quarta-feira, 27 de novembro de 2024


27 de Novembro de 2024
CARPINEJAR

Brutalidade enrustida

Se não fosse a insistência da família em obter as filmagens de segurança, um homicídio talvez tivesse sido sempre tratado como suicídio.

Se não fosse a cobrança pública dos familiares que criaram um perfil nas redes sociais com o nome "Justiça por Carol", jamais a verdade viria à tona.

A advogada Carolina Magalhães morreu em 2022. Considerou-se a versão de que ela havia pulado do oitavo andar de seu prédio em Belo Horizonte (MG), mas novas investigações agora apontam que ela foi derrubada pelo namorado, também advogado.

Mais de dois anos após o crime, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais aceitou a denúncia do Ministério Público de Minas Gerais e converteu o namorado em réu.

De acordo com a hipótese da Polícia Civil, na noite do crime, em 8 de junho, por volta das 23h, ele teria sedado ou agido com força para tirar a consciência de Carolina, limpado e organizado o local, colocado roupas de cama na máquina de lavar e recolhido pertences.

Em seguida, teria cortado a tela da varanda, descartado a tela na lixeira da cozinha, guardado a tesoura e jogado o corpo dela pelo buraco na tela - a polícia não conseguiu descobrir se a vítima já estava morta quando caiu.

Segundo depoimento na época, ele se encontrava no elevador quando ouviu um estrondo, que seria da queda, o que não deixa de ser um tanto inverossímil.

A ex-mulher do suspeito tinha entrado com uma medida protetiva porque ele havia dito que iria matá-la. Ele também apresentava um histórico de agressões psicológicas e físicas contra Carolina, frequentemente a desqualificando e desmoralizando. Dizia que ela era deprimida, louca, ciumenta, que passava o tempo todo atrás dele. Na realidade, ela tentou terminar a relação várias vezes, pois sabia que corria riscos.

Não fazia sentido a narrativa de solitário desespero, já que Carolina sempre foi vista como uma pessoa otimista, alegre e uma profissional excepcional, braço direito do pai no escritório de advocacia.

Penso que essa tragédia é a ponta do iceberg de falsos boletins de ocorrência no país. O que deve existir de mortes simuladas em episódios de violência contra a mulher? O que deve existir de suicídios que nunca foram investigados, e ficou-se com a história do agressor, o último a ver a pessoa com vida? Nem sempre há câmeras. Nem sempre há testemunhas. Nem sempre há a reivindicação dos parentes, até porque predomina um preconceito com atentado à própria existência, uma discriminação constrangida que leva o círculo íntimo de afetos a esconder o fato e negar maiores detalhamentos.

E muitos assassinos estão circulando livremente, casando de novo, repetindo padrões de comportamento, destruindo reputações até que ninguém mais acredite nas vítimas. Até que ninguém desconfie da frieza das tramas e emboscadas.

No Brasil, a cada seis horas, é registrado um feminicídio. Creio que aconteçam secretamente muito mais nesse intervalo de seis horas. Nossos minutos sangram. _

CARPINEJAR

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