terça-feira, 15 de novembro de 2016



15 de novembro de 2016 | N° 18687 
CARPINEJAR

Num único cômodo

Espaço demais sempre foi tristeza e solidão. Espaço demais sempre foi separação.

Felicidade era família reunida num único cômodo. Todos apertados na cozinha, falando pelos cotovelos, acotovelando as janelas. A mãe me pedia para provar a comida na colher de pau – um dos filhos virava o perito do sal enquanto os outros reclamavam que também queriam experimentar.

A sala vazia, os quartos vazios e nós sem conseguir caminhar na cozinha, espremidos entre a mesa e as cadeiras. Lembrava um abrigo antiaéreo, mas a única explosão vinha das gargalhadas. Lembrava um cativeiro, mas quanta liberdade para abraçar. As paredes invejavam a porta da geladeira, que abríamos e fechávamos sem parar.

Seis pessoas felizes pelo simples fato de estarem juntas preparando o almoço. Amávamos implicando, debochando, atazanando. Repetíamos as histórias e achávamos graça. O pai não terminava nenhuma piada, ria antes da hora. No fim, ríamos de sua risada.

O chimarrão convivia com o café, o pão se encontrava com a cuca, as bergamotas beijavam o pudim de leite, Lua e Sol se enxergavam, e emendávamos os horários.

Ou quando nos reuníamos no sofá para assistir televisão de noite, amontoados em cômoros de colos e disputando a cauda do cobertor de lã. Ou quando deitávamos na cama dos pais para contar as novidades, encaixados num quebra-cabeça de gente, pernas de irmãos na cabeça, minhas pernas na cabeça de irmãos, pois virados havia economia de lugar.

Que alegria espantosa não depender de mais do que 16 metros quadrados.

E ainda quando lotávamos o carro. Nenhum conforto, não se podia respirar, um ônibus de linha seria menos opressivo; as pernas e os braços fechados, o caçula quase tocando a cabeça no teto, porém não existiria limusine capaz de trazer tamanho contentamento. Nada substituía o momento do coral familiar entoando desafinado Roberto Carlos com o rádio ligado:

“Se você pretende saber quem eu sou/ Eu posso lhe dizer/ Entre no meu carro na Estrada de Santos/ E você vai me conhecer/ Você vai pensar que eu/ Não gosto nem mesmo de mim/ E que na minha idade/ Só a velocidade anda junto a mim...”

Nunca cantei no chuveiro, somente no carro com a família. A timidez desaparecia com aquelas vozes disputando corrida.

Jamais desejei morar num castelo e contar com uma Ferrari. O espaço não faz frente com quem divide o tempo.

Naquela época, tristeza costumava ser bife de fígado disfarçado de milanesa, no resto dávamos um jeito.

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