quinta-feira, 30 de agosto de 2012


PASQUALE CIPRO NETO

"Servidor que manter greve..."

Deveria ocorrer o mesmo processo na flexão de outros tempos verbais, sobretudo os do modo subjuntivo

A BRUXA estava de plantão na edição da Folha do último dia 25, mais precisamente nestes dois títulos: "Servidor que manter greve ficará sem reajuste..."; "... ex-PM afirma que, quanto menos se expor, melhor".

No mesmo dia, muitos leitores me escreveram. Alguns deles perguntaram se há ou haveria alguma possibilidade de ser adequado o emprego das formas "manter" e "expor".

Vamos lá, pois. Recorro a uma velha questão do vestibular da Unicamp. Pedia-se aos candidatos que indicassem a forma inadequada de um fragmento jornalístico, em que se lia algo como "...se o governo suspender (...), retirar do Congresso (...) e repor as perdas salariais". Pedia-se também que os candidatos reescrevessem o trecho, substituindo a forma inadequada pela cabível. Por fim, o item mais importante da questão: a banca queria que os candidatos explicassem o motivo do "desvio".

O caso abordado pela banca da Unicamp tem relação com os que se veem nos títulos do último dia 25. Vamos por etapas. Nos títulos citados, os verbos "manter" e "expor" foram "conjugados" no futuro do subjuntivo. Para quem não se lembra do que é "futuro do subjuntivo", lá vão alguns exemplos concretos: "Se/Quando você for lá..."; "Se/Quando você puder..."; "Se/Quando você estiver..."; "Se/Quando você trouxer...". Lembrou? Pois bem. Esse tempo é derivado do pretérito perfeito do indicativo. Calma! Já explico -com exemplos concretos: "Ontem eles fizeram os trabalhos"; "Naquele ano eles vieram aqui"; "Eles puseram a carta no correio ontem"; "O Brasil ganhou a Copa de 1958". Lembrou?

Pois bem. Como já afirmei, o futuro do subjuntivo deriva do pretérito perfeito do indicativo. Direto ao ponto: apanha-se a terceira do plural do pretérito perfeito e eliminam-se as duas últimas letras, que são sempre "am", e chega-se à primeira do singular do futuro do subjuntivo. Façamos a conta: vieram - am = vier (Se/Quando eu vier); disseram - am = disser (Se/Quando eu disser); expuseram - am = expuser (Se/Quando eu expuser); mantiveram - am = mantiver (Se/Quando eu mantiver).

Bem, com a primeira do singular na mão, é só continuar: se/quando eu expuser, se/quando tu expuseres, se/quando ele expuser...; se/quando eu mantiver, se/quando tu mantiveres, se/quando ele mantiver.

Voltemos aos títulos para que troquemos a forma "inadequada" pela "adequada": "Servidor que mantiver greve..."; "...afirma que, quanto menos se expuser, melhor". No caso da questão da Unicamp, a forma inadequada é "repor", que deveria ser trocada por "repuser".

E qual será a razão do desvio? É simples: muitas vezes, o falante "regulariza", ou seja, torna regulares formas que não são regulares. É por esse processo que crianças dizem "eu sabo", "eu consego", "eu fazi", "se eu pôr", "se eu ir lá" etc. Quando se diz ou se escreve algo como "Servidor que manter greve" ou "Quanto menos se expor", seguem-se os mesmos caminhos que seguem as crianças que dizem "eu sabo", "eu fazi" ou "se eu ir lá".

Bem, um belo dia, as crianças aprendem que no lugar de "eu sabo" se diz "eu sei" etc. E normalmente aprendem isso pelo uso, ou seja, aprendem antes de ir à escola, onde lhes será dito que há verbos regulares e verbos irregulares. Depois de uma certa idade e do contato com as modalidades cultas da língua, deveria ocorrer o mesmo processo na flexão de outros tempos verbais, sobretudo os do modo subjuntivo, e particularmente com verbos enjoados, como "ver", "vir", "ter", "pôr" e respectivas famílias. É isso.

inculta@uol.com.br

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