terça-feira, 24 de outubro de 2023



24 DE OUTUBRO DE 2023
CARLOS GERBASE

A máquina fotográfica

Aconteceu alguma coisa com a fotografia quando ela passou a ser, para os amadores, uma função dos celulares. Não vou discutir se foi uma coisa boa ou uma coisa ruim. Cada um que pense como quiser. Vamos aos fatos. Ao ser inventada, em 1826 (Niépce), 1836 (Hercule Florence) e 1839 (Daguerre), a fotografia era complicada. Envolvia artefatos grandes, caros, e processos químicos demorados. Até 1888, quando Eastman lançou a Kodak nº 1, não havia fotógrafos amadores, apenas profissionais. O lema de Eastman era "Você aperta o botão, nós fazemos o resto." Funcionou. O fazedor de imagens nem precisava colocar o filme dentro da máquina, o que sempre foi uma tarefa difícil para algumas pessoas. Surgiu uma indústria gigantesca.

Usei, três linhas atrás, a palavra máquina. Meu primeiro artefato de produção de imagens através de sais de prata chamava-se Kodak Rio-400. Era uma máquina fotográfica. No início dos anos 1970, a palavra câmera já existia, mas o termo máquina era mais comum. Embora fosse um aparelho simples - era enquadrar e apertar o botão, não muito diferente do que fazemos agora com o celular -, havia a limitação do número de fotos em cada filme. No caso da Rio-400, apenas 12. Antes de apertar o botão, eu pensava: É isso mesmo? Vale a pena? Não vou me arrepender? A digitalidade acabou com esse raciocínio. Você aperta o botão, ninguém mais quer saber do resto. Não há uma máquina fotográfica num celular. Há uma "função câmera".

Quando o termo máquina desapareceu, desapareceram com ele muitos outros: diafragma, obturador, tempo de exposição, sensibilidade do filme, distância focal, profundidade de campo, e por aí vai. Os fotógrafos profissionais sabem o que eles significam, pois suas máquinas permitem esses ajustes, mesmo que não usem mais filme. Os amadores, contudo, em especial as novas gerações, fotografam, em sua grande maioria, como se não estivessem usando uma máquina. Os celulares são próteses do seu olhar, e é interessante ver como esse olhar é direcionado, em larga escala, para o próprio dono do celular e não para algo em frente. Novos tempos? Com certeza. Bons tempos?

Que fique claro: celulares podem fazer ótimas fotos e até ótimos filmes de cinema. Podem ser a porta de entrada para uma carreira brilhante. Podem ser ferramentas de autoexpressão. Podem democratizar a produção de imagens. No entanto, só serão isso se, como Vilém Flusser explica, o fotógrafo compreender a máquina em suas mãos e souber utilizá-la. Encerro a coluna com uma frase de Roberto Silva, fotógrafo gaúcho que admiro: "O Tri-X puxado pra 800 ASA é a coisa mais primorosa que tem na vida!". Concordo com ele. Não entendeu? Sinto muito. Pra entender, será preciso estudar a máquina fotográfica e sua história. Garanto que vale a pena.

CARLOS GERBASE

Nenhum comentário: