quarta-feira, 25 de novembro de 2009



25 de novembro de 2009 | N° 16166
MARTHA MEDEIROS


Vidas de plástico

Assisti no DVD a um filme que me sensibilizou, ainda que não tenha feito muito barulho quando esteve em cartaz, ao menos não que eu lembre. É uma produção norte-americana chamada A Garota Ideal.

É a história de Lars, um homem tímido e fechado em si mesmo. Ele mora nos fundos da casa do irmão e da cunhada, que tentam atraí-lo para uma vida mais social, só que ele não quer saber de fazer amigos, não tem namorada, vive da casa pro trabalho, do trabalho pra casa, sem nem mesmo apertar a mão de ninguém – é refratário a qualquer toque. Sua solidão não é bem aceita, e tanto pegam no seu pé, que ele encontra uma solução para que o deixem em paz: compra uma boneca sexual pela internet.

O que poderia não passar de uma piada vira um constrangimento, porque Lars trata Bianca, a boneca, como uma mulher real. Conversa com ela, a leva à mesa na hora das refeições, apresenta aos amigos, deixando a todos perplexos com esse delírio.

Uma psicóloga acaba sendo convocada e, pra surpresa geral, recomenda que todos entrem no jogo de Lars, tratando a boneca como uma mulher de verdade – é o único meio de ajudá-lo. E mais não conto, mas acreditem, esse roteiro aparentemente estapafúrdio rendeu um filme terno e inteligente.

Mostra um homem se refugiando na fantasia para vencer seus traumas e mobilizando todo um vilarejo a fazer o mesmo: a população, solidária, trata a boneca como se ela tivesse pensamentos e vida própria.

Em determinado momento do filme, Lars está saindo da igreja com a sua “namorada” (que se locomove numa cadeira de rodas: seria demais exigir que ela caminhasse) quando uma moradora da cidade deixa no colo da boneca um buquê de flores artificiais. Lars agradece, se afasta com a cadeira e sussurra à namorada: “Não são de verdade, por isso vão durar para sempre”. É a frase que, a meu ver, resume não só o filme, mas um comportamento que está se tornando epidêmico.

A melhor maneira de fugir dos problemas é inventar uma vida em que tudo dê certo. Não por acaso, as relações virtuais andam com um ótimo cartaz, já que, em vez de serem realizadas, elas são controladas à distância.

Você se relaciona com fotos, com palavras tecladas, com alguém que está amenizando a sua carência sem que haja interação pra valer – é a legítima “proteção de tela” para ambos. Assim, fica fácil alcançar o romance ideal: como não há um envolvimento de fato, também não haverá decepções de fato.

Flores artificiais não perdem a cor e não precisam ser regadas, por isso se assemelham às relações dos nossos sonhos: são imortais. No entanto, não têm beleza, cheiro, não exigem dedicação, há apenas tédio, e acabam esquecidas num canto.

Não são de verdade, já que a verdade pressupõe mais instabilidade e emoção. Um amor de plástico, assim como flores de plástico, apenas servem para não dar trabalho, mas seu valor é nenhum. Onde não existe a possibilidade de morte, a vida não acontece.

Aproveite o dia. Uma ótima quarta-feira para vc

Nenhum comentário: