08 de novembro de 2016 | N° 18681
LUÍS AUGUSTO FISCHER
TECNOLOGIA E MOVIMENTO
As ocupações de escolas, institutos e universidades são um fato, como três anos atrás haviam sido aquelas marchas. Primeiro de tudo, elas expõem agora (e de modo bem mais obscuro mostravam então) uma oposição ao governo federal, em si mesmo e em suas iniciativas mais vistosas acerca do mundo da educação e da pesquisa: para quem vinha de uma onda bastante homogênea de crescente prestígio para a área, desde os governos FHC, só dá mesmo para diagnosticar o momento atual como catastrófico.
Outra marca dessas movimentações é a descentralização. Nas passeatas de três anos atrás, dava a impressão de que cada participante fazia quase uma passeata privada, uma autopasseata, tantas eram as tribos, os grupos, as incontáveis questões em pauta, num gradiente que ia de partidos e movimentos organizados segundo modelo nítido, com alguma hierarquia (nem que fosse a hierarquia das reivindicações), até anarquistas pacíficos e, na terceira ponta, vândalos black blocks. Nas ocupações de agora, em que se reconhece organização, há também essa variedade e essa descentralização, por sinal propiciada pela tecnologia digital.
Conversando com meus contemporâneos, esses dias, lembrei da passeata de 23 de agosto de 1977, a primeira grande após 1968. E nos veio à mente o contraste entre as comunicações de então e as de hoje. Naquele remoto tempo, quase 40 anos atrás, não só não havia internet como não havia celular, e os telefones eram ainda relativamente escassos. Quando havia passeata, o máximo que podíamos fazer era marcar um encontro para horas depois, num bar ou centro acadêmico, um ponto enfim, onde todos passariam ou ao qual fariam chegar a notícia sobre sua sobrevivência e liberdade; caso não passassem até certa hora, era o caso de começar a pensar em como fazer para obter a soltura do camarada.
Como será lembrada essa movimentação de agora, daqui a outros 40 anos? Faço a pergunta um pouco para relativizar a tensão de agora, outro pouco para me consolar com o fato de que o tempo passa para todos – mas não faço a menor ideia do que poderá estar pensando um protagonista atual em sua maturidade, a evocar aquele tempo, este aqui, em que os celulares eram ainda os smartphones com bateria e a internet era lenta e parcial.
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