terça-feira, 26 de novembro de 2024



26 de Novembro de 2024
SISTEMA JUDICIÁRIO

Como práticas

restaurativas podem ajudar a mudar vidas

Sistema judiciário - primeira pauta rbs

Método de resolução de conflitos por meio do diálogo pode ser aplicado tanto na esfera criminal quanto em outros contextos. Estado recebeu estrutura pioneira em 2004

Quando Amarildo Moreira, 61 anos, relata sua experiência com a Justiça Restaurativa, fala também de acolhimento. Fruto de um contexto familiar marcado por violência e vulnerabilidade socioeconômica, ele foi detido pela primeira vez aos 14 anos e encaminhado para a Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (Fase).

Ao atingir a maioridade e ser solto sem passar por reabilitação, Amarildo seguiu cometendo crimes. Foi responsável por assaltos a bancos e chegou a figurar na lista dos 10 homens mais procurados do Estado. Preso, passou 32 anos em regime fechado antes de progredir para o semiaberto, no qual permanece até hoje.

Foi por meio da Justiça Restaurativa que enxergou a verdadeira possibilidade de um novo futuro. Ele e outros detentos passaram a participar de Círculos de Construção de Paz - rodas de conversa mediadas por psicólogos, advogados ou assistentes sociais que passam por uma formação específica.

- Foi justamente o farol onde consegui achar uma luz. Encontrei pessoas que não estavam ali pra questionar o que eu tinha feito, e sim me acolher e me ajudar a me posicionar e permitir que eu encontrasse os meus valores - conta.

Nova visão

Leoberto Brancher, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado, que participou em 2004 da criação do Núcleo de Justiça Restaurativa da Escola da Associação de Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), iniciativa pioneira no Brasil, define a Justiça Restaurativa como uma nova visão sobre o crime e o conflito que subverte a noção de punição e culpa.

- Ao invés de ter um foco na lei, no culpado e no castigo, você tem o foco no dano, na pessoa atingida e na reparação desse dano - explica. 

Saiba mais

A Justiça Restaurativa pode ser definida como um método de resolução de conflitos, e aplicada tanto na esfera criminal quanto em outros contextos, como em casos de bullying escolar ou de tensões entre familiares. A psicóloga e facilitadora de práticas restaurativas Rafaela Duso explica que a Justiça Restaurativa pode ser utilizada também como uma ferramenta de caráter preventivo.

Casos criminais podem chegar às mãos dos facilitadores de Justiça Restaurativa de diversas formas. Os próprios envolvidos nos casos podem requisitar a mediação por meio de práticas restaurativas para um juiz, que então avalia o caso. Além disso, o artigo 319 do Código Penal fundamenta a possibilidade de um juiz analisar a viabilidade da implementação da Justiça Restaurativa nos casos pelos quais é responsável, o que pode ocorrer em qualquer uma das fases do processo criminal.

Isso foi o que ocorreu no caso da advogada Daiane Vidor, 41 anos. Em 2002, ela, sua mãe e seu filho, que tinha oito meses, foram rendidos dentro de casa e assaltados por três infratores armados. No mesmo dia, os três foram detidos, e Daiane e sua família descobriram que eles eram seus vizinhos de bairro e dois deles eram menores.

Por sugestão do juiz Leoberto Brancher, Daiane e sua mãe aceitaram participar de uma série de diálogos com os dois menores, que haviam sido encaminhados para a Fase, e suas famílias. Na época, as práticas restaurativas ainda davam seus primeiros passos no Brasil, por isso o caso de Daiane é considerado pioneiro.

Para a vítima, o método foi um meio de processar o trauma e enxergar o lado humano dos infratores, até então vistos por ela apenas como ameaça. - Nos deu a tranquilidade de que, com eles, a gente não precisava mais se importar, porque não iam mais fazer aquilo - conta.

Esta reportagem foi produzida por Ana Claudia Gonzalez, aluna de Jornalismo na UFRGS e uma das cinco vencedoras da edição 2024 do projeto Primeira Pauta RBS

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