terça-feira, 8 de abril de 2025


08 de Abril de 2025
CARPINEJAR

A invisibilidade do cinto

"Provavelmente eu coloquei o cinto, porque eu estava bem na frente do ônibus, senão não estaria aqui." Este é o relato de uma das sobreviventes do trágico acidente em Imigrante (RS), que vitimou sete alunos do Colégio Politécnico da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) na sexta-feira.

O acessório de segurança foi o seu anjo da guarda, o seu escudo para não ser arremessada para longe.

Devemos conservar esse hábito incondicionalmente ao andar de ônibus intermunicipal: colocar o cinto pelo trajeto inteiro. Trata-se de um gesto simples, mas de valia enorme, capaz de salvar vidas.

É necessário transferir o rigor do avião para os coletivos de estrada, com a premissa de que os passageiros se mantenham ajustados à poltrona.

Antes de partir da rodoviária, cabe ao motorista ou ao fiscal conferir se todos os viajantes estão com a fivela fechada no assento. Assim como existem as turbulências no céu, existem as trepidações das rodovias.

É um passo a mais nas campanhas de prevenção. Hoje já é natural o motorista colocar cinto. Caso contrário, cometeria uma clara infração de trânsito, em vigor desde 1997 (Art. 65 do CTB). A regra se universalizou. Não se discute mais.

Nem sempre foi assim. Nos anos 1970 e 1980, prevalecia a concepção de que o item obrigatório tiraria a liberdade do condutor, que se sentia preso, com os movimentos limitados. Houve uma longa e exaustiva conscientização para derrubar preconceitos, fruto de anos de pedagogia e vigilância contínua.

Na minha infância, o carro era uma nave espacial, com a família flutuante na gravidade zero: os pais soltos na frente e os filhos de pé, olhando a paisagem e o tráfego pelo vidro traseiro. Isso quando as crianças não ficavam deitadas no porta-malas. Corríamos sério perigo.

Sem contar as excursões escolares, em que permanecíamos cantando, caminhando pelos corredores, omissos com à ameaça.

No momento atual, precisamos convencer as pessoas a adotarem a medida de proteção nos bancos de trás. Ainda que o seu descumprimento resulte igualmente em penalidade, a adesão é pela metade, em especial em corridas curtas pelos aplicativos. Dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) realizada pelo IBGE/Ministério da Saúde indicam que, em 2019, somente 54,6% dos adultos declararam usar sempre o cinto no banco de trás do carro.

Há uma ideia errada de que atrás é mais seguro, e de que a vulnerabilidade se encontra na frente, pela proximidade com o para-brisa. Na verdade, o encosto do banco da frente não é barreira nenhuma para quem senta atrás. Não vai impedir o sacolejo e a impulsão violenta. Você será apenas uma peça avulsa e indefesa. Terá probabilidades até quatro vezes maiores de morrer em uma colisão do que se estivesse com cinto. Segundo a Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), o dispositivo reduz em até 75% o risco de morte desses ocupantes.

O cinto na frente não é suficiente se ninguém utiliza nos bancos traseiros - quem está atrás pode inclusive matar quem está na frente, como um projétil humano. Cerca de 80% dos óbitos do motorista e do carona que empregam o cinto seriam evitados se os passageiros traseiros usassem o cinto regularmente.

Temos que entender o carro, ou o ônibus, ou o avião como uma única engrenagem: uma posição interfere na outra, num efeito dominó. Todos os lugares exigem o mesmo grau sagrado de anteparo, para a saúde do conjunto. 

CARPINEJAR

A torre

A brincadeira é irresistível. A gente pega uma foto qualquer e pede para o ChatGPT converter para o estilo Ghibli. Sai algo similar àqueles desenhos animados japoneses, com personagens de olhos grandes e jeitão alegre. A nova ferramenta de geração de imagens, lançada no final do mês passado pela empresa OpenAI, virou febre mundial - e também uma discussão planetária sobre direito autoral.

Pode isso, Arnaldo? A inteligência artificial imita direitinho o estilo dos desenhos do Studio Ghilbi, responsável por alguns filmes de sucesso, entre os quais O Menino e a Garça, animação vencedora do Oscar em 2024. É pura fantasia. Mahito, órfão de mãe, mergulha num mundo fantástico de aventuras e seres estranhos, até recuperar, graças à sua coragem e determinação, a própria identidade e o amor familiar.

Construa sua própria torre! - sugere um sábio personagem do filme.

É o que também teremos de fazer com as pedras da inteligência artificial, que a cada dia nos impõe novos desafios de ordem ética. Basta uma ordem nossa e ela nos devolve textos precisos, criativos inclusive, ensaios perfeitos em poucos segundos. Será lícito assiná-los como se os tivéssemos produzido? Basta uma instrução adequada e ela nos devolve desenhos impressionantes, no estilo do artista sugerido, verdadeiras obras de arte. Somos nós os autores?

Basta, agora, escolher uma fotografia de parentes, amigos, de pessoas que queiramos homenagear ou satirizar, e logo os algoritmos nos devolvem personagens de olhos grandes, como se saíssem do traço de um habilidoso caricaturista japonês. Fere ou não fere o direito autoral de quem primeiro imaginou tais personagens?

Eis aí o enigma da esfinge tecnológica: ou deciframos ou a inteligência artificial nos devorará. O certo é que não adianta espernear. Ela veio para ficar. Os avanços tecnológicos não vão retroceder, nem mesmo se forem submetidos às mais severas regulamentações e proibições. Não nos resta outra alternativa a não ser utilizarmos a nossa inteligência natural para encontrar o caminho da convivência pacífica com a inovação. 

O conteúdo desta coluna reflete a opinião do autor

NILSON SOUZA 


08 de Abril de 2025
OPINIÃO RBS

OPINIÃO RBS

Mobilização contra a gripe

Os dados preocupantes da gripe no Rio Grande do Sul em 2024 tornam esta edição da campanha de vacinação, deflagrada ontem, ainda mais importante. A Secretaria Estadual da Saúde (SES) registrou 2.326 casos de síndrome respiratória aguda grave (Srag) por influenza no ano passado e 288 óbitos causadas pela doença. São os maiores números desde 2009, quando irrompeu a pandemia de H1N1.

Enquanto o quadro se agrava nos anos recentes, a cobertura vacinal recua. É preciso alterar essa tendência. Em 2021, por exemplo, a imunização chegou a 79,3% do público-alvo, caindo nos períodos seguintes, até chegar a apenas 52,3% em 2024. Bem distante da meta de vacinar 90% de idosos, crianças e gestantes.

Seria possível cogitar que a enchente do ano passado, ao desviar a atenção e causar estragos em unidades de saúde, tenha influenciado. Mas também em 2023 a cobertura foi decepcionante: 56,4%. Diante do nível de adesão baixo, é mandatório reforçar a mobilização para elevar os índices em 2025, papel não só federal e estadual, mas das prefeituras, responsáveis pela estratégia em cada município. Autoridades da área e especialistas não apontam apenas as fake news sobre vacinas como causa da queda na cobertura. Nota-se um certo descuido da população, em meio às atribulações do dia a dia.

Vacinar-se não é apenas um ato de proteção individual. Quanto mais ampla for a cobertura, maior será a barreira coletiva à circulação do vírus. Imunizar-se, portanto, também é uma atitude que demonstra empatia e consciência coletiva. É comprovado que a vacina é segura e eficaz. Reduz os riscos de agravamento da doença, de internações e de óbitos, sem falar em transtornos corriqueiros, como o afastamento do trabalho.

Precaver-se contra a gripe também é prevenir-se de não ter um atendimento adequado em caso de adoecimento. Unidades de saúde e hospitais da Região Metropolitana já vêm enfrentando problemas de superlotação. A chegada dos meses com temperaturas menores, em que as pessoas ficam mais em ambientes fechados, favoráveis à transmissão do vírus, costuma elevar a procura pelo sistema de saúde.

