos de ser abraçados e afofados por nossos pais. Adolescentes, incendiamos com qualquer toque entre o couro cabeludo e a sola do pé. Adultos, aprendemos a usar o corpo de acordo com as circunstâncias sociais, que vão da intimidade à formalidade.

Apertar as mãos, até a chegada deste Voldemort invisível que nos assombra, era um gesto simbólico de civilidade originado da disposição do homem primitivo em mostrar ao seu interlocutor que estava desarmado. Com o passar dos séculos, nos tornamos mais afetivos e evoluímos para os beijinhos no rosto.

Um, dois ou três? Brasileiros de Norte a Sul nunca chegaram a um acordo. Tanto que o Ministério do Turismo, antes dessas reuniões ministeriais de baixo calão, chegou a publicar um Mapa do Beijinho com as preferências de cada Estado. Na maioria prevalecia a cota mínima, mas Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas e Sergipe apareciam com três. Há controvérsias, evidentemente, mas essa é mais uma discussão adiada para as calendas gregas.

Gregos e troianos certamente também se beijavam quando não estavam brigando. O mundo adotou o beijo como símbolo da afetividade e do amor. No dia 13 de abril, inclusive, comemorava-se até recentemente o Dia Internacional do Beijo, originado da história do jovem italiano que adquiriu a fama de ter beijado todas as mulheres de sua vila. Diz a lenda que o padre da localidade, indignado com a boataria, teria oferecido um prêmio em dinheiro para a mulher que nunca havia sido beijada pelo galã. Ninguém apareceu, e o tesouro continua escondido em algum lugar da imaginação de quem inventou essa anedota.

Pois beijos coletivos, abraços e apertos de mão estão temporariamente suspensos pela pandemia e pelas máscaras que passaram a fazer parte da indumentária globalizada. O novo comportamento está provocando um tipo de ansiedade que os psicanalistas já identificam como "fome de pele", causadora inclusive de insônia. A explicação científica: quando tocamos ou somos tocados, nosso organismo libera o hormônio serotonina, indispensável para o sono.

Era só o que nos faltava: sem poder sair à rua, sem abraçar e beijar as pessoas que amamos e, agora, sem conseguir dormir.

NÍLSON SOUZA

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