quarta-feira, 25 de novembro de 2009



25 de novembro de 2009 | N° 16166
PAULO SANT’ANA


O lixo nas praias

É fácil suportar a dor dos outros, difícil é suportar a própria dor. Não existe ditado mais verdadeiro do que “cada um sabe onde lhe aperta o calo”.

Medito, assim, que o homem verdadeiramente santo ou verdadeiramente sábio é o que chora pela dor alheia, o que sente na própria carne o sofrimento dos outros: eis um homem superior.

Se só sofrendo se consegue ser uma pessoa, então estou formado para a vida depois destas tonturas.

O pior da tontura é que na nossa volta ninguém mais a está sentindo.

E essa inveja que se sente dos que não estão tontos é uma dor ainda mais aguda do que a própria tontura.

A tontura priva o tonto de todos os prazeres, o de achar graça, o de rir, o de comer, até mesmo o de conversar.

Olho para os meus circunstantes e não entendo como eles podem não estar alegres, eufóricos, delirantes de alegria por não estarem tontos.

Comparo-me a eles e calculo que a nenhum deles sucede o acicate da dor permanente, da dor contínua, sem quartel.

Não há manifestação mais genuína de felicidade do que se estar apto para cantar ou para ouvir música. Um ser que canta ou ouve música é um ser feliz ou propício a ser feliz.

Isso me ocorre porque nesses longos dias de tontura nunca me sucedeu ousar cantar qualquer verso de tango ou de samba.

Adivinho que se for cantar ou ouvir qualquer melodia não usufruirei da música na essência do que ela é: a alegria do espírito.

Pode-se avaliar a felicidade das pessoas ouvindo-as cantar ou dançando.

Quem canta ou dança seus males espanta. O canto e a dança são o habeas corpus para a felicidade.

Não me ocorre beber, não me ocorre ler, não me tenta ser espirituoso em quaisquer conversas, a grande arma que sempre tive para cativar pessoas e cultivar amigos.

E o pior é que ninguém viu a minha dor chorando. O meu sofrimento não se mostra, ele é só meu, terrivelmente só meu, não consigo justificá-lo, sua invisibilidade ainda mais me amassa por não atrair de ninguém a compaixão.

Não tem jantar, não tem almoço, não tem bate-papo, esta tontura é uma dor que não tem programa, a dor da solidão.

Tento driblar a tontura com o trabalho. Pois ela me será muito mais dolorosa se eu me entregar ao ócio. Pelo menos o trabalho me distrai e atenua a náusea.

E, enquanto cismo absorto em dor, leio que o prefeito do Rio de Janeiro critica violentamente os seus munícipes.

O usual é os munícipes criticando o prefeito. Lá, não. O prefeito chama os habitantes do Rio de Janeiro de “porcos” por sujarem a cidade: mais de sete toneladas de lixo são retiradas diariamente só das praias do Rio.

Ninguém se aplica em colocar o lixo nas lixeiras, o trabalho de recolhimento dos detritos é gigantesco, as verbas gastas com isso são monumentais, parece que os banhistas se comprazem em ir largando o lixo onde ficam e por onde passam.

Isto de jogar o lixo fora sem colocá-lo na lixeira é um vandalismo, por ele se pode aferir o caráter de um povo.

Não é só nas praias, onde o lixo fica mais visível, mas qualquer detrito que jogarmos fora em qualquer parte das ruas passa a ser algo que se volta contra nós. Essa despesa com o recolhimento do lixo recairá em nossos próprios bolsos.

Nisso e em outros mil detalhes, o Brasil demonstra estar muito longe ainda de um patamar razoável de civilização.

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