Torna-se essencial, portanto, reforçar a campanha de vacinação. Divulgar os pontos para receber as doses, horários e o cronograma dos grupos prioritários, até a imunização ser liberada para o público em geral. Cada município define a própria estratégia, o que demonstra a importância dos esforços locais de comunicação. Na Capital, a imunização até domingo será focada em crianças de seis meses a menores de seis anos, idosos (a partir de 60 anos), gestantes, puérperas até 45 dias após o parto, indígenas e quilombolas. Na próxima semana entram profissionais da saúde, da educação e outros grupos.

Também são bem-vindas iniciativas para levar a vacinação a locais como creches, escolas e instituições de longa permanência e outras que ajudem o Estado a se aproximar mais do objetivo de imunizar as 5,3 milhões de pessoas que formam o público-alvo gaúcho. Uma boa novidade, a partir de agora, é a inclusão da vacina no calendário nacional para crianças (de seis meses a seis anos), grávidas e idosos. Ou seja, passa a estar disponível para esses estratos durante todo o ano. 


Bolsas dos EUA perdem um Reino Unido e uma França

Foi a própria "segunda-feira sangrenta" (do inglês bloody monday, fenômeno recorrente nas bolsas). Teve queda histórica - a bolsa Hang Seng, de Hong Kong, desabou 13,22%, maior tombo desde a crise asiática de 1997 e pior do que os ocorridos em 2008 e na pandemia. Parte foi decorrente do feriado na sexta-feira anterior, mas espelhou o pânico que se apoderou dos mercados financeiros mundo afora. No Brasil, o dólar fechou em R$ 5,911, resultado de alta de 1,29% e a bolsa caiu 1,31%.

O caos foi tamanho que teve até fake news fazendo preço nos mercados mais profissionais do planeta. As bolsas dos EUA despencavam entre 4% e 5% quando circulou a informação sobre suposta "pausa" de 90 dias na aplicação do tarifaço de Donald Trump. O índice da Bolsa de Nova York que tem o maior número de empresas, o S&P500, chegou a saltar 7%.

Quando a Casa Branca negou que tenha qualquer intenção de fazer isso, voltaram ao vermelho, mas atenuando as perdas. Os dois principais índices da Nyse fecharam em vermelho mais suave - o tradicional DJIA caiu 0,91% e o abrangente S&P 500 recuou 0,23% -, enquanto a Nasdaq conquistou a façanha de fechar estável, variando 0,10% para cima.

Foi um desempenho muito melhor do que as asiáticas e as europeias. Isso ajudou a frear o tamanho da perda acumulada em três dias a estimados US$ 6 trilhões (sim, tri, de dólares). Isso equivale aos PIBs do Reino Unido e da França somados. Ou seja, em três dias, Trump provocou perda, só nos EUA, equivalente a um Reino Unido e uma França.

Essa comparação ajuda a entender o tamanho do erro de Trump. Nos últimos anos, os EUA acumularam tanta riqueza que existem várias empresas listadas em bolsa valendo mais do que o PIB de vários países.

O maior dos blefes

Pouco antes da fake news, Trump havia feito o maior dos blefes: inconformado com o "mau comportamento" da China, disse que pode impor tarifa adicional de 50% sobre os 34% já anunciados caso o gigante asiático não retire a represália - uma tarifa de 34% sobre os produtos americanos que entrem no país.

A expectativa do governo Trump era de que a China se somasse à fila de 50 países que se apresentaram para "negociação". A expressão mais adequada seria "extorsão", que é "ato de obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, por meio de ameaça ou violência, com intenção de obter vantagem, recompensa, lucro". _

Setor químico não vê vantagem em tarifa menor

Principal destino das exportações brasileiras de produtos químicos (boa parte fabricada no polo petroquímico de Triunfo), os EUA até devem receber mais envios do setor, mas não em número expressivo, avalia o presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), André Passos Cordeiro. Ainda que a tarifa adicional de 10% aplicada ao Brasil seja menor do que a imposta aos concorrentes asiáticos, os produtos químicos brasileiros tendem a não ganhar competitividade suficiente para superar a concorrência no mercado americano.

- Até pode ser que o Brasil tome alguma fatia de mercado, mesmo que não muito significativa, do produtor asiático. Acho muito difícil, porque os produtos asiáticos são muito mais baratos do que os brasileiros em geral, com os químicos não é diferente - diz Passos Cordeiro.

A Abiquim estima que o Brasil exporta cerca de US$ 2,4 bilhões em produtos químicos por ano para o mercado americano. Passos Cordeiro, no entanto, chama atenção para a via contrária: as mercadorias que entram no mercado brasileiro:

- Outra possível repercussão é um eventual aumento das importações, com a China usando o mercado brasileiro para bater nos americanos. Quem sofre é o produtor brasileiro. _

Réplica de F-1 no Salgado Filho

Calma, ainda não é uma prova do circuito em Tarumã (nem poderia ser, infelizmente...). Mas uma réplica de carro de Fórmula-1 está exposta no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, desde ontem.

Ao longo dos próximos dois meses, passageiros que passarem pelo saguão de embarque e desembarque vão ver uma réplica em tamanho real de um carro de F-1 construída com 1,4 tonelada de sucata metálica, seguindo as medidas oficiais da competição.

A iniciativa é da Gerdau, que quer reforçar seu papel na economia circular. A gigante com raiz gaúcha transforma cerca de 11 milhões de toneladas de sucata em aço por ano, 70% de sua produção total.

Parceria

A Gerdau tem uma parceria com o Grande Prêmio de São Paulo de F-1, a etapa brasileira da competição automobilística. As estruturas do autódromo de Interlagos foram modernizadas com aço reciclável da Gerdau.

O grupo siderúrgico tem uma unidade que produz aços especiais - usados principalmente em veículos - em Charqueadas. Mas de lá ainda não saiu matéria-prima para montar um bólido de F-1 de verdade. _

Cheiro de estagflação em Wall Street

O mercado financeiro estava contente com a vitória de Donald Trump em novembro passado.

Corta para abril de 2025. Após perdas trilionárias e sem perspectivas de que Trump esteja disposto a estancar a sangria, mesmo os primeiros adesistas começaram a reagir.

Jamie Dimon, presidente do JP Morgan, maior banco dos EUA, afirma que "as recentes tarifas vão provavelmente elevar a inflação e estão fazendo com que muitos considerem uma grande probabilidade de recessão". Achou "bom lembrar" da "estagflação dos anos 1970".

Estagflação é a situação em que a economia murcha e a inflação dispara. Dimon é uma espécie de "decano" de Wall Street, um dos executivos que saiu vencedor na devastação causada pela crise de 2008.

A Goldman Sachs, outra "vencedora" da crise de 2008, elevou a probabilidade de os EUA entrarem em recessão de 35% para 45%. O bilionário Bill Ackman, fundador da Pershing Square e aliado de Trump, alertou que, se o presidente não recuar, o país vai mergulhar em "inverno nuclear econômico autoinflingido". _

R$ 100 milhões em startups do Sul

Um novo fundo que vai investir R$ 100 milhões em startups da Região Sul será apresentado hoje no Instituto Caldeira, em Porto Alegre. Com gestão da Primus Ventures, antes conhecida como Catarina Capital, o fundo Sul Ventures terá como foco startups em estágio inicial que ofereçam soluções para empresas. Cada negócio poderá receber aporte de até R$ 10 milhões.

A seleção de startups será feita de forma contínua a partir do segundo semestre deste ano. Serão contempladas de 15 a 20 empresas. Os primeiros cotistas institucionais do fundo Sul Ventures são o Badesul, agência de fomento ligada ao governo do Rio Grande do Sul, e o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE).

Com cerca de R$ 50 milhões captados, a Primus Ventures pretende alcançar R$ 100 milhões até o fim deste ano. A previsão é investir entre 30% e 40% do capital no Rio Grande do Sul.

