Por que suas qualidades mais atraentes podem decepcionar seu parceiro
Às vezes, nossos traços mais atraentes podem se tornar um motivo para um término
23.mar.2025 às 8h30
BBC News Brasil
Uma das palavras mais incomuns acrescentadas ao Dicionário Cambridge da Língua Inglesa em 2024 foi "ick".
Ela descreve a sensação de observar subitamente algo em um parceiro de um ângulo diferente e achar aquilo tão repugnante que não pode ser ignorado.
"Ick", infelizmente, é incurável.

As mesmas qualidades que nos tornam atraentes para os nossos parceiros podem se transformar em motivo de rompimento no futuro - Javier Hirschfeld/ Getty Images via BB
A imagem apresenta uma colagem com um fundo rosa. À esquerda, um homem musculoso em pose de exibição, vestindo uma sunga, e à direita, uma mulher com óculos escuros e cabelo preso, vestindo uma blusa listrada. Ao fundo, há uma forma geométrica amarela e um haltere na parte inferior esquerda.
As mesmas qualidades que nos tornam atraentes para os nossos parceiros podem se transformar em motivo de rompimento no futuro - Javier Hirschfeld/ Getty Images via BBC
Embora o termo possa ser usado de forma descontraída, ele mostra que um parceiro pode ter características desagradáveis, que não são imediatamente óbvias para nós.
Na verdade, talvez pudéssemos ter considerado essas qualidades muito atraentes no início do relacionamento. É a chamada "atração fatal", que ocorre quando uma pessoa começa a não gostar de aspectos do parceiro que antes a atraíam.
"Ela não significa 'fatal' no sentido de 'mortal', mas no sentido de 'profética'", explica a psicóloga social social Diane Felmlee, da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos Estados Unidos.
"Gosto de pensar no termo como indicando uma 'quantidade excessiva' de uma qualidade atraente", afirma ela. "O desencantamento com um parceiro pode ocorrer mesmo quando as pessoas conseguem o que elas querem —e, talvez, porque elas conseguem o que elas querem."
Durante sua pesquisa, Felmlee perguntou às pessoas quais os motivos que a atraíram inicialmente a um parceiro, por que elas ficaram insatisfeitas e por que seus relacionamentos passados terminaram.
A maioria das pessoas relacionou várias necessidades não atendidas pelo seu ex-parceiro como razões para o rompimento. Mas Felmlee percebeu que algumas daquelas necessidades se relacionavam aos motivos que as atraíram inicialmente àquelas pessoas.
"É uma interpretação diferente da mesma qualidade", explica ela. "É uma forma negativa de observar uma característica positiva."
"Tenho aqui um exemplo de alguém que disse ter sido atraído à sua parceira porque ela era atenciosa. E, depois, ele se queixou de que ela pedia desculpas demais. Bem, isso parece algo muito atencioso."
É possível se desapaixonar?
Outros exemplos identificados por Felmlee incluem alguém que é atraído por uma pessoa que ocupa um cargo de alto poder e descobre que ela passa tempo demais no trabalho; ou achar um parceiro engraçado e, depois, reclamar que ele não leva a vida a sério.
Parceiros descontraídos, de fácil relacionamento, não são confiáveis ou estão sempre atrasados. "O relacionamento fácil é ótimo, desde que você seja pontual", afirma Felmlee, rindo.
Da mesma forma, parceiros que são inicialmente considerados fortes ou poderosos se tornam arrogantes ou controladores após o rompimento. Pessoas agradáveis passam a ser influenciáveis. E os bem sucedidos se tornam workaholics.
A atração fatal faz com que, quanto mais forte for a atração inicial por uma característica específica, mais provavelmente ela se tornará o motivo de um eventual rompimento.
Mas por que os grandes pontos positivos acabam sendo o pomo da discórdia?
Em primeiro lugar, talvez aquilo que observamos inicialmente nos nossos novos ou possíveis parceiros são as qualidades excepcionais que fazem com que eles se sobressaiam dos demais.
"Nós não descrevemos um parceiro como 'meio prestativo' ou 'um pouco trabalhador'", explica Felmlee. "E, quanto mais extraordinário ele for, mais provavelmente as pessoas terão aversão por essas qualidades no futuro."
Ela destaca que também pode haver um elemento de ingenuidade. Nossa paixão inicial nos cega temporariamente para os possíveis pontos negativos de uma característica excepcional.
Mas, depois que a empolgação inicial diminui, ficamos mais conscientes de como essas características podem trazer efeitos negativos.
Esta reavaliação pode acontecer de forma sutil ao longo do tempo. A atração fatal pode ser uma percepção que desperta lentamente, não uma inversão drástica de julgamento.
Casais que ficam juntos por 10 a 21 anos apresentam os menores níveis de ajuste do relacionamento.
Isso significa que, nessa fase, eles têm mais dificuldade de resolver conflitos e se ajustar a novas dificuldades, ou alterar suas expectativas em relação ao parceiro.

