quarta-feira, 28 de março de 2018


28 DE MARÇO DE 2018
DAVID COIMBRA

A entrevista de Moro e a sangria estancada


Moro devia dar mais entrevistas. É o momento para tal. Eu mesmo o entrevistei, tempos atrás, e ele parecia reticente, esquivava-se de assuntos pedregosos. Agora, não. Agora, como demonstrou na entrevista ao Roda Viva, na segunda-feira, expressa-se com fluência, clareza e naturalidade. Jamais se emocionou, jamais se irritou, exsudava segurança no que dizia.

Não conseguiu explicar a questão corporativa do auxílio-moradia, é verdade, mas nenhum juiz conseguiria, porque não tem explicação. De resto, o programa foi como um painel se abrindo diante do telespectador, com tudo bem posto, quase esquematizado.

Ontem, prestei atenção aos comentários dos críticos do juiz, que são, obviamente, os defensores dos políticos criminosos. Nem eles conseguiram encontrar defeitos no conteúdo do que foi dito por Moro. Limitaram-se à forma: a voz de Moro é irritante, ele é morno, os entrevistadores foram condescendentes, por aí. Irrelevâncias.

Um brasileiro que de fato quer o bem do Brasil, e não apenas de seu grupo político, não pode deixar de reconhecer a importância do trabalho de Moro e sua postura profissional e reta.

O programa marcou, também, a despedida de Augusto Nunes do Roda Viva. Augusto é um jornalista que desperta paixões e ódios devido a suas opiniões rascantes. Trabalhei com ele nos anos 1990, em Zero Hora. Foi trazido pela direção da RBS para quebrar certos paradigmas do jornalismo gaúcho, e, naqueles anos, o jornalismo gaúcho mudou. O texto e a apuração passaram a ser valorizados como nunca, e novo espaço foi aberto para repórteres talentosos, como o Marcelo Rech, o Nilson Mariano, o Humberto Trezzi e o Carlos Wagner, entre tantos outros de alto quilate. 

Na imagem, um monstro, Kadão Chaves, cuidava da fotografia, enquanto Luiz Adolfo fazia o planejamento gráfico. Eticamente, Zero Hora encampou uma revolução: naquele tempo, todos os veículos aceitavam que seus jornalistas trabalhassem também em assessorias de imprensa, em geral na mesma área de cobertura de suas editorias. O jornal proibiu o duplo emprego e inaugurou novo padrão moral nas redações.

É evidente que aquele era um sério problema ético dos jornalistas, mas ninguém se questionava a respeito, porque todos procediam assim. Ou quase todos. O que me leva a fazer uma relação com o caso do auxílio-moradia dos juízes. Esse benefício não era considerado imoral porque todos recebiam. Mas os tempos mudam, e é preciso se adaptar. Suponho que os juízes também se adaptarão.

Mas o tema do auxílio-moradia foi secundário na longa e histórica entrevista de Moro. O principal foi sua abordagem didática de assuntos nevrálgicos do Brasil, entre os quais o que, hoje, é o mais delicado: o julgamento do habeas corpus de Lula pelo Supremo, no dia 4. É esse julgamento que, na prática, decidirá acerca do cumprimento da pena a partir da segunda instância no país inteiro.

Moro foi preciso: seria muito bom se todas as instâncias da Justiça pudessem ser esgotadas com o réu em liberdade. Seria o ideal, porque haveria menos chances de se cometerem injustiças. Porém, da forma como funciona a Justiça brasileira, a proibição da prisão em segunda instância assegura o contrário: assegura o cometimento de injustiças, porque beneficia o rico e o poderoso, aquele que tem recursos para pagar bons advogados e arrastar o processo infinitamente, até ser beneficiado pela prescrição da pena. O julgamento do habeas corpus de Lula, por isso, é simbólico. Se for concedido, garantirá a impunidade no Brasil. E encerrará a Lava-Jato. A sangria estará estancada, como querem muitos. E tudo ficará como sempre foi.

DAVID COIMBRA

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