O Sul Ventures é o primeiro fundo da Primus Ventures, gestora que nasce da evolução da Catarina Capital, que já havia estruturado veículos financeiros. O fundo será operado por Adonay Freitas, José Augusto Albino, Renata Buss e Raul Daitx, sócios da nova gestora. _

GPS DA ECONOMIA 



08 de Abril de 2025
SEGUROS HABITACIONAIS

SEGUROS HABITACIONAIS

Cade vai apurar reclamações contra a Caixa. Seguros habitacionais. A Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) abriu processo administrativo contra a Caixa Econômica Federal para apurar reclamações de que o banco estaria impedindo a transferência de contratos de apólices de seguro habitacional para empresas concorrentes. 

O processo foi aberto a partir de representação do Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul (MPF-RS). Segundo o Cade, há "fortes indícios" de que a Caixa, de maneira reiterada, está "abusando de sua posição dominante no mercado de financiamento habitacional para recusar ou, em alguma medida, impor barreiras artificiais à portabilidade de apólices de seguro habitacional".

Ainda segundo o documento, o objetivo seria "dificultar a entrada e o desenvolvimento de seguradoras e de empresas que intermedeiam o processo de portabilidade de seguro habitacional que com ela concorrem".

Na representação, o MPF informou ter recebido diversas reclamações de consumidores sobre a suposta recusa da Caixa em aceitar os pedidos de portabilidade para empresas concorrentes da Caixa Seguradora, empresa integrante do Grupo Caixa.

Em resposta ao Cade, no âmbito do inquérito administrativo, a Caixa alegou, segundo o órgão, que "os pedidos de portabilidade recusados se deram em cumprimento às normas editadas pela Susep (Superintendência de Seguros Privados) e pelo Bacen (Banco Central)".

A Caixa terá agora 30 dias para apresentar defesa. 



08 de Abril de 2025
INFORME ESPECIAL - Rodrigo Lopes

Uma sede para a Seduc

Depois que a coluna publicou a situação precária de trabalho de agentes e delegados do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) na sede provisória, recebeu relatos de servidores da Secretaria Estadual de Educação (Seduc) também reclamando das condições do local.

Assim como os policiais, os funcionários da Educação ocupam o antigo complexo da CEEE, onde funciona o Centro Administrativo de Contingência (CAC) desde maio do ano passado, depois que o Centro Administrativo Fernando Ferrari (Caff), afetado pela enchente, ficou inviabilizado.

Uma servidora, que prefere não ser identificada, enviou à coluna a seguinte mensagem: "O que ninguém fala é que nós da Secretaria de Educação estamos lá desde metade do ano passado. No andar que trabalho instalaram ar-condicionado em dezembro, mas no 4o andar não tem. Também não temos extintores. Por favor, lembrem de nós, porque ninguém lembra."

Cerca de 600 funcionários estão em revezamento. Segundo a servidora, cumprindo jornada de três dias presenciais e dois de teletrabalho: "Exatamente porque não tem lugar para todo mundo. Elevadores funcionam somente em alguns dias. Recentemente, colegas ficaram presas, porque ele parou. O acesso para quem vem caminhando é através de cem degraus. Temos muitas colegas idosas. A cozinha fica em outro prédio. É uma lista sem fim de problemas porque ninguém vê que nós, da Seduc, estamos lá."

Questionada, a secretaria informou que "está em tratativas avançadas para transferência para um novo local, tendo em vista o número de servidores e características das atividades desenvolvidas".

O prédio oficial da Seduc, dentro do complexo do Caff, teve o térreo afetado pela enchente de maio do ano passado. 

Projeto de prédio da Brigada prevê estrutura para prevenir alagamentos

O projeto para a construção do novo prédio do 1º Batalhão de Polícia Militar (1ºBPM), no bairro Praia de Belas, em Porto Alegre, terá acesso principal pela Avenida Ipiranga, com a estrutura elevada em relação à antiga sede para evitar danos causados por eventuais novas enchentes.

Em maio de 2024, o atual prédio do 1º BPM, cuja entrada fica na Rua Dezesseis de Junho, foi tomado pela água da enchente.

Doado pelo Instituto Cultural Floresta (ICF), no valor de R$ 96 mil, o projeto básico foi apresentado ao comando da Brigada Militar (BM) na sexta-feira pelo arquiteto Luiz Portela, da Portela Arquitetura. Com o projeto em mãos, caberá à Brigada Militar fazer a contratação da obra via licitação.

O novo prédio seguirá as premissas de sustentabilidade, com placas de energia solar e reaproveitamento da água da chuva, por exemplo. O subsolo da estrutura funcionará apenas como estacionamento, minimizando os riscos de inundação.

A expectativa é de que a construção leve cerca de 12 meses para ficar pronta. O antigo prédio deve virar um museu. _

Novo serviço de oftalmologia começa a operar na Capital

A prefeitura de Porto Alegre começou ontem um novo serviço de oftalmologia na Zona Norte, com expectativa de realizar 9.996 atendimentos por ano. As consultas serão no Centro de Saúde IAPI, para descentralizar o atendimento e reduzir filas de procedimentos especializados no SUS.

A iniciativa é operacionalizada pela Associação Hospitalar Vila Nova (AHVN). A ampliação foi viabilizada por meio do Programa Mais Especialistas (PME), do governo federal, com aporte de R$ 1,9 milhão.

A capacidade total será ampliada de 5.436 para 18.756 atendimentos anuais, tanto no IAPI quanto na AHVN, na Zona Sul. _

Seminário para avaliar a Operação Taquari 2

O Comando Militar do Sul (CMS) realiza, entre hoje e quinta-feira, um seminário para debater os aprendizados da Operação Taquari 2.

A operação de 2024 mobilizou Forças Armadas e diversas agências em ação integrada de socorro à população do RS na enchente.

O evento reunirá especialistas, instituições e comunidades locais para analisar as lições enfrentadas pelas catástrofes, com foco no aprimoramento de prevenção, resposta e recuperação em futuros desastres. Além disso, serão discutidas estratégias para a gestão de riscos e a otimização de ações coordenadas entre órgãos públicos e sociedade civil.

O seminário será no auditório do Ministério Público Estadual do RS, em Porto Alegre. _

Justiça concede indenização a filha de anistiado político

A Justiça Federal, pela 6ª Vara Federal de Porto Alegre, garantiu indenização para a filha de um anistiado político por danos sofridos durante a ditadura militar no país. A decisão é do juiz Rodrigo Machado Coutinho, proferida no fim de março. A União foi condenada a pagar R$ 50 mil.

A autora da ação pleiteava ser declarada anistiada política, requerendo indenização por danos morais e extrapatrimoniais. Segundo relatos na petição, seu pai, político gaúcho que teve o mandato de deputado estadual cassado em 1964, foi preso e sofreu perseguição política. Em 1966, a família se exilou no Uruguai. O processo corre em segredo de Justiça, e nomes não foram divulgados.

Dos três pedidos, o magistrado negou a condição de anistiada política de forma reflexa, por não haver previsão legal. Quanto à reparação econômica por danos patrimoniais, o juiz entendeu não ser cabível. Sobre danos morais, Coutinho entendeu que "está demonstrada a existência de abalos morais reflexos, causados pelos fatos narrados e imputáveis à atuação ilícita do Estado". 

INFORME ESPECIAL

segunda-feira, 7 de abril de 2025


07 de Abril de 2025
CARPINEJAR

Sinais da radicalização da violência na adolescência

O Ministério Público do RS (MPRS) antecipa possíveis ataques a escolas. Desarma focos juvenis. O que eclode, por mais trágico que seja, é uma parcela minoritária diante das armadilhas desfeitas e de suspeitos detidos. Só que nunca ficamos sabendo.

Em 2024, o MPRS organizou o Núcleo de Prevenção à Violência Extrema e criou a apostila Sinais (www.mprs.mp.br/media/areas/imprensa/arquivos/guiasinais.pdf) para alertar a população de riscos de atentados na sala de aula.

O que faz o adolescente sair da inércia e partir para a tentativa de homicídio de colegas e de professores?

