terça-feira, 17 de dezembro de 2013


17 de dezembro de 2013 | N° 17647
LUÍS AUGUSTO FISCHER

Vocês, brancos

Ano chegando ao fim, mais um motivo para a gente dar balanço na vida, medir o que passou com o que ficou. Hora de celebrar a vida – aí, valeu, vida! –, mas também de lembrar de quem já não anda mais aqui.

Neste ano, vivi duas felicidades nascidas do passado: dois caros amigos, já falecidos, por assim dizer, reviveram, porque suas obras voltaram ao convívio do leitor. Um deles se chama Luiz Sérgio Jacaré Metz, e sua sensacional novela Assim na Terra está aí, em flamante edição da Cosac Naify.

O outro se chama Jorge Pozzobon, faleceu em 2001, no auge de sua carreira de antropólogo, mas no comecinho de uma promissora carreira de escritor. É o que se lê em uma reedição, pela editora Azougue, do Rio, de uma maravilha chamada Vocês, Brancos, Não Têm Alma.

A frase, nem precisava esclarecer, é de um índio. Pozzobon conheceu de muito perto, em convivência de vários anos, os Maku, uma tribo das mais peculiares. É gente desprezada, ou ao menos muito mal vista, por quase todos os índios da Amazônia.

Os Maku são esculhambados, não parecem caber em descrição técnica regular, casam em alianças nada comuns, chegam a extremos de roubar mandioca de outras tribos, quando se irritam ou ficam desconformes abandonam a aldeia e vagueiam por um tempão, como que para espairecer. Ao contrário da generalidade dos índios da região, vivem nas terras secas entre os rios. Não é raro que sejam pensados como os ciganos dos índios.

Pois é a essa gente que o velho Pozzo dedicou sua melhor atenção, descrevendo-lhes a língua e tudo isso que um antropólogo faz. Mas neste livro não temos antropologia em sentido estrito, científico: temos uma mão de romancista a serviço do relato dos espantos sucessivos do autor com a vida cotidiana dos Maku. Bom de ler como um grande romance, embora sejam 14 textos, de variados formatos (até dois roteiros para filme).


E o derradeiro texto, meu amigo, é para a gente lamentar que o autor tenha morrido tão jovem e com tão pouca publicação. Aproveitando a época, dá para dizer que Jorge Pozzobon produz, na gente, uma epifania como os melhores natais podem produzir.

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