
04 de Dezembro de 2025
ROGER LERINA
Espelho, espelho meu
Estamos na metade da década de 2020, mas nossa cabeça ainda é parecida com a que a gente tinha em meados dos 1990. A conclusão está no recém-lançado Brasil no Espelho (Globo Livros, 224 páginas), escrito por Felipe Nunes, cientista político e sócio-fundador da Quaest. O livro apresenta e interpreta o extensivo levantamento que a empresa de pesquisas realizou entre novembro e dezembro de 2023, questionando quase 10 mil brasileiros de todos os Estados a respeito de suas crenças, valores e ideias.
Segundo o estudo da Quaest, o país estava se abrindo nos anos 2000 para visões mais progressistas em temas como diversidade e direitos humanos. No entanto, nos últimos 10 anos, a emergência de problemas econômicos, turbulências políticas e fenômenos como a pandemia de covid-19 e a aceleração da vida fragmentada pelas redes sociais alimentou uma sensação de insegurança e instabilidade que fez o brasileiro voltar-se a valores mais conservadores. Religião, família e tradição - que nunca deixaram de ocupar um lugar de destaque no nosso ideário - voltaram então para o centro do palco.
O diagnóstico, no entanto, não poderia ser unívoco em uma sociedade tão complexa e contraditória como a nossa. A pesquisa define nove segmentos identitários a partir das crenças e interesses identificados nessa amostra tão heterogênea. O maior grupo é o dos conservadores cristãos, com 27% dos entrevistados. Já a extrema direita, segundo o trabalho, corresponde a 3% do total. Por outro lado, os qualificados como progressistas seriam 11% e os militantes de esquerda, 7%. Entre os extremos, haveria um punhado de segmentos flutuantes, atualmente mais embicados para a centro-direita.
Os dados levantados pela pesquisa se prestam a uma miríade de interpretações. As conclusões podem ser objetadas, e o panorama talvez até já tenha mudado de 2023 para cá. Com boa vontade, dá para vislumbrar alguma esperança: a geração "ponto com", como a maior pesquisa desse tipo já feita no Brasil nomeia quem nasceu depois de 2000 - em contraposição à chamada geração "bossa nova" -, define-se como mais tolerante e aberta à pluralidade. Tomara que essa visão realmente se imponha, porque, na contramão do que cantava Belchior, não somos mais os mesmos e nem vivemos como nossos pais.