Existem caminhos e indícios. - Nossa inspiração foi a experiência norte-americana. Traduzimos o Manual do Atirador Ativo do FBI. Quando chegamos a mais de cem casos, fizemos os nossos próprios indicadores - afirma o promotor Fábio Costa Pereira, um dos idealizadores da campanha.

É necessário compreender antes o gap geracional. Trata-se de outra mentalidade, outro software comportamental, diferente da formação dos pais.

A nova geração mistura tudo, numa colcha de retalhos de ideologias. Os jovens são mais avatares do que presenciais, meros visitantes e hóspedes do mundo real. O cibermundo é a sua realidade. O real constante para eles equivale à nossa esporádica virtualidade.

- A geração que chegou, de nativos digitais, assumiu um estado fusional com a tecnologia. A realidade deles é a virtual, enquanto a nossa é a concreta, do que podemos perceber com os sentidos. Não estamos preparados para entendê-los, e vice-versa. É como se eles vivessem em um imenso game - esclarece Pereira.

Tanto que os surtos extremistas na adolescência não apresentam coerência entre si. Só têm em comum a sede cega de vingança. - Há neonazistas, supremacistas brancos e jihadistas que são negros e pardos - comenta Pereira. As famílias conseguem identificar anormalidades por meio da mudança abrupta de temperamento, o isolamento férreo e a frequência em determinados grupos de discussão.

São três etapas da radicalização: rejeição de laços anteriores, adesão incondicional a preceitos de um grupo, com abandono do juízo crítico, e tradução do ódio em ações irascíveis, como se fossem justificáveis pelo que se acredita ter sofrido na vida.

- É uma desumanização das relações interpessoais, ausência de empatia com a dor alheia e truculência como forma de expressão de suas frustrações - pondera Pereira.

Até o modo de se vestir ou as tatuagens são advertências, caracterizadas como preditores estéticos. Adotam-se roupas e símbolos suspeitos, mesmo que seja para chamar atenção. Utilizam-se vestimentas conhecidas como pele ou skin. Empregam-se tons monocromáticos, à semelhança de atiradores de Columbine e Suzano (camisetas, calças, luvas e botas pretas).

O combo que permite o laboratório do mal costuma ser o sentimento de exclusão (não pertencimento ao seu contexto), a crise de identidade (objetivos por um propósito longe do lar) e o bullying (ou como vítima, ou como autor).

Acrescente baixa autoestima, interesse por crueldade e devoção à história de psicopatas. Coloque ainda no caldeirão uma teimosia inflexível, uma rigidez de opiniões e uma incapacidade de lidar com decepções.

Adicione busca por habilidades de violência, estudos sobre armamentos e militarismo, e pensamentos recorrentes de agressão ou autoflagelação. Ponha no composto os aditivos da disfuncionalidade familiar, o acesso a armas em casa e a plena aceitação de desvios de comportamento.

E some a isso a criptografia - linguagem cifrada nos fóruns privados -, a aplicação de algoritmos e câmaras de eco e a exclusiva participação em comunidades fechadas. Não dá para dizer que foi por falta de aviso, de "sinais". 

CARPINEJAR


07 de Abril de 2025
CLAUDIA LAITANO

Que país é este

Milhões foram gastos em produção, badalação e antecipação, mas os resultados de Vale Tudo, em termos de audiência, ainda são modestos. Em comparação com o desastre épico que veio antes, o remake da trama de Gilberto Braga não conseguiu conquistar muitos espectadores além daqueles que assistem a qualquer tranqueira que passa depois do Jornal Nacional. Mas se o grande plano secreto da emissora era fazer eu voltar a assistir uma novela, pode-se dizer que a estreia foi um sucesso incontestável.

(No tempo em que eu assistia novelas, o único aparelho digital da minha casa era um rádio- relógio AM/FM. Estamos falando do século 20, esse já distante planeta onde alguns de nós nasceram, cresceram e criaram memórias para abastecer o horário nobre da vida. Nunca foi um paraíso, mas visto assim, de longe, o século passado ganha novos encantos a cada dia que passa.)

O grande acerto do remake, pelo que se viu até agora, é atender à nostalgia dos noveleiros de outrora sem que o caldo pareça apenas requentado ou artificialmente temperado com novidades. O segredo não está apenas na boa combinação do novo com o antigo, como se vê na abertura, recriada a partir da original, ou na trilha sonora, que reúne artistas de diferentes gerações - com destaque para a inspirada interpretação de Gente, de Caetano Veloso, por Xande de Pilares. Quem está de volta, depois de longa ausência, são os atores de verdade, os diálogos interessantes e o encadeamento coerente da ação nos núcleos principais e secundários. Tudo que ajudou a telenovela brasileira a tornar-se uma paixão nacional - até a internet, os streamings e as séries mudarem radicalmente os hábitos de consumo de teledramaturgia.

Vale Tudo 1 (1988) estreou no momento em que o Brasil se preparava para eleger o primeiro presidente de sua recém-restaurada democracia. Dançávamos ao som de Brasil e Que País é Este sabendo que nada era como devia ou podia ser, mas o futuro não parecia um lugar tão assustador assim para se viver. Vale Tudo 2 chega em um momento de intranquilidade global e divisão interna. Cazuza e Renato Russo estão mortos, e as perguntas que eles fizeram continuam sem resposta. Que bom imaginar que o Brasil poderia voltar a ser um só, pelo menos durante alguns minutos, enquanto todos torcemos para que vilões sem caráter sejam punidos exemplarmente no final. _

Cazuza e Renato Russo estão mortos, e as perguntas que eles fizeram seguem sem resposta

CLAUDIA LAITANO

07 de Abril de 2025
OPINIÃO RBS

Sem prazo para a duplicação da BR-290

É frustrante constatar que, na prática, não há prazo seguro para finalizar a duplicação da BR-290, entre Pantano Grande e Eldorado do Sul. Em entrevista à Rádio Gaúcha no dia 16 de agosto do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se comprometeu de forma peremptória a entregar a obra até o encerramento de seu mandato, em dezembro de 2026. 

Sabia-se à época que era uma promessa inexequível. Pela inexistência de trabalhos nos trechos 1 e 2, os mais próximos da Capital, e também pela falta de perspectiva firme de início das atividades de homens e máquinas nesses pontos. Ainda assim, com alguma condescendência, poderia se imaginar que o tom do presidente indicava boas novidades em breve. Quase oito meses se passaram, sem nenhuma evolução concreta.

O colunista Jocimar Farina, que acompanha de perto o andamento da duplicação, informou na semana passada que não há perspectiva de a duplicação, em seus 115 quilômetros, ser concluída antes de 2029. Permanecem os efeitos do imbróglio jurídico sobre os contratos dos lotes 1 e 2 que impediram o início das obras. Mas há um obstáculo adicional, que há muito se sabia, mas para o qual não se endereçou solução desde o início da duplicação, em 2014. 

Há a necessidade de transferências de famílias indígenas que vivem às margens da rodovia, em Eldorado do Sul. Para a realocação, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) precisa adquirir uma área de 300 hectares. Trata-se de um processo bastante demorado, que já atrasou outras duplicações, como as das BRs 116 e 386. Não se pode alegar desconhecimento sobre a complexidade para a remoção das famílias de povos originários, merecedoras de todas as garantias previstas na Constituição.

Os trechos 3 e 4, entre Butiá e Pantano Grande, até têm um andamento razoável. Mas o prolongamento mais movimentado seguirá por um tempo incerto em pista simples, saturado e perigoso. A extensão da BR-290 entre Eldorado do Sul e Uruguaiana é a única que não é duplicada na ligação rodoviária entre São Paulo e Buenos Aires. É uma das mais importantes estradas federais que cortam o Estado e principal corredor de transporte de mercadorias comercializadas entre o Brasil e Argentina.

No início do governo Lula 3, celebrou-se o anúncio de retomada da obra. Foi listada como prioridade. Em julho de 2023, em um ato suprapartidário em Eldorado do Sul, o superintendente do Dnit no Estado disse ser possível terminar a duplicação até 2026. Na Assembleia Legislativa, foi criada a Frente Parlamentar pela Duplicação da BR-290. Lideranças dos municípios que margeiam a estrada aderiram à mobilização. 

