segunda-feira, 4 de março de 2019


04 DE MARÇO DE 2019
CELSO LOUREIRO CHAVES

PAUSAS

Um vídeo que está no YouTube registra uma ocasião, já faz algum tempo, em que o maestro Riccardo Muti aproveita uma pausa na ópera de Roma para discursar. Foi durante uma performance do Nabuco de Verdi, que tem o coro que todos querem que, uma vez terminado, seja repetido de novo e de novo. Ainda mais na Itália, pois o coro, o celebrado "Va Pensiero" ("Vai, pensamento..." numa tradução a machado), é o hino italiano extraoficial.

Uma das palavras que Verdi mais colocou em música é "pátria" e esse coro não é diferente. Na época das turbulências revolucionárias na Itália do século 19, "Va Pensiero" lamenta uma "pátria tão bela e perdida".

Pois Muti aproveita a letra e se vira para a plateia para dizer, entre outras coisas, que se matamos a cultura - se referia aos italianos do início dos 2010 - aí sim a pátria seria mesmo bela... e perdida. De fato, é fácil matar a cultura: um documento impessoal, uma assinatura, uma divulgação e está feito. Esforços de anos - décadas? - desaparecem.

Não é a primeira vez que orquestras desaparecem da cena do Rio Grande do Sul. Agora foi uma universidade local que acabou com a sua, sem mais explicações do que uma nota neutra que vai no diapasão do "fi-lo porque qui-lo" de Jânio Quadros, e foi pela segunda vez. Assim, a surpresa já é menor desta vez, pois na primeira era a herança longa de José Pedro Boéssio que se destruía. Hoje José Pedro é nome de rua e parece que basta ele ser lembrado por quem tenta chegar ou sair da Arena do Grêmio, sem nem pensar no tanto que ele fez pela música.

O estado das orquestras rio-grandenses - fora a Ospa - é sempre periclitante. Um pouco como a ciclovia da Ipiranga, um cai não cai para dentro do riacho do esquecimento. Às vezes, muitas vezes, as orquestras desabam mesmo e é clave de sol, colcheia, semínima para todo lado. As instituições mantenedoras das orquestras parecem não ter consciência daquilo que criaram e da cultura que disseminavam, como tarefa fundamental da sua razão de ser. Por isso, quanto mais revejo o discurso de Riccardo Muti, mais ele se atualiza, tal é o descaso frequente com nossas coisas culturais.

cglchave@portoweb.com.br - CELSO LOUREIRO CHAVES

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