
Meu filho Vicente chamou um Uber: Uber Black. É para ser a melhor categoria do aplicativo. Íamos do bairro Petrópolis ao Moinhos de Vento.
Estávamos em quatro pessoas: eu, a esposa e os dois filhos adultos, devidamente arrumados para um aniversário. Fiz menção de me sentar na frente, e a porta não abria. Fiquei segurando em vão a maçaneta. Achei que estivesse estragada.
Questionei o motorista: - Posso ir na frente? Ele respondeu: - Só atrás. Não entendi.
Éramos quatro. Não teria cinto atrás para todos.
Além disso, com o táxi, sempre vou na frente. Evito me sentir levado por um chofer. Não me cai bem a ideia de mordomia e realeza, de criar um fosso de formalidade e hierarquia no trajeto. Prefiro o contato direto, igualitário, humano. Assim também posso colaborar com o caminho, compartilhando o horizonte da direção.
Ele nos obrigou a ir sem a segurança do cinto, o quarteto apertado, com as pernas encolhidas, amassando os trajes - enquanto, na frente, não havia ninguém. Para piorar, o Vicente tem mais de 1,80m. Suas pernas, imensas, não eram dobráveis como cadeira de praia.
Na época da covid, eu atendia à restrição. Hoje, ela não se justifica. Não existe nenhuma norma da Uber. É uma escolha só do condutor.
Será resultado da violência? Medo de assalto? Ou de assédio? É um desdobramento de algo que desconheço? Eu realmente gostaria de saber. Não parece ser um trauma ocasional. Aquele motorista, em questão, apenas explicou que tinha seus pertences ao lado. Não foi uma desculpa convincente.
Espiei o que ocupava o banco: térmica e chimarrão. Poderia guardar a mateira no porta-malas sem complicações, convenhamos. Aliás, os azuizinhos sequer permitem dirigir tomando mate. Ficou um climão, um mal-estar generalizado. Qualquer pergunta geraria conflito. O prestador de serviço simplesmente tirou um assento do seu sedan, que virou uma carruagem.
Você seleciona Uber Black para desfrutar de comodidade, gasta mais pelo conforto, para não se ver espremido como numa lata de sardinha.
Eu estava ideologicamente encurralado como pai. Na hipótese de comprar briga, meus filhos se mostrariam chateados. Já imaginava a queixa: "é sair com o pai que ele arma escândalo". Na hipótese de silenciar, eles me considerariam omisso. Também fantasiei a reprimenda: "na hora do enfrentamento, você some".
Perdi a credibilidade na viagem, pois me defini pela segunda opção e não fiz nada, covardemente. Aguentei no osso o deslocamento, suportando a pequena e provisória injustiça. Aconteceu essa primeira vez, deixei passar. Aconteceu uma segunda vez, perdoei. Mas, na terceira ocorrência, já notei uma tendência inadequada.
Num dos casos, o motorista mantinha uma Bíblia na carona. Será que Deus não cederia seu lugar? Não bastaria guardar a Palavra Sagrada no porta-luvas?
Foram exceções de um grupo de profissionais que não medem esforços para agradar, mesmo não sendo tratados como merecem, rodando o dia inteiro para suprir a cota do mês, compensando o valor baixo das corridas pela quantidade.
Bem compreendemos que a plataforma retém grande parte do percentual - até cerca de 25%, dependendo das variáveis, como promoções e tarifas dinâmicas. Se contarmos taxas adicionais, como custos fixos e de reserva, é capaz de faturar metade do total pago pelo passageiro.
Ser motorista não é uma vocação fácil. Exige empatia, conversa, discernimento das diferenças e das mais diversas necessidades. Abrir a porta do carro é o equivalente a receber o outro em sua casa.
É lidar com os inconvenientes de quem não quer seguir o Waze, de quem se incomoda com a estação do rádio ou com a música, com ar ligado ou desligado, de quem pede para esperar em locais proibidos.
Não protestei por compaixão: preocupa-me alguém trabalhar sob sol e chuva com esse receio de quem entra no veículo. É atuar sob o jugo do terrorismo psicológico. É temer o próprio público. É uma desconfiança que não ajuda ninguém.