03 DE JULHO DE 2018
DIANA CORSO
Crucificando a gestante
No final da festa, a gestante homenageada parecia um espantalho. Descabelada, seminua, a barriga rabiscada, o rosto parecia maquiado por uma criança de três anos. Começou linda, arrumada para a homenagem, roupa nova e instituto de beleza.
A irmã sentiu que a festa degringolou para bullying coletivo, como se as mulheres presentes estivessem punindo a grávida pela sua condição. Lembrava de ter dado risadas, de desenhar na barriga dela com batom. Agora sentia vergonha. Ela, que tinha se esmerado para entrar com o pé direito na missão de madrinha, que organizara um chá de fraldas a rigor. Decididamente, precisava pedir desculpas.
Consolei-a com o argumento de que isso era um rito, que não havia sido cruel. Mas ela perguntava: por que fazemos isso? Pensei no argumento clássico: temos inveja da gestante. Mesmo que as outras já tivessem filhos, seria um estado cobiçado. Como se ela estivesse em um estado de plenitude em que todas gostaríamos de estar. Mas não me convenci.
Da parte das mulheres que já experimentaram uma gestação, tal visão eufórica me parece injustificável. Os nove meses não são uma travessia fácil. Não bastassem as transformações físicas, precisamos enfrentar a labilidade emocional e a cabeça que não cessa de desfilar incertezas. Um chá de fraldas deveria ser como um grupo de apoio mútuo, uma celebração que, sem deixar de ser alegre, poderia ser acolhedora. Só que acabou tomando a forma de um rito, um exorcismo de pendências com a maternidade. Por quê?
Porque a gestante deixa de ser dona do seu corpo. O rito a coloca na condição de casca em torno do feto. "Empalhaçar" uma grávida é uma alegoria da alienação de si que ela está sofrendo, seus trajes evidenciam e exacerbam sua transformação corporal. Por quase um ano - contando a gestação e o puerpério -, ela se esgaça, desequilibra-se, sente-se alterada e privada do controle sobre sua imagem corporal. Pode estar feliz, sentir-se bonita, mas fará um cotidiano esforço de adaptação para reconhecer-se no espelho e entender que naquela barriga há alguém que é dela, mas não é ela.
Frente às grávidas nos identificamos com o bebê. Empenhadas em lembrar à futura mãe que somente ele importa, ignoramos ostensivamente o querer dela. Fazemos questão de esquecer que também temos o potencial da gestação, que conhecemos seus fardos.
Tememos que nossa mãe possa ter vacilado em seu desejo por nós. Já pensou se ela tivesse ponderado que não nascêssemos? Que perigoso é o poder de uma mulher na condição materna! Melhor ir cortando as asinhas das futuras mães, elas que aprendam a ser um contêiner, a inexistir, a sujeitar-se ao filho. Talvez essa seja a razão da crueldade do rito. Não é difícil entender a ressaca da futura madrinha. Precisamos falar mais sobre a crueldade com as gestantes.
*Até o dia 16 de julho, David Coimbra escreve no Jornal da Copa, encartado nesta edição.
DIANA CORSO
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