sábado, 19 de novembro de 2016



19 de novembro de 2016 | N° 18692 
LYA LUFT

A paciência e seus limites

Nem sempre as ditas virtudes são positivas: vejamos a humildade e a paciência. Humildade demais pode ser problema de baixa autoestima; paciência ilimitada pode ser fraqueza, negação da realidade, medo de prejudicar ou de perder.

Combinamos que aqui eu não escreveria sobre política, aliás para alívio meu, pois após vários anos fazendo isso, do jeito que as coisas andam, me dá uma certa alegria ser dispensada. Mas (Marta Gleich, “patroazinha” querida, me permita...) há coisas que não devem dormir na calada da noite do nosso silêncio. Quem tem voz e vez, o que acontece com jornalistas e seus colaboradores, vez por outra tem de sair do armário da discrição e falar. Ou escrever.

Parece que finalmente os brasileiros estão no limite de sua excessiva, longuíssima, humilíssima paciência: manifestações de toda sorte, inclusive aquela, assustadora embora pateticamente pequena, de cinquenta pessoas pateando em cima da mesa da presidência da Câmara dos Deputados, em Brasília, pedindo a volta da ditadura militar. Depois da longa sombra de sofrimentos para conquistarmos a democracia, isso pode parecer aberração passageira, mas há quem receie que se propague feito mais uma epidemia, que não causaria microcéfalos mas seria por eles produzida.

Hoje nem sou lírica, nem romântica, mas queria manejar palavras como bisturis: onde esteve nosso sentimento de honra, que por décadas nos permitimos ser administrados e explorados, conduzidos como bois mansos nos pastos de uma corrupção nunca vista? E agora, chamados a pagar alto preço por nossa negligência, alienação, comodismo ou cumplicidade, como faremos? Tiramos o filho da escola, reduzimos a comida na mesa, empilhamos dívidas e angústias, nos desesperamos, fugimos do país, fugimos da raia, caímos no crime porque neste país de mais de 12 milhões de desempregados é mais fácil ganhar dinheiro servindo de avião para algum traficante na esquina?

Num país em que a impunidade reina quando se trata desses crimes pecuniários, e dos outros, como assassinatos, decapitações, esquartejamentos, mortes de jovens, de famílias, de mães ou pais e criancinhas, quem nos dará conforto, estímulo, amparo e esperança? Ou por desesperança viraremos todos criminosos?

Acho tudo isso tão extraordinariamente cansativo e com nuances suicidas. Espero que de verdade tenhamos chegado ao limite da paciência, do comodismo e da humilhação, e que a gente saiba reagir: sem violência se possível, sem destruição, sem manipulação de mentes inexperientes ou desinformadas. Mas de peito aberto e cabeça clara, reclamando nosso direito primeiro: decência e dignidade. Nem ditadura militar, nem gritaria de uma esquerda aviltada, aliás sem essa divisão arcaica e pouco inteligente: todos juntos querendo um país melhor, um futuro possível, um primeiro passo firme para fora desse poço de ignomínia em que nos lançaram esses poderosos que, aos poucos, recebem sua punição extraordinariamente demorada e imensamente merecida – que pode nos salvar.

É verdade: hoje nem lírica, nem emotiva, escrevo com a natural indignação de quem também chegou ao limite da sua desmedida e já inaceitável tolerância.

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