sexta-feira, 4 de novembro de 2016



04 de novembro de 2016 | N° 18678 
DAVID COIMBRA

A foto da Sabrina Sato espantou as japonesas

Uma das maiores surpresas que tive, ao vir morar nos Estados Unidos, foi descobrir a homogeneidade do Brasil.

Nós, brasileiros, somos muito mais parecidos uns com os outros do que pensamos. Gaúchos não são tão diferentes dos acrianos, paulistas não são tão diferentes dos baianos. Nós até tentamos cultivar certas idiossincrasias, mas elas são irrelevantes se você comparar com um país tão diverso como os Estados Unidos.

Os Estados Unidos são, realmente, vários Estados que se uniram. Há profundas diferenças de Estado para Estado, e não apenas na legislação, mas na cultura e na forma de viver. Mais: os Estados Unidos estão em constante mudança, porque o fluxo imigratório não cessa. No Brasil, a última leva significativa de imigrantes, de japoneses, chegou há quase cem anos. De lá para cá, o, digamos, “tipo” brasileiro foi se consolidando e se cristalizando.

Verdade: um brasileiro pode se parecer com um alemão, com um japonês ou com um africano, mas ele terá sempre certa marca brasileira que o distinguirá dos alemães, dos japoneses e dos africanos.

O que é essa marca? Ainda não consegui identificar intelectualmente, mas eu a percebo, quando vejo. Olho uma pessoa lá do outro lado da rua, nunca a vi antes e adivinho: é brasileiro. Aí vou até lá, me aproximo e ouço-a falando português. Sempre funciona.

Esses dias, estava conversando com três japonesas que conheço. Falávamos sobre isso, sobre a diversidade étnica do povo brasileiro. Falei que há muitos descendentes de japoneses no Brasil e, para ilustrar, busquei no celular algumas fotos da Sabrina Sato. Mostrei para elas, e elas:

– Oooooooh... Mas as japonesas não são assim. Essa é uma japonesa brasileira.

Analisei de novo as fotos da Sabrina, algumas bem interessantes, e tive de admitir que nunca vi uma japonesa-japonesa assim.

O Brasil, realmente, é dos brasileiros. Não há muitos estrangeiros vivendo no Brasil – não na proporção que há nos Estados Unidos.

Essa convivência com pessoas de procedências e culturas tão diversas torna o americano espantosamente tolerante com estrangeiros. Digo espantosamente porque isso também me surpreendeu, ao vir para cá. Achava que o americano era mais suspicaz com quem vinha de fora, sobretudo com quem vinha de fora para ficar. Mas não. Os americanos são gentis, educados e muito compreensivos com os forasteiros.

Por isso, o fenômeno Trump não pode ser explicado apenas por um eventual sentimento xenofóbico dos americanos. Esse sentimento xenofóbico, em geral, não existe, e, quando existe no particular, é menor do que o dos europeus e até do que se percebe entre os brasileiros.

O crescimento de Trump faz parte de uma onda maior, que assoma sobre todo o Ocidente. De uma forma rasteira, pode-se dizer que é uma reação ao politicamente correto, mas é mais profundo do que isso. É mais uma reação à vigilância comportamental exercida por parte da sociedade.

A grosseria de Trump se transforma em ousadia para as pessoas que não suportam mais ser julgadas pelo que pensam. Trump não cresceu por suas propostas, até porque elas são folclóricas. Trump cresceu porque afronta o padrão de comportamento do Ocidente moderno. Tenho a impressão de que a possibilidade de Trump se eleger presidente aumenta cada vez que ele recebe uma crítica de natureza moral. O problema é que, se ele se eleger presidente, o que menos fará diferença será qualquer coisa de natureza moral.

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