Seu parceiro talvez goste de fazer surpresas, mas pode ser difícil e frustrante fazer planos com ele - Javier Hirschfeld/ Getty Images via BBC
A imagem mostra um casal em preto e branco, com a mulher à esquerda vestindo um vestido claro e o homem à direita usando um terno escuro. Eles estão em uma pose de interação, com a mulher com as mãos juntas e sorrindo, enquanto o homem sorri de volta. O fundo é de uma cor vermelha vibrante, com uma forma amarela ao fundo, criando um contraste marcante.
Seu parceiro talvez goste de fazer surpresas, mas pode ser difícil e frustrante fazer planos com ele - Javier Hirschfeld/ Getty Images via BBC
Reavaliar a satisfação no relacionamento é importante porque prevê muitos aspectos da vida, segundo a psicóloga Samantha Joel, da Universidade Western em Ontário, no Canadá.
Pessoas em relacionamentos infelizes têm saúde física mais fraca, pressão sanguínea mais alta, maior risco de prejuízos à saúde mental e maior desequilíbrio entre a vida e o trabalho, entre muitos outros problemas.
Uma medida simples da satisfação com o relacionamento é a chamada teoria da troca social.
Ela consiste em comparar as recompensas que recebemos por estarmos com um parceiro, como a quantidade de alegria, se nos sentimos valorizados, sua beleza ou dinheiro, com os custos, como os conflitos, possíveis sofrimentos ou investimentos financeiros.
As pessoas empregam a teoria da troca social de duas formas.
A primeira é comparar o relacionamento atual com os anteriores. Nós consideramos que um relacionamento é menos satisfatório se ele ficar abaixo do padrão que esperamos atingir com base nas nossas experiências anteriores.
A outra comparação que podemos fazer é com as opções disponíveis para nós atualmente. Podemos rejeitar possíveis parceiros, mesmo se acharmos que os sinais são promissores, se percebermos que podemos ter melhores possibilidades com outras pessoas.
Estes cálculos irão variar de pessoa para pessoa. Casais do mesmo sexo, por exemplo, provavelmente enfrentam custos de relacionamento mais altos devido à discriminação e à homofobia. E, dependendo de onde você morar, pode haver menos opções de encontros disponíveis para você.
Então, a melhor opção é sermos atraídos por um parceiro mais comum e com qualidades intermediárias?
"Não acredito nisso", responde Felmlee. "Provavelmente, a melhor aposta é procurar alguém com características excepcionais similares às nossas, não com qualidades medianas."
Casais que possuem alguns traços fundamentais parecidos têm maior possibilidade de serem bem sucedidos.
Examinando um conjunto de 79 mil casais britânicos, o indicador mais forte da satisfação no relacionamento é ter idade similar. Mas outros fatores demográficos, incluindo o grau de formação, crenças políticas ou religiosas e o uso de substâncias, são fatores importantes para o sucesso do relacionamento.
Existem também correlações menores, mas ainda significativas, entre fatores biológicos, como altura e índice de massa corporal similares.
"Encontramos correlações particularmente altas em questões como crenças e valores, grau de educação e, com certeza, uso de substâncias", afirma a estudante de doutorado Tanya Horwitz, da Universidade do Colorado em Boulder, nos Estados Unidos.
A similaridade parece ser um fator de fortalecimento, mas a dissimilitude aparentemente só é problema em algumas circunstâncias. "Uma pequena minoria demonstrou algum sinal de correlação negativa", segundo ela.
Um exemplo que realmente parece importar é que as pessoas madrugadoras, de fato, não parecem ser compatíveis com os notívagos e vice-versa.

A atração fatal pode trazer dificuldades, mas não significa necessariamente o fim do relacionamento - Javier Hirschfeld/ Getty Images via BBC
A imagem apresenta duas mulheres em um estilo artístico. As mulheres estão em preto e branco, com expressões faciais que se voltam uma para a outra. O fundo é colorido, predominantemente em tons de rosa, com formas geométricas amarelas. As mulheres têm cabelos estilizados e estão vestidas com roupas da moda dos anos 60.
Horwitz afirma que duas pessoas muito diferentes ainda poderão ser atraídas entre si inicialmente, mas têm menos possibilidade de permanecer juntas a longo prazo.
Os casais do seu estudo eram mais velhos, casados, moravam juntos ou tinham filhos.
"Foram, de forma geral, pessoas em relacionamentos bastante sérios ou de longo prazo e acho que isso realmente diz mais sobre o que compõe uma união longa e não sobre o que forma a atração inicial", explica ela.
Felmlee alerta que a atração fatal não precisa determinar o fim do relacionamento. Parceiros que compartilham fortes características similares podem continuar juntos.
"Estudando a atração fatal, observamos que é menos comum que as pessoas se queixem das mesmas características que elas próprias também têm, segundo elas."
Um dos seus entrevistados era um homem mais velho. Ele contou que foi atraído inicialmente pela sua esposa devido à força do seu caráter e sua confiança. O lado negativo, segundo ele, é que, às vezes, ela pode ser teimosa.
"Mas eles ainda estão casados", afirma Felmlee. "O que acontece aqui? Ele demonstrou consciência de si próprio e admitiu que também pode ser teimoso. Realmente, foi muito simpático."
Texto publicado originalmente aqui.