Também em julho do mesmo ano, foi o projeto mais votado no Estado na consulta popular organizada pelo governo federal para ajudar na formatação do Plano Plurianual (PPA) 2024-2027, instrumento que baliza a elaboração da lei orçamentária. Oficialmente, era a garantia de que a duplicação da BR-290 teria de fato tratamento privilegiado, com garantia de recursos. Passou o tempo e outra vez se constata que é merecida a descrença da sociedade em promessas sobre obras públicas. Os principais nós para a ampliação da estrada, dois anos após anúncio da retomada, permanecem atados. _

Outra vez se constata que é merecida a descrença da sociedade em promessas sobre obras públicas


07 de Abril de 2025
MARCELO RECH

O melhor de todos

A começar pelo apelido, em tudo Kadão era um aumentativo. Seu casamento era uma devoção de 51 anos à Loraine, depois aos dois filhos e, mais recentemente, aos dois netos.

Seu interesse por carros antigos virou paixão que o levou a comprar um Gordini escangalhado e a reformá-lo para poder passear com sua Loraine, como fizera certa feita, já cabelos e barba grisalhas, de Lambreta pela Itália de seus antepassados por parte de mãe.

Com o sangue italiano, defendia com o ardor dos De Leone suas convicções, em especial quando se tratava da área em que se tornou não um grande, mas o maior fotógrafo da imprensa brasileira.

Não é a primeira vez que o defino como o melhor fotojornalista do país. Já o havia feito no início dos anos 2000, em um catálogo para uma exposição fotográfica e repeti-o no título no posfácio que tive a honra de escrever no delicioso livro A Força do Tempo, no qual Kadão mescla sua trajetória pessoal com as vivências e imagens que marcaram sua carreira. Apesar das muitas reprimendas que Kadão me aplicava quando eu o definia assim, mantenho a escrita.

Sou suspeito, reconheço, porque Kadão e eu formamos uma dupla de repórteres que foi da Antártica à Sibéria, de Cuba a Moçambique, do garimpo de Serra Pelada à Brasília do impeachment de Collor. Mas sei do que falo porque convivi de perto com a imensa figura do Kadão, de quem fui parceiro de reportagens, chefe por uns bons 15 anos e, finalmente, mas não por último, amigo.

Essa condição era a mais fácil, porque Kadão - fosse num perrengue pesado em um cafundó qualquer do planeta ou numa conversa despretensiosa na redação - era sempre o mesmo: amistoso, divertido, um conversador nato, um sujeito solidário que não te deixaria na mão nunca.

E por que o melhor fotojornalista? Porque Kadão era completo e excelente em tudo.

Autodidata, ele foi um dos precursores da fotografia jornalística que conjuga o flagrante com a estética artística. Sua primeira foto em Zero Hora, ainda quase imberbe, prenunciava o estilo: uma arara pousada em um telhado do zoológico na contraluz. Uma pequena obra de arte, publicada, como não raro ocorre, com o crédito de outro fotógrafo.

Kadão era o melhor também porque ele não só fotografava. Além de escrever bem, como evidenciaria mais tarde em centenas de textos como colunista de ZH, ajudava a localizar fontes, sugeria abordagens, indicava lugares aonde devíamos ir.

Como também era editor de fotografia, em campo ele demonstrava o notável discernimento de memorizar que imagem tinha capturado, ou ainda não tinha, para ilustrar cada trecho de uma reportagem em plena gestação ou de obrigar o repórter a correr atrás de uma história para acompanhar uma foto memorável.

Foi assim, por exemplo, na Rússia, onde permanecemos três semanas nos idos do inverno de 1993 para uma reportagem, editada ao longo de uma semana em ZH, sobre o caos político e econômico após o fim da União Soviética. Kadão se angustiava porque, a seu ver, não encontrara ainda uma imagem que sintetizaria, numa foto de capa, o que estávamos testemunhando.

Um dia, ele estacou no meio de uma rua da Moscou coberta de neve. Não entendi na hora, mas ele ficou ali, feito um guepardo à espera da presa. Kadão avistara ao fundo um painel carcomido com a imagem de Lenin na empena de um prédio.

Um bom fotógrafo se contentaria com o registro simbólico do comunismo se despedaçando. Kadão, não. Ficou esperando mais um elemento, até que soldados fardados se agruparam para uma conversa sob o painel. Estava feita a imagem antológica que abriria a série de reportagens.

Como editor-chefe e diretor de Redação de ZH por 15 anos, discuti incontáveis opções de fotos com Kadão, ele sempre vencendo e me convencendo com argumentos irrefutáveis, menos uma vez. Em um dia de setembro de 1999, Kadão entrou na minha sala e depositou sobre a mesa duas imagens de agência internacional. Uma mostrava um aparentemente saudável americano de meia idade, mas fumante inveterado, ao lado da cama do filhinho pequeno. A outra foto, feita três meses depois, mostrava o mesmo filho ao lado de uma cama de hospital, com o pai magérrimo, devorado pelo câncer.

Eram duas imagens chocantes e tocantes. "O que faço com elas?", perguntou-me Kadão. "Tu, não sei, mas eu acabei de parar de fumar". Assim, eu, que tinha um filho de dois anos e fumava duas carteiras por dia, nunca mais pus um cigarro na boca, e cheguei aqui para contar essa história. Obrigado por tudo, Kadão. 

Marcelo Rech

07 de Abril de 2025
POLÍTICA E PODER - Paulo Egídio

Aporte federal ampliará uso de câmeras corporais

O Rio Grande do Sul está prestes a ampliar consideravelmente o estoque de câmeras corporais utilizadas por policiais militares. O Estado foi selecionado em edital do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) para receber 1.745 equipamentos. O aporte elevaria para 2,7 mil a quantidade de câmeras disponíveis para a Brigada Militar.

O edital para destinar câmeras aos Estados foi lançado no ano passado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp). A proposta do RS, feita pela Secretaria Estadual da Segurança Pública (SSP), não foi classificada na primeira fase, mas depois foi selecionada em segunda chamada. Agora, o ministério está analisando a documentação encaminhada pelo Estado. O próximo passo é a assinatura do acordo de cooperação para formalizar o repasse.

O custo da compra será de R$ 24,1 milhões, sendo R$ 23,6 milhões aportados pela União e o restante em contrapartida do governo estadual. Neste valor, estão incluídas as câmeras, acessórios e softwares para a gestão das gravações.

A informação sobre a participação do Estado no edital foi confirmada pelo MJSP à deputada estadual Luciana Genro (PSOL), principal ativista pelo uso das câmeras corporais no RS. Luciana consultou o governo federal após receber questionamentos sobre a disponibilidade de recursos para a compra de câmeras, frente a outras necessidades da segurança pública.

- Com esse edital, há garantia de que isso não seja um problema - diz a deputada.

Procurada, a SSP informou que a questão ainda está em análise e que se manifestará após a assinatura do termo de cooperação com o ministério. O cronograma do MJSP prevê a aplicação do recurso a partir de maio.

Resultados esperados

Na proposta encaminhada pelo Estado, à qual a coluna teve acesso, a SSP aponta que os equipamentos vão beneficiar 2,5 mil policiais militares. Como resultados esperados, são apontadas a redução de 30% no número de notificações relacionadas ao uso inadequado da força e diminuição de 30% em denúncias infundadas contra policiais.

Conforme os dados mais recentes disponibilizados pela BM, há 1 mil câmeras em uso, todas em Porto Alegre. São 910 distribuídas pelos batalhões da Capital e outras 90 entre o Departamento de Ensino da Brigada e o 4º Regimento de Polícia Montada. _

Com todas as letras

Se havia alguma dúvida sobre o apoio de Eduardo Leite a Gabriel Souza em 2026, o governador tratou de dirimi-la durante a participação no Fórum da Liberdade, sexta-feira:

- Trabalharei aqui (no RS) para eleger Gabriel Souza, meu vice, governador do Estado, porque acredito na capacidade dele de entregar resultados - cravou Leite, em debate com o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), sobre a continuidade de governos.

