sexta-feira, 1 de novembro de 2013


01 de novembro de 2013 | N° 17601
DAVID COIMBRA

Café da tarde

Tem uma lancheria ali no Centro que se chama “Café da Tarde”. Cada vez que passo por ela, me sinto meio nostálgico. Lancheria Café da Tarde. Não é como Restaurante Almoço, de jeito nenhum. O café da tarde é quase um adjetivo, tem um significado mais profundo, representa outro tempo. Porque as pessoas tomavam café da tarde.

A minha avó, que era uma avó clássica, avó que passava o dia cozinhando e que se orgulhava dos acepipes que preparava, pois a minha avó, lá pelas quatro horas, nos chamava para o café da tarde. Sentávamo-nos em torno à mesa e ela nos servia os ortodoxos pão com manteiga e café com leite, mas também servia chimia que ela mesma fazia. E queijo. E salame. Se chovia, bolinho de chuva, é claro. Algumas vezes, raras vezes, minha avó fazia rabanada, e então o dia se tornava especial.

Depois, quando me mudei para Santa Catarina, morava a meia quadra da redação do jornal. A folhas tantas de alguma tarde, quando estava em meio a um lide qualquer sobre um latrocínio vulgar, de repente minha colega Nádia Couto levantava a cabeça do teclado, olhava para mim e suspirava:

– Que vontade de comer pão com ovo acompanhado de um bom café preto...

Eu sorria: – Vamos?

Em cinco minutos, estávamos no nosso apê no 10º andar. Ela preparava o café e eu os ovos fritos. Posso me gabar de saber fritar um ovo, o que é muito mais difícil do que parece, incréu leitor. Um ovo que tenha as bordas levemente tostadas, nunca enegrecidas, mas douradas como a pele das loiras bronzeadas no verão, a clara dura como a alma das mulheres e a gema mole como meu coração, além de estar salgado no ponto exato, esse ovo não é qualquer um que faz.

Eu faço.

Fazia para mim e para Nadinha, e nos repimpávamos furando a gema com o garfo e vendo-a escorrer pelo miolo branco do pão, que se intumescia daquele creme de ouro.

Era um tipo de café da tarde. Dos melhores tipos.

Mas o mundo de hoje não comporta cafés da tarde. Não. O mundo de hoje tem pressa de tuitar e medo do colesterol. As avós não cozinham mais, elas estão ocupadas em postar no Facebook, pão com ovo frito está fora de quaisquer cogitações culinárias, o salame é desprezado, e rabanada, quem hoje sabe fazer rabanada? Que mundo esse, um mundo sem café da tarde. Por isso, sonho acordado, quando passo em frente àquela lancheria, e lamento: quem diria que viveríamos em um mundo sem avós de avental e sem café da tarde.

As velinhas


Amanhã é o lançamento do meu livro As Velhinhas de Copacabana e outras 49 crônicas que gostei de escrever. De fato, gostei muito de escrevê-las. Espero que alguém goste de ler. Será na Feira, na Praça da Alfândega, a partir das 19h.

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