quinta-feira, 12 de outubro de 2023


12 DE OUTUBRO DE 2023
CARPINEJAR

Antígona

Eu temo o luto não vivido. O luto adiado. O luto que você não tem tempo nem espaço para sofrer inteiramente. Você é constrangido a não chorar, a não se emocionar, a reprimir suas manifestações mais sinceras de saudade.

O luto é um rito tão importante, tão sagrado, tão necessário que a peça mais encenada no mundo é Antígona, de Sófocles, escrita há 2,5 mil anos.

No conhecido enredo, Antígona se insurge contra o rei, seu tio Creonte, para poder enterrar seu irmão Polinice. A decisão do trono é de que ele não seria sepultado, ficando o corpo exposto a céu aberto, propenso ao ataque das aves de rapina e das hienas.

Antígona não aceita o desrespeito com a passagem e quer cumprir o processo do enterro, não importando os motivos políticos e ideológicos que cobriram o falecido de um completo banimento (matou seu outro irmão, Etéocles, e tombou no mesmo duelo).

A desobediência de Antígona tem como propósito maior honrar os mortos. Nenhum decreto, nenhuma lei pode impedi-la.

Seu desespero não acontece por uma questão de sobrevivência, para salvar uma vida, mas para garantir postumamente a paz de uma alma. O arquétipo da irmã procurando justiça contra tudo e contra todos ilustra como a sociedade proíbe o pesar do enlutado, obrigando-o a virar as costas a quem amou e retomar a normalidade de seu dia a dia.

Veio-me à mente a popularidade da tragédia do dramaturgo grego quando me encontrei com leitora em Muriaé, no interior de Minas. Ela havia perdido seu filho de 13 anos. Esperou o fim da palestra, da fila de autógrafos, aguardou que as pessoas tirassem selfie comigo e saíssem do meu entorno, para conversar em particular.

Confiava em mim por algum motivo de Deus. Eu passava a ser um estranho íntimo de seu silêncio.

Ela contou que tinha a sensação de que somente ela se lembrava de sua criança. Evocava aquela existência de modo isolado, como uma Antígona dos tempos modernos. Os anos passavam, e unicamente ela seguia a recordar o seu filho diariamente, a enterrar o seu filho diariamente.

Eu perguntei: - Seu filho foi feliz? Ela me confidenciou:

- Muito. Sempre tinha um sorriso no rosto. Era um menino festejado pelos seus colegas da escola. Vivia brincando em família e sendo carinhoso.

Eu respondi: - Isso é o que importa. Há gente com 80 anos que jamais foi feliz na vida. Ele conseguiu o mais difícil. Não dá para dizer que sua estada tenha sido curta, mas intensa e inesquecível. Conquistou a felicidade precocemente ao seu lado.

Ela entendeu o recado e me sorriu como se fosse uma menina, irmã do seu filho.

CARPINEJAR

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