Além de impulsionar Gabriel, a declaração afasta os rumores sobre a possibilidade de lançamento de um candidato do PSDB e serve de aviso aos partidos da base aliada. _

Proteção suprema

Após quatro anos e quatro meses de tramitação, o Supremo concluiu o julgamento da ação que questiona o autolicenciamento ambiental no Rio Grande do Sul. Por maioria, foi acolhida a tese do relator, Cristiano Zanin, de autorizar o mecanismo apenas a atividades de baixo impacto ambiental.

Com o resultado, o governo do Estado precisará retirar da lista de autolicenciamento as atividades de médio e alto potencial poluidor. _

Manifestação reforça pressão ao Congresso por anistia

Na manifestação de ontem na Avenida Paulista, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados intensificaram pedidos para que o Congresso aprove a anistia aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023, em Brasília. Os discursos no ato ainda focaram em críticas ao Supremo Tribunal Federal e elogios à gestão de Bolsonaro na Presidência.

- Anistia é competência privativa do Congresso Nacional. Caso eles votem e o projeto seja sancionado ou promulgado, em caso de veto, vale a anistia - frisou o ex-presidente.

Em seu pronunciamento, Bolsonaro reclamou de condenações dos envolvidos em depredações a "penas absurdas" e afirmou que seria preso caso estivesse no Brasil naquele dia. Depois, garantiu que não fugirá do país diante das acusações de tramar um golpe em 2022.

A manifestação reuniu sete governadores, sendo três pré-candidatos a presidente: Ratinho Júnior (PSD), Ronaldo Caiado (União Brasil) e Romeu Zema (Novo). Apontado como "plano B" de Bolsonaro diante da inelegibilidade, Tarcísio de Freitas (Republicanos) foi o único a discursar.

- Quero prisão para assaltante, para quem rouba celular, para quem invade terra e para corrupto. A anistia é o reencontro com a liberdade, a justiça e a esperança - afirmou.

O líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), disse ter 162 das 257 assinaturas necessárias para pautar a urgência do projeto. Para conseguir o restante nesta semana, o plano é divulgar nome e foto de deputados indecisos para forçar a pressão popular sobre os parlamentares. _

Pires na mão

Diante da crise nos hospitais da Região Metropolitana, uma comitiva de prefeitos e secretários viaja a Brasília para uma reunião com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha. A agenda será amanhã, às 18h.

Representantes de 17 cidades já confirmaram presença. O deputado Luiz Carlos Busato (União Brasil) ainda planeja arregimentar membros da bancada gaúcha no Congresso para encorpar o coro.

Os principais pleitos são o aumento da verba de custeio mensal e um aporte extra para enfrentar dificuldades imediatas. Com a chegada do inverno, o quadro tende a ficar ainda mais dramático. _

Tradição gaúcha

No comando da Polícia Civil do Estado, o delegado Fernando Sodré foi eleito presidente do Conselho Nacional dos Chefes de Polícia, reforçando o protagonismo do RS na entidade. O ex-governador Ranolfo Vieira Júnior foi o primeiro gaúcho a presidir o colegiado, em 2013, seguido por Emerson Wendt (2018) e Nadine Anflor (2021).

Curiosamente, Ranolfo, Sodré e Wendt são da mesma turma de delegados. Os três ingressaram na Polícia Civil em 1998. 

POLÍTICA E PODER


07 de Abril de 2025
INFORME ESPECIAL - Rodrigo Lopes

O impacto geopolítico do tarifaço de Trump

Caricato que é, Donald Trump fez o anúncio do tarifaço munido de um tabelão pensado para, como de costume, provocar impacto imagético. Supostamente, de um lado aparecia quanto cada país cobra de tarifas sobre produtos americanos, de outro, quanto os EUA passariam, agora, a cobrar. O "supostamente" aqui é proposital, porque, até agora, economistas sérios ainda tentam entender de onde saíram muitos dos percentuais.

Mas o fato é que a globalização tal qual a conhecíamos acabou na quarta-feira, 2 de abril. A nação mais aberta do mundo fechou-se. O país que, a partir da Segunda Guerra Mundial, moldou o sistema internacional a sua imagem e semelhança, foi pai ideológico da globalização, emplacou o dólar como lastro global e exportou o livre-comércio como elixir contra autocracias se tornou a nação do protecionismo, erguendo muros e reduzindo as liberdades econômicas dos próprios americanos.

Na visão da The Economist, foi considerado "o erro econômico mais profundo, prejudicial e desnecessário da era moderna". The Wall Street Journal determinou "o fim da era da globalização".

Enquanto as análises, em sua maior parte, debruçam-se sobre os impactos econômicos, chamo a atenção para as repercussões geopolíticas. Os EUA pós-1945 erigiram a arquitetura estratégica baseada no comércio a partir do princípio kantiano segundo o qual nações que mantêm relações comerciais não entram em guerra entre si. Ora, talagaço tarifário de Trump atinge aliados na Europa e na Ásia. 

A inclusão da União Europeia rompe com a tradicional cooperação econômica transatlântica e incentiva, ainda mais, a Europa a buscar maior autonomia em política comercial e de segurança. Na Ásia, as tarifas sobre Vietnã, Índia, Coreia do Sul, Japão e Taiwan, os principais aliados na contenção militar da China, abrem um flanco na cadeia de defesa. Os EUA não são mais um parceiro confiável. Quase consigo ouvir as gargalhadas e os brindes no Kremlin, em Moscou, e no Zhongnanhai, em Pequim, no fim de semana. _

No Vaticano, um Papa "demasiado humano"

Duas semanas após deixar o hospital, o papa Francisco fez ontem a primeira aparição pública depois que retornou ao Vaticano, em 23 de março. Sentado em uma cadeira de rodas e com o auxílio de oxigênio por via nasal, o Pontífice cumprimentou os fiéis na Praça São Pedro. Mais tarde, nas redes sociais, afirmou sentir-se "frágil" e disse compartilhar com quem sofre "a dependência dos outros e a necessidade de apoio". _

Entrevista  - "O crime foi cometido contra o país, não só contra nossa família" - Chico Paiva

Neto de Eunice e Rubens Paiva, casal cuja história foi retratada em "Ainda Estou Aqui", vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional

Neto de Rubens e Eunice Paiva, Chico Paiva esteve em Porto Alegre na semana passada para receber a Comenda Porto do Sol, entregue pela Câmara de Vereadores, sob proposição do vereador Roberto Robaina (PSOL). Ele conversou com a coluna.

Qual foi o seu sentimento ao assistir ao filme?

Para nós, é um sentimento de orgulho, de muita honra ao ter a história da nossa família contada por pessoas tão talentosas quanto Walter Salles, Fernanda Torres, Selton Mello e toda a equipe. Minha avó e minha mãe sempre me ensinaram que não deveríamos, nunca, pessoalizar a dor da família, uma busca por vingança, mas, sim, uma luta coletiva pelo país. Minha avó dizia que o grande crime foi praticado contra o país, e não só contra a nossa família. Que o filme possa servir de inspiração para que outras histórias sejam contadas, para que pessoas que estão, hoje, em lutas importantes também se sintam inspiradas. Fico até pensando que o meu avô e minha avó deveriam estar contentes, porque o filme serviu ao propósito ao qual eles dedicaram a vida inteira: uma luta pela democracia, pelos direitos humanos e sociais.

E o Oscar?

Eu estava lá, foi sensação de final de Copa do Mundo. Todo mundo nervoso. Nós nos juntamos, antes de a cerimônia começar. Todo mundo se abraçando, parecia aquela cena que vemos na Copa, dos jogadores no túnel, subindo para o gramado. Na hora do anúncio, foi uma explosão, um grito, nós nos abraçando, chorando, caindo uns por cima dos outros. Era uma sensação de alívio, porque, claro, o grande mérito do filme foi trazer essa discussão à tona, mas, naquele dia, se não tivéssemos ganho, ia ser um sentimento de velório.

