terça-feira, 17 de outubro de 2023


17 DE OUTUBRO DE 2023
NÍLSON SOUZA

Provoquei um ciclone

Sou frequentador assíduo da feira orgânica do bairro Tristeza, na zona sul da Capital. Com a orientação de minha companheira de vida, que nasceu e cresceu entre agricultores em São Domingos do Sul, costumo comprar frutas e verduras para o nosso consumo semanal. Nem sempre acerto na quantidade necessária. Outro dia, tive que colocar no lixo três laranjas-do-céu que já apresentavam pontos de mofo. A consequência foi um desses ciclones que assolam o Estado.

Se não provoquei sozinho, contribui para provocá-lo. Infelizmente, não estou brincando. Estou, sim, confessando um grave erro, embora com os atenuantes da ignorância e da desatenção. O desperdício alimentar - só fiquei sabendo recentemente - é uma das causas da crise climática que atormenta a humanidade. Aprendi isso assistindo a uma palestra da professora portuguesa Iva Miranda Pires, que abrirá na próxima quinta-feira o 11º Fórum Internacional de Gestão Ambiental, evento promovido conjuntamente pela ARI e pelo Ministério Público em Porto Alegre.

Pesquisadora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, ela é responsável por uma bem fundamentada investigação sobre o desperdício de alimentos na Europa. Em 2012, coordenou em seu país o projeto Perda (Projecto de Estudos e Reflexão sobre o Desperdício Alimentar). A sigla até pode parecer engraçadinha, mas o assunto é sério e merece total atenção.

A coisa funciona assim: desperdiçamos diariamente restos alimentares, compramos mais do que precisamos consumir, a agropecuária produz cada vez mais, o gado e os grãos precisam de espaço, desmata-se, polui-se - e, diariamente, o Cleo Kuhn nos avisa que vem aí mais uma temporada de inundações, de estiagens, de chuvas de granizo e outras turbulências climáticas.

A gente nem se dá conta do desperdício. Dona Iva alerta: o supermercado oferece dois pacotes pelo preço de um - e a gente leva. Obviamente, vai sobrar alguma coisa. No restaurante ou na cantina da empresa, sempre fica algo no prato - e vai para o lixo, pois seria inadequado doar nossos restos para outras pessoas. Em alguns países da Europa, a legislação obriga os restaurantes a disponibilizar recipientes para que os clientes levem as sobras para consumir em casa.

De acordo com a especialista, nem precisaria haver mais desmatamento para garantir o abastecimento da população mundial se os desperdícios alimentares fossem controlados. Já anotei: na próxima visita à feira, três laranjas a menos.

NÍLSON SOUZA

Nenhum comentário: