A torcida no jejum de títulos
Sou um devoto das torcidas do futebol. O clube se faz pela sua massa febril, passional, incansável. Eu me segurei para não chorar assistindo ao reencontro do Racing com um título internacional depois de 36 anos, apesar de abater um time brasileiro com que simpatizo.
No sábado, venceu o Cruzeiro por 3 a 1 na final da Copa Sul-Americana, em Assunção, no Paraguai.
Parecia que aquela torcida argentina iria engasgar de felicidade, parecia que iria tombar de ataque cardíaco, parecia que não aguentaria a celebração, parecia que jogaria para o alto os radinhos, os celulares, os fones de ouvido.
Foi um triunfo cheio de coincidências. Gustavo Costas, de 61 anos, comandou o Racing em sua quarta passagem pela casamata. Era ele que tinha ganhado o último certame fora do país, a Supercopa de 1988 contra o próprio Cruzeiro.
A história é cíclica, e garantiu ao veterano treinador o papel de predestinado. A taça deveria mesmo retornar pelas suas mãos. Testemunhando a folia das bandeiras brancas e azuis, entendi melhor o quanto a paixão é uma triagem dos torcedores.
Racing é um time que superou longas abstinências, como a de um título nacional por 45 anos - curiosamente o mesmo hiato que amarga o Internacional.
Isso dá lugar exclusivamente a admiradores incondicionais, soldados da linha de frente. Quem acompanha o milagre do Inter no Brasileirão, com a invencibilidade de 16 jogos, tem se encantado com o movimento fervoroso das arquibancadas. Nunca vi antes tamanho barulho, nunca vi antes tamanha adesão, nunca vi antes igual frenesi.
Trata-se de um povo sofrido, e absolutamente leal. Justamente porque se manteve leal durante o sofrimento. Cada partida lota como se fosse uma decisão. O jejum de títulos do Inter por oito anos, em vez de enfraquecer sua horda de fiéis seguidores, apenas a fortaleceu.
Só ficou quem é colorado raiz. Só ficou quem é colorado de alma. Só ficou quem tem um amor gigante, irreversível, inexplicável. Quem está no Beira-Rio é fanático. Quem está no Beira-Rio é doido de pedra. Quem está no Beira-Rio jamais desistirá de exibir sua filiação. É pai, filho ou neto do manto vermelho.
Que venha chuva ou sol na cabeça, estaremos lá, sentinelas de um escudo, cantando os hinos de guerra e de louvor.
Os simpatizantes, os passivos, os influenciados, os pouco praticantes debandaram no período sem nenhum caneco. Não suportaram a estiagem. Não resistiram à flauta. Sucumbiram à rotina, pois se mostravam presentes por capricho, devido a circunstâncias felizes e casualidades da glória.
Os torcedores de modinha surgem com as faixas no peito, para filmar as Ruas de Fogo. Os torcedores de verdade são os que apoiam nos piores momentos e tormentas, são os que engolem as cinzas frias do asfalto.
As derrotas têm o poder de eliminar a claquete de ocasião, de ostentação, de orgulho emprestado. Pois é muito fácil torcer quando a maré é boa, quando há conquistas com frequência. Não existe como determinar a pureza do sentimento. Difícil é torcer com entusiasmo diante dos revezes do esporte.
É improvável o tetra do Inter, dependente de resultados paralelos e de três complexas vitórias em cima de adversários diretos (Flamengo, Botafogo e Fortaleza), mas não é impossível. Nada é impossível para quem esperou tanto.
Talvez não seja neste ano, talvez seja no ano que vem, talvez no outro ano ainda: o que eu sei é que nada mudará a exuberância da torcida colorada. Ali só tem gente de garra. O que eu sei é que a nossa torcida merece a volta olímpica. Ali só tem gente de fé. _
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