Você participou da produção do filme?

Não. O Walter era já amigo (da família). Ele estudou com a minha tia Analu, já conhecia meu tio (Marcelo Rubens Paiva). Pelo meu tio ter sido o autor do livro que deu origem (ao filme), participou ativamente da construção de tudo, do roteiro e dos personagens. Eles conversaram bastante com a minha mãe, com meu tio e tias, porque são as pessoas que viveram aquela época. Nasci quase 20 anos depois do assassinato do meu avô. Eles tiveram, durante todo o processo do filme, muito cuidado. Queriam ter a segurança de que a família se sentiria representada, se sentiria orgulhosa do que estava sendo trabalhado.

O filme abre precedente para outras reparações históricas de torturados na ditadura?

Com certeza. Vemos que o Supremo já teve esse entendimento de mudar a certidão de óbito, na qual, antes, constava apenas o óbito, e agora consta que foi por meio de assassinato, pela violência de Estado. Agora, estão discutindo a revisão da lei da anistia, principalmente com base no fato de o corpo de meu avô nunca ter sido devolvido à família. 

Ocultação de cadáver é um crime que ainda está em andamento, então você não pode anistiar. O filme dá esse gás para essa discussão voltar à tona e joga luz sobre outras coisas. Tivemos um presidente que, há dois anos, não reconheceu o resultado das eleições e que se articulou para tentar se manter no poder, fatos que culminaram nos atos de 8 de Janeiro. Trazer a memória dessa luta mostra para as pessoas o que foi a ditadura. 

Os brasileiros querem viver em uma democracia. O grande mérito do Walter em contar a história do filme da forma como o fez enxugou esse ruído político e eleitoral em torno da discussão sobre ditadura e democracia e mostrou a história de uma família, que poderia ser qualquer família brasileira. Com aquelas cenas que estão lá, de almoços de família, reunindo os amigos, se divertindo, qualquer um se identifica. E ver aquela família sendo destroçada pelo autoritarismo simplesmente porque tinha um pai que discordava do regime mostra que não é uma questão de esquerda ou direita. Você pode ser de direita ou de esquerda, mas é necessário defender a democracia acima de tudo. _

INFORME ESPECIAL

domingo, 6 de abril de 2025

É preciso dar mais vida aos anos”, diz o gerontólogo Alexandre Kalache

Uma das maiores autoridades em envelhecimento do mundo, Alexandre Kalache explica como associar mais expectativa à qualidade de vida

Alexandre Kalache: para o médico, de nada adianta estender a vida se não houver qualidade (May Tse/South China Morning Post/Getty Images)

Não basta acrescentar mais anos à vida. É necessário acrescentar mais vida aos anos. Essa é a premissa para um envelhecimento saudável, segundo o médico gerontólogo Alexandre Kalache, de 79 anos, presidente do Centro Internacional da Longevidade (ILC-Brasil). O Brasil, apesar de ser um dos países em que a população envelhece mais rapidamente, ainda não está preparado para esse processo de longevidade acentuada, diz ele. 

Basta ver o número de partidos políticos nas últimas eleições que citavam o envelhecimento nas suas plataformas. Foram poucos e, mesmo assim, de passagem”, diz o médico. Considerado um dos maiores estudiosos sobre o tema, Kalache foi diretor do Departamento de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), onde idealizou e conduziu diversos estudos e políticas públicas ligados ao tema do envelhecimento. A seguir, trechos da entrevista concedida com exclusividade à EXAME CEO.

O senhor costuma dizer que precisamos acrescentar mais vida aos anos, e não apenas mais anos à vida. Como isso deve funcionar, na prática?

Há uma obsessão pelo número de anos que as pessoas podem viver. Porém, não adianta estender a vida se ela não tiver qualidade. É preciso estender a vida com qualidade. Isso significa viver mais anos com saúde, dignidade, ciente de suas responsabilidades, propósito de vida, capital social e financeiro para as suas necessidades, e acumulando conhecimentos que possam ser deixados como legado às próximas gerações. O importante é viver bem com os anos que você tem. Quanto mais cedo você se prepara para o envelhecimento, melhor. Nunca é tarde demais para esse preparo, mas os ganhos serão sempre melhores para aqueles que começaram mais cedo.

A população brasileira envelhece rapidamente, em um processo que deve ser acelerado nos próximos anos. O país está preparado para isso?

Déficit: há pouco mais de 2.000 geriatras no Brasil, quando o ideal seriam mais de 30.000 (FG Trade/Getty Images)

Não. O Brasil é um dos três países que mais rapidamente envelhecerão nos próximos 25 anos. Em 2011, tínhamos 10% da população brasileira com mais de 60 anos. Em 2030, passaremos a 20% do total. A França levou 145 anos para um processo semelhante. Por sorte, os países ricos primeiro enriqueceram para depois envelhecer. Em 2050, mais de 30% da população brasileira será sexagenária, ou seja, cerca de 68 milhões de pessoas. E aí entra a questão da pobreza e da desigualdade, assim como a falta de acesso aos serviços de saúde. Estamos envelhecendo muito rapidamente e o país não está preparado. Basta ver o número de partidos políticos nas últimas eleições que citavam o envelhecimento nas suas plataformas. Foram poucos e, mesmo assim, de passagem, falando muito mais sobre emprego e estender a vida laboral do que estender uma vida com qualidade e oferecer dignidade às pessoas envelhecidas.

Há pouco mais de 2.000 geriatras credenciados, quando o ideal seriam mais de 30.000.

Hoje, Quais são os maiores desafios para quem envelhece no Brasil?

O principal deles é vencer o preconceito, o “idadismo”. A pandemia escancarou isso. Algo como “não vou comprar a vacina, gente velha só dá despesa, é um peso morto”. “O mundo é para os mais fortes.” E assim acumulamos mais de 700.000 mortes por covid-19 no país. O Brasil registrou 11% do total das mortes no mundo, enquanto a população brasileira representa apenas 3% da população mundial. Isso é um exemplo extremo do idadismo que prevalece em nossa sociedade, algo que deveremos fazer um esforço muito grande para vencer. Outros desafios são a desigualdade e a pobreza; a pobreza que começa no início da vida e se perpetua, assim como a falta de oportunidades.

Diante de tantos desafios, há também vantagens de envelhecer no Brasil, em comparação a outros lugares?

A sociedade brasileira tem uma coesão familiar e um capital social dentro da família que países desenvolvidos e já envelhecidos perderam. Temos o fator do clima que favorece a prática de atividades fora de casa, caminhadas, esportes. Mas, atenção, isso também está mudando. As ondas de calor são um fator de risco importante para a pessoa idosa. Somos um país de praia, mas também somos um país de enchentes. Em lugares com transtornos climáticos, as principais vítimas são as populações muito jovens e as idosas.

A vida é o direito mais fundamental, mas não é apenas uma questão de dar mais anos à vida. É necessário pensar em dar mais vida aos anos

Qual é o papel do poder público nesse processo de envelhecimento populacional? Como devem ser direcionadas as políticas públicas, em especial as relacionadas ao acesso à saúde, previdência e assistência social?

Eu sigo o Marco do Envelhecimento Ativo, promulgado pela Organização Mundial da Saúde em 2002. O que diz ele? Envelhecimento é priorizar e otimizar as oportunidades em quatro eixos fundamentais que podem aumentar a qualidade de vida à medida que envelhecemos. Em primeiro lugar, a saúde, o mais importante. O segundo eixo são os conhecimentos, as oportunidades para aprender sempre, da infância à velhice. A revolução da longevidade se dá em paralelo à revolução dos conhecimentos e da tecnologia. E quem não aprender novas habilidades vai ficar de fora. O terceiro pilar é a participação na sociedade. Isso pressupõe direitos de cidadania que, quando negados, reduzem a qualidade de vida. O último pilar é proteção e segurança. O horror do envelhecimento sempre foi e sempre será a pessoa se sentir desprotegida. E aqui não basta apelar para a família. É preciso que o Estado ofereça segurança e proteção ao idoso.

Apesar da demanda crescente, o Brasil possui poucos médicos geriatras, assim como cuidadores de idosos especializados. Como superar essa falta de profissionais?

Existe um déficit de 28.000 geriatras no Brasil, segundo a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Há pouco mais de 2.000 geriatras credenciados, quando o ideal seriam mais de 30.000. Ao mesmo tempo, apenas 10% das escolas médicas no Brasil possuem uma disciplina de geriatria. Mas vamos supor que haja um mutirão para formar 5.000 geriatras nos próximos dez anos. O problema é que o déficit terá aumentado para 37.000, por causa do envelhecimento da população. Ou seja, é enxugar gelo.

O que fazer, então?

Precisamos, sim, ter mais geriatras. Mas precisamos, sobretudo, que todos os profissionais da saúde aprendam mais sobre envelhecimento. O desenvolvimento das doenças, a farmacologia, a anatomia humana, tudo isso muda com a idade. Só que os profissionais não estão aprendendo o suficiente sobre envelhecimento. Por volta de 2040, a população do Brasil vai parar de crescer. O único segmento que continua­rá a crescer é o de pessoas com mais de 60 anos. Do total de residentes em medicina, cerca de 12% hoje escolhem obstetrícia e ginecologia. Não sei o porquê, já que estão nascendo menos crianças. Outros 11% escolhem a pediatria. Também não entendo, pois terão menos crianças para cuidar. E apenas 0,5% escolhem geriatria. A conta não fecha. Não estão percebendo que estamos no século da longevidade e a única forma de encontrar soluções duradouras é aprender cada vez mais sobre envelhecimento.

No Brasil, 4 milhões de pessoas idosas vivem sós. A solidão dói e pode ter um caráter perverso.

Outra questão é a solidão dos mais velhos. Como lidar com esse enorme desafio, já que parte considerável dessa faixa etária vive sozinha e, muitas vezes, distante da família?

A pandemia deflagrou e escancarou esse problema imenso em nível global. Na epidemia de covid-19 nos deparamos também com a pandemia da solidão. No Brasil, 4 milhões de pessoas idosas vivem sós. A solidão dói e pode ter um caráter perverso. E aqui não estamos falando da solitude. A solitude é um momento de introspecção que você escolhe, de reflexão. Mas a solidão, não. Ela não é uma escolha, e sim um contexto. Num país de dimensões continentais como o nosso, a solidão pode ser agravada pelo distanciamento. São necessárias políticas públicas efetivas para a criação de centros sociais e de convivência.

Como lidar com a questão econômica de forma a atender satisfatoriamente a população que envelhece?

Há muitas iniciativas que podem gerar empregos e oportunidades econômicas. Creio que políticas públicas, em todos os níveis, devem ser desenvolvidas com muito cuidado para não deixar ninguém para trás. Não vejo isso acontecendo. Há outro aspecto, sobretudo no setor privado, de oferecer oportunidades de trabalho digno para pessoas com mais de 60 anos. Em um país que envelhece tão rapidamente, é uma forma de fazer com que a economia possa ser ampliada e que essas pessoas sejam capazes de continuar produtivas e competitivas.

Apesar de todos os desafios inerentes à velhice, o senhor diz que a melhor coisa que pode nos acontecer é envelhecer. É isso mesmo?

Sim. Envelhecer é bom, morrer cedo é o que não presta. A vida é o direito mais fundamental, mas não é apenas uma questão de dar mais anos à vida. É necessário pensar em dar mais vida aos anos. E fazer com que esses anos a mais sejam com qualidade. Para isso, é necessário pensar de uma forma holística, humanística e com empatia, lembrando sempre aos mais jovens: você almeja envelhecer. Creio que ninguém tem preferência por morrer precocemente. Mas lute para que o país em que você vai envelhecer lhe dê oportunidades. O melhor que pode acontecer aos jovens é envelhecer em um país que lhes garanta dignidade.

Mentira tem perna curta (e visto americano)

Tem gente que mente que nem sente. Mas se mentir não é genético, como explicar o clã Bolsonaro?

Miranda - Comediante, atriz e roteirista. Cria vídeos em @aquela.miranda.

"Mentira tem perna curta", minha avó dizia. Discordo. Tem mentira com perna tão longa que atravessa a imigração americana. Mentir, afinal, não é só coisa de gente. Tem bicho que se finge de morto para escapar do predador —e tem os que preferem fugir pros Estados Unidos.

Durante o ensino médio, eu menti para a Michelle, professora de matemática. Fingi que estava doente no dia do teste. Não sabia nada sobre funções de segundo grau, minha única certeza é de que eu zeraria a prova. Consegui convencê-la a fazer o teste em uma segunda chamada. Estudei e me saí bem. Logo depois, me senti a pior pessoa do mundo. A maioria dos meus colegas tampouco sabia o valor de "x", mas bancaram a nota zero de cabeça erguida. No meu imaginário, o pátio da escola tinha se tornado uma praça da Inquisição: "À fogueira, aluna farsante e seu êxito imerecido!".

Já menti várias vezes na vida. Para mãe, namorado, amiga, chefe. E mente quem diz que não mente. Mas tem gente que mente que nem sente.

Se mentir não é genético, como explicar o clã Bolsonaro? Casta de mitômanos capazes de inventar cenário político para justificar um exílio autoproclamado. O talento é tanto que o "Primeiro de Abril" poderia se chamar "Dia dos Bolsonaros".

Um homem está posando em uma área urbana, com edifícios históricos ao fundo. Ele usa um colete escuro e uma camiseta clara. À esquerda, há uma coluna e, na parte inferior da imagem, um texto vermelho que diz 'SIGA: @BolsonaroSP'. A iluminação é natural, sugerindo que a foto foi tirada durante o dia.

Reprodução de vídeo de Eduardo Bolsonaro (PL) explicando por que decidiu morar nos Estados Unidos - Eduardo Bolsonaro no Youtube/Reprodução/Reprodução

Se tivesse sido meu colega de escola (não foi —prova de que Deus existe), Dudu Bolsonaro teria arquitetado uma doença autoimune incapacitante para conseguir a segunda chamada de matemática e, não satisfeito, teria espalhado a notícia de que Michelle havia forjado seu diploma e não poderia mais lecionar. Ficaríamos sem aula por duas ou três semanas até que conseguissem um substituto. Eduardo ganharia esse tempo para pegar as respostas da prova com os veteranos —e venderia o gabarito para as turmas 301 e 302.

No meio do ano, se filiaria à Comissão de Formatura só para desviar um percentual da venda dos ingressos da chopada e levaria sua namorada para a primeira vez (dela) em um motel na Barra da Tijuca (claro) —momento que teria inspirado a moça a apelidá-lo de "Bananinha" pelo seu desempenho... patriótico. Na faculdade, escolheria cursar Direito e se formaria sem esforços e sem notoriedade. Viraria deputado federal e faria vários nadas em favor da população.

Anos depois, uma reviravolta política o faria fugir do seu país sob pretexto de amor à nação. Alegaria perseguição de adversários e culparia um tal de Xandão. Lá na gringa, se reuniria com Trump, Musk, Zuckerberg e Bezos. O quarteto ouviria atentamente às declarações de Bananinha, propondo uma intervenção democrática imediata em terras tropicais: "We must save Brazil from dictatorship! Release these savages from barbarism!", diriam os biliotários.

Eduardo ligaria para o papai a fim de lhe informar sobre as excelentes novas. Prontamente, seria interrompido com um zap do Zuck: "April Fools, little banana".

No fundo, ele segue sendo o mesmo de sempre: o aluno fanfarrão que tenta colar, inventa desculpa e quando a prova chega, foge. A diferença é que, agora, a segunda chamada é